Ity João Abel (*)
24 de agosto de 1954, o Brasil chorava a perda do então presidente da República, Getúlio Vargas, vítima de suicídio. Neste mesmo dia era inaugurada a rodovia ligando Diamantina a Virgem da Lapa.
Naquela data, a única estrada que dava acesso à Turmalina e às cidades vizinhas até Diamantina e Belo Horizonte era passando pela ponte baixa do São Miguel.
Foi preciso que um visionário traçasse um caminho que facilitasse o tráfego de automóveis e caminhões que aumentavam cada vez mais.
Américo Antunes de Oliveira conhecido por Américo Barbosa vislumbrava o futuro e contrariava o impossível. Um autodidata simples e bruto na coragem.
Querido por todos e amigavelmente chamado por Tibeco, possuía o dom do diálogo e o poder de convencimento, pregava a união como fonte transformadora e desbravadora de novos horizontes.
Com perspicácia, o homem de estatura média, branco, rosado pelo sol, olhos azuis como o céu de verão e montado em sua mula “cabeça de martelo”, ajudou a construir a estrada para Capelinha e traçou uma estrada para o “alto” de Turmalina, a BR 367.
A primeira estrada seria quase um atalho para chegar no “alto”. Atravessaria o rio pela “passagem real”, pouco abaixo do encontro dos rios Araçuaí e Itamarandiba.
Por dois motivos não deu certo, o dono das terras não concordou e, também, as lapas para a base não passavam confiança.
Então, foi preciso desenhar um novo caminho passando pela Comunidade do Barreiro até chegar ao rio.
Os encarregados e braços direito de Tibeco eram os amigos Adãozinho Serapião e Abel Francisco, que conduziam a turma de voluntários na base dos mutirões braçais, empunhados de machados, enxadas, enxadões e picaretas, metro a metro nos meses e nas léguas, enfim, puderam lavar o rosto nas águas do rio e sonhar com o projeto da ponte.
Enquanto planejavam o grandioso projeto da ponte uma passarela para pedestres foi construída.
O ir e vir sobre o rio desfilou até a primeira enchente. Sem piedade, as águas do rio afogaram aquela passarela deixando bem claro, a ponte teria que ser alta.
A PONTE ALTA
Américo Barbosa encabeçava todas as movimentações na construção da maior obra de todos os tempos de Turmalina, com apoio do estado e união de muitos homens, dentre eles um tal de Geraldo Tratorista que passava o dia cantando a música “Boneca Cobiçada”.
A base foi a mais trabalhosa, cada pilar foi encravado com profundidade nas rochas mais duras.
Os homens aumentavam e a obra faraônica aos poucos saía do chão de forma maciça e gigantesca.
Muitas das madeiras foram extraídas nas “Perobas” do Sr. Vicente Francisco, cortadas a machado e puxadas pelas juntas de bois até a estrada, onde os caminhões levavam até a ponte que seria tão alta que jamais faria parte dos lampejos do rio.
Na hora do almoço a saborosa comida chegava num tacho coberto por folhas de bananeiras, tudo preparado pela D. Ritinha do Massimiano.
O salário era a novidade para maioria dos operários, habituados a trabalhar em troca de mantimentos, alguns chegaram a reclamar até descobrirem que “mil reis” era um bom valor e daria de sobra para a despesa da casa.
As dezenas de troncos gigantes enfileiravam verticalmente dando suporte às vigas e depois o assoalho de tábuas, tudo feito com madeira de lei.
A ponte tomava forma e encantava os olhos da região.
Todas as pontes da época eram baixas. Por este motivo, no ano de 1961, o monumento arquitetônico recebeu o nome de “Ponte Alta”.
A imponência era a principal marca da Ponte Alta. Obra colossal que despertava o orgulho de ser indestrutível. Assim, um senhor gritou de cima da ponte e virado para o leito do rio:
“Mil anos eu vivesse, mil anos eu veria! O rio jamais vai molhar a sola dos meus pés encima da Ponte Alta!”
Os anos escorriam, e nenhuma cheia jamais sequer abalava as bases da alterosa Ponte Alta.
A “profecia” do poeta operário parecia que perduraria pelos mil anos, principalmente depois da seca que afligiu nosso povo em 1975.
Tempos conhecidos pelo feijão duro e cheio de bicho, assim foram os anos subsequentes ajoelhados de rezas e penitências pelas chuvas até novembro de 1978, mês que chovia todos os dias à tarde, o rio subia um pouco e descia, nada que abalasse as bases da beleza e magnificência da Ponte Alta.
Os lavradores agradeciam as orações atendidas e no meio de dezembro todos diziam:
“É parece que o tempo vai colar na chuva”.
E antes do final do ano os céus pareciam derramarem toda a água dos tempos da seca sobre a terra.
A chuva não cessava, cargas d’água desabavam e seguiram em um dilúvio por 40 dias e 40 noites.
As serras pareciam que iriam derreter, as águas marejavam por todos os lados e com uma força descomunal o rio fermentava e agigantava cada vez mais aproximando do piso da Ponte Alta, que resistia a força das águas caudalosas e das árvores arrancadas pelas chuvas que desciam e batiam inteiras contra os seus pilares.
Nos arredores, muitas casas ribeirinhas, inacreditavelmente, foram, assustadoramente, cobertas pela enchente noturna, que o diga o Sr. Luíz do Sérvulo e Sr. Zé Baiano, que acordaram de madrugada sem ouvir o barulho do rio, acharam estranho. Quando colocaram os pés no chão, as águas estavam na “barra do joelho”, a tempo de correr e salvar a família, pois o rio subia e só subia…
Incrédulo, o povo abismava com os últimos momentos da Ponte Alta, registrando em fotos o mar de águas engolindo a ponte.
E em um sábado, dia dez de fevereiro de 1979, o rio molhou o assoalho da ponte e naquela noite deixou por águas os “mil anos eu veria…” do poeta operário.
A Ponte se foi… A ponte dos sonhos de grandeza se foi… apenas alguns vestígios de sua base ficaram para contar a história.
No outro dia a notícia correu o mundo chegando até as ondas poderosas da Rádio Inconfidência que anunciou:
“A ponte que liga Turmalina a várias cidades e à Capital Mineira, conhecida como Ponte Alta, foi destruída pelo rio Araçuaí nesta madrugada. Marcando o maior desastre da história do Norte.”
Francelino Pereira tomou posse como governador e três meses depois, com apenas uma semana no governo de Minas Gerais, visitou o local do desastre e iniciou um novo capítulo para a Ponte Alta.
Após 18 meses foi construída uma nova Ponte Alta que está completando 45 anos em 2025. Hoje, com a segunda faixa de uma via.
Ponte Alta. Seis décadas atravessando o desenvolvimento do povo do Vale!
(*) Ity João Abel é escritor e compositor
Fontes: Vicente Francisco, Zé Baiano, Geralda Oliveira, Joaquim Afonso Godinho, Jéferson Lopes, Noraldino Francisco de Oliveira, Valdivino Pereira, Dino Francisco, Terezinha Lopes, Sérgio Francisco, João Antônio, José Alves Pereira, Joaquim Dias e Dalci Carvalho.