
CRÉDITOS: Divulgação
06-08-2025 às 10h14
Raphael Silva Rodrigues*
Certa vez pude aprender com uma das minhas irmãs, psicóloga de formação, que ao olharmos para trás e analisarmos a nossa trajetória, percebemos como a nossa vida se assemelha a uma roda gigante. Essa lição veio por meio de uma foto, que mostrava vários momentos da vida da nossa família, em formato de roda gigante. Não se trata de uma linha reta, meticulosamente traçada, mas de um movimento cíclico, imprevisível, com altos empolgantes e baixas inevitáveis. Em cada volta dessa engrenagem, colecionamos histórias, aprendizados e marcas que, juntas, compõem a tapeçaria complexa e multifacetada de quem realmente somos, forjando nossa identidade e resiliência.
No topo da roda, a vista é de tirar o fôlego. São os momentos em que tudo parece funcionar em perfeita harmonia, quando os sonhos parecem tangíveis, a saúde está plena, as relações florescem em cumplicidade e o futuro sorri para nós com promessas ilimitadas. Nessas alturas, experimentamos uma euforia contagiante, uma gratidão profunda e a ilusão de que ali permaneceremos para sempre, imunes às intempéries. É fácil acreditar que o sucesso, a felicidade e a estabilidade são estados naturais, permanentes e merecidos, esquecendo-nos da impermanência intrínseca a toda existência.
Mas o movimento é próprio da vida, e a roda segue seu curso inevitável. A descida é tão inevitável quanto natural, um contraponto necessário à ascensão. Perdas significativas, decepções amargas, términos dolorosos, dúvidas existenciais e fracassos inesperados nos visitam. Nessas fases, a vista muda drasticamente: o horizonte encurta, a rotina pesa como um fardo e, por vezes, o que parecia sólido e inabalável se desfaz diante dos nossos olhos, gerando um profundo senso de vulnerabilidade e desorientação. Naturalmente, a tendência inicial é resistir ferrenhamente, buscar respostas imediatas, culpar as circunstâncias externas ou até mesmo duvidar da própria capacidade e valor.
Entretanto, a grande lição da roda gigante da vida está justamente na aceitação plena desse movimento. Não há como congelar o tempo nem se fixar eternamente no alto. O segredo talvez seja aprender a aproveitar o que cada fase tem a nos oferecer, compreendendo que o infortúnio e a adversidade carregam em si sementes poderosas de renovação, autoconhecimento e crescimento, e que os momentos de júbilo e plenitude nos ensinam o valor inestimável dos pequenos prazeres, da gratidão e da humildade genuína.
Durante as ascensões, é preciso valorizar cada conquista e cada bênção, mas também cultivar a empatia e a compaixão por quem está em ciclos diferentes, talvez enfrentando suas próprias descidas. E, quando a roda desce, mais do que se desesperar ou cair em vitimismo, é essencial entender que aquilo também passará, que a dor é transitória e que a transformação é constante. Cada volta completa nos acrescenta camadas de maturidade, temperando nosso espírito; aprendemos a ser menos impacientes, a agradecer pelas lições disfarçadas de desafios, a enxergar além do imediatismo do cotidiano e a desenvolver uma perspectiva mais ampla e resiliente sobre a existência.
Quantas vezes não tentamos forçar a vida a ser estável, previsível, controlável e confortável em sua linearidade? Agarramo-nos a planejamentos rígidos, buscamos fórmulas prontas para o sucesso e a felicidade, tentamos evitar surpresas e desvios. Enfim, tudo em vão. A roda gira, inevitavelmente, desorganizando nossas expectativas e nos lembrando da fluidez da vida. Até mesmo os eventos mais simples e aparentemente insignificantes são prova de que estamos em constante mutação. O importante é reconhecer essas mudanças, abraçá-las e compreendê-las como parte de um todo maior, um fluxo contínuo de viradas e recomeços.
Olhando para a sociedade ao nosso redor, é fácil perceber o quanto a falta de flexibilidade e a resistência à vida cíclica alimentam a ansiedade, o estresse e o burnout contemporâneos. Esperamos uma linearidade utópica: uma carreira em linha ascendente constante, relacionamentos sem conflitos, felicidade ininterrupta. No entanto, a verdadeira saúde emocional e o bem-estar duradouro dependem de aceitar o fato de que a linha da existência é feita de curvas sinuosas, voltas inesperadas e reviravoltas dramáticas. A busca incessante por uma “zona de conforto” estática é, paradoxalmente, uma fonte de desconforto e frustração.
Aceitar esse movimento dinâmico não é resignar-se à passividade ou ao fatalismo, mas sim preparar-se para surfar as ondas da vida com leveza, coragem e adaptabilidade. Aprendemos a nos adaptar a novos cenários, a pedir ajuda quando necessário, a recomeçar de maneira mais sábia, mais sensível e mais autêntica a cada novo ciclo. A vulnerabilidade deixa de ser um sinal de fraqueza e se transforma em uma fonte de força e conexão; percebemos que ninguém está sozinho nessa roda e que todos, sem exceção, experimentam dias de topo e dias de fundo, compartilhando a mesma condição humana de impermanência e transformação.
Valorizar a alternância de cenários e a natureza cíclica da vida contribui imensamente para a ampliação da nossa capacidade de resiliência e compaixão. Propicia enxergar o outro com mais generosidade e empatia, pois amanhã, quem hoje sorri no topo pode precisar de um ombro amigo e de um abraço solidário na descida. Traz também a profunda e libertadora noção de impermanência, tão cara à filosofia e tão esquecida pelo nosso cotidiano apressado e materialista.
Portanto, lançar um novo olhar para a metáfora da roda gigante pode ser um convite à sabedoria prática e um conselho dos mais experientes: sejamos humildes o suficiente para aproveitar cada subida com gratidão. Que possamos entender o sentido e as lições de cada descida com paciência e introspecção, e não se apegar cegamente a um momento específico, seja ele de glória ou de adversidade. A vida não é feita para ser constante; ela pulsa, se reinventa e desafia nossa capacidade de adaptação e reinvenção diariamente.
*Raphael Silva Rodrigues: Doutor e Mestre em Direito (UFMG), com pesquisa Pós-doutoral pela Universitat de Barcelona, na Espanha. Especialista em Direito Tributário e Financeiro (PUC/MG). Professor do PPGA/Unihorizontes. Professor de cursos de Graduação e de Especialização (Unihorizontes e PUC/MG). Advogado e Consultor tributário.