Teve uma vez que para fugir das formas, me deu uma mandolina. Um luxo! Nossos pratos nunca mais foram os mesmos. Para impressionar as visitas, cortamos tudo na mandolina.
Gisele, você só sabe falar sobre comida? Deve ser a maior comilona. É receita disso, receita daquilo, bolo pra cá, bolo lá. Fotos e vídeos de vários ângulos, que desculpe, muitos nem tão fotogênicos assim.
Até concordo que saio fotografando tudo, mas quanto a ser gulosa é impressão sua. Eu me alimento como um passarinho. Meus irmãos e minhas irmãs até dizem que vivo de luz. Na verdade, o meu prazer está na oferta, no compartilhamento. Fico feliz só de ver as pessoas comerem o que cozinhei. O prazer delas me alimenta. Vou para cozinha como quem vai pra uma festa. Mesmo que seja só para fazer um arroz com feijão, com carne de porco, serralha e angu. Vou pra cozinha me divertir.
Mas isso é diversão? Você só pode estar maluca!
Para mim, cozinhar é, sim, um prazer. O fogão é o meu “playground”. Se quiser me ver feliz me dê panelas, formas de bolo, travessas, xícaras … Por falar nisso, sou a louca das formas de bolo. Tenho várias. Das convencionais às de bolo inglês, redondas, quadradas, octogonais, em formato de pinheiro, coração, piscininha. Tenho até uma para fazer bolo xadrez. Presente da Gilda em um de nossos Natais.
Teve uma vez que para fugir das formas, me deu uma mandolina. Um luxo! Nossos pratos nunca mais foram os mesmos. Para impressionar as visitas, cortamos tudo na mandolina.
Ainda falando sobre formas, tenho um objeto do desejo. Adoraria ter uma Bundt, a marca mais famosa do mundo. O seu design icônico me leva até a sonhar com ela. Além do tradicional furo no meio, essa forma tem bordas decorativas que criam bolos visualmente impressionantes. Quanto ao preço, melhor nem comentar. Para comprar uma dessas teria que juntar muitos tostões.
São fabricadas pela norte-americana Nordic Ware. E aí você já viu, né? Cotação em dólar. E por falar em dinheiro (ou na falta dele) fiquei sabendo que vamos ter uma “Le Cordon Bleu” em Beagá. As matrículas já estão abertas. Para mim, por enquanto, é só um sonho. Mas quem sabe, né?
Voltando ao ponto de partida, muita gente me pergunta o porquê dessa minha “obsessão” por bolos. Vamos lá! Primeiro porque gosto do sabor, do perfume. Gosto especialmente da magia, da mistura dos ingredientes até o resultado final. Ingredientes simples como farinha, ovos, açúcar e manteiga se transformam em algo completamente diferente e delicioso. A química entre eles, especialmente quando aquecidos, cria texturas e sabores únicos. E, segundo, porque o processo todo me encanta.
No forno, a massa líquida se transforma em uma estrutura sólida e fofa. A fermentação faz o bolo crescer, e o calor carameliza os açúcares, criando uma crosta dourada e saborosa. O aroma de um bolo assando, a textura macia e o sabor doce proporcionam uma experiência sensorial completa. irresistível.
Lembrando que um bolo não é só um bolo. Do Bolo de Nada, o preferido do meu querido cunhado Marcel, até bolo de chocolate, o campeão de pedidos da nossa família grande e barulhenta, até aqueles com sabores absolutamente inusitados. E os bolos com legumes? Sei que você vai dizer que isso de inusitado não tem nada. Afinal, todo mundo já comeu bolo de cenoura. Se é assim, esse não vale. Quero saber se você já comeu bolo de abobrinha italiana. Eu faço. É gostoso, macio, delicado. A abobrinha traz umidade à massa. O sabor casa perfeitamente com as raspas de limão. Como vivo pesquisando, encontrei outras duas receitas: uma que leva ora-pro-nóbis e a outra que traz como estrelas o coentro e o leite de coco. Doidinha para testar.
Ah, antes de ir e antes que você reclame que hoje não tem receita, deixo como presente o poema “A Mesa”, de Carlos Drummond de Andrade. O poeta itabirano descreve um jantar de uma família mineira. Igual a sua e a minha. Ah, um detalhe: a receita não é de bolo. É sobre compartilhamento, sobre família, sobre saudades e sobre ausências. Indo. Fiquem bem.
“Em torno da mesa larga, / largavam as tristes dietas, / esqueciam seus fricotes, /e tudo era farra honesta / acabando em confidência. / No croquete de galinha, /A cebola batidinha / Com duas folhas de louro / Vale mais do que um tesouro. / Também dois dentes de alho /Nunca serão espantalho. / (Ao contrário.) E três tomates, / Em vez de causar dislates, / Sem peles e sem sementes, /São ajudas pertinentes / Ao lado do sal, da salsa, / (A receita nunca é falsa) / Todos boiam na manteiga / De natural doce e meiga. / E para maior deleite, / Um copo e meio de leite. / Ah, me esqueci: três ovos / Bem graúdos e bem novos / Junto à farinha de rosca / (Espante-se logo a mosca) / Mais a pitada de óleo, /Sem se manchar o linóleo, / E mais farinha de trigo… /Ai, meu Deus! deixa comigo.”
*Gisele Bicalho é jornalista