
Ponto central da nova geopolítica global: a apropriação das terras raras. CRÉDITOS: Reprodução
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10-04-2025 às 09h54
Cristiane Helena de Paula Lima Cabral*
Você, leitor, certamente deve estar se perguntando o que geopolítica está relacionada com a mineração. Afinal de contas, até onde sabemos os países mineram, exportam e importam as suas commodities dentro dos rearranjos que envolvem o comércio exterior.
No entanto, apesar do que se imagina, nos últimos tempos, e, em especial, nos últimos meses do ano de 2025, a mineração nunca esteve tão atrelada aos desdobramentos da geopolítica internacional.
Já escrevi, em outras oportunidades, sobre o reflexo das eleições americanas nas relações internacionais e na relação entre os Estados, o retorno do protecionismo, o redesenho do xadrez mundial.
Dentro desse caldeirão, ainda se devem destacar as questões concernentes à gestão ambiental, mudanças climáticas e sustentabilidade.
E onde entra o setor mineral?
Ele está diretamente relacionado à transformação internacional, pois o que se percebe, com as últimas guerras e movimentações, é uma disputa, não só pelo poder, mas também pelo controle de regiões estrategicamente importantes para as relações entre os Estados.
Uns dos aspectos que podemos citar é a guerra entre Ucrânia x Rússia. Além da política de hegemonia russa, desde o início, a questão energética foi tema central da disputa, pois a Europa teve que redescobrir formas de comercializar o gás, já que grande parte do combustível europeu é proveniente do país russo.
Outro ponto de preocupação é a exportação dos fertilizantes tão importantes para a agricultura. Apesar de todos as sanções aplicadas, desde o início da guerra, a Rússia ainda continua sendo o maior exportador da matéria prima e, inclusive, não foi incluída na lista do tarifaço do presidente americano justamente por pressão dos agricultores da terra do Tio Sam.
E chegamos ao ponto central da nova geopolítica global: a apropriação das terras raras. O nome, apesar de remeter à ideia de um local inabitável e de difícil acesso, refere-se aos minerais de difícil extração como bastnaesita, monazita, xenotima e loparita, que são essenciais na fabricação de bens de consumo utilizados no nosso dia a dia, e também utilizados para a energia verde, eletrônicos e aeroespacial, mas a sua extração ainda necessita de uma tecnologia específica.
A Ucrânia, por exemplo, é o país da Europa com uma das maiores abundâncias de reservas dos minerais das terras raras, inclusive, um dos últimos termos de acordo propostos por Washington para pôr fim à guerra foi, justamente, o acesso ilimitado às reservas ucrânias, já que grande parte desses minerais são de suma importância para o desenvolvimento da economia americana.
Na Ásia está presente o maior produtor de terras raras do mundo. Isso mesmo, a China detém o “domínio quase completo da indústria de terras raras, sendo a maior mineradora, refinadora e produtora mundial” e não é à toa que ela esteja no centro da disputa do poder na imposição de tarifas pelo governo americano.
Não menos importante, a Groenlândia, ilha gelada que até então estava esquecida, vem se mostrando estrategicamente relevante, seja em virtude dos minerais das terras raras essenciais para a indústria veicular e para as turbinas eólicas ou pela sua posição geográfica que possibilitará a criação de novas rotas de comércio . Isso só nos faz concluir que os interesses do presidente americano vão além da ideia de tornar a Groenlândia totalmente independente.
O setor mineral que já convive com a burocracia dos países, as suas regulamentações e as constantes restrições de exportações, agora se vê em uma encruzilhada ligada à geopolítica e ao acesso a minerais para a transição energética.
O Brasil, que possui uma reserva mineral atrativa, pode sair vencedor dessa disputa, no entanto precisa ultrapassar os desafios criados pela transição energética, segurança das barragens e destinação das pilhas de rejeitos, além da necessidade de adoção de uma legislação menos burocrática.
O certo é que, nesta disputa, se não houver a adoção de políticas sustentáveis para exploração, não haverá nenhum vencedor.
* Cristiane Helena de Paula Lima Cabral é dDoutora em Direito Público Internacional pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Ciências Jurídico-Internacionais pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa-PT. Professora dos Cursos de Pós-Graduação em Direito Internacional da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Servidora do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. Professora Universitária. Contato: crishelenalima@gmail.com