
Ambientes acadêmicos, mestrados, doutorados e muito mais - créditos: divulgação
05-03-2025 às 07h47
José Luiz Borges Horta*
O leitor do Diário de Minas há de me perdoar em insistir em temas ligados à educação. Sempre quis ser professor, me apaixonei pela Faculdade aos dezoito anos e desde então dedico a vida às universidades públicas, gratuitas e de excelência brasileiras — e antes da UFMG, fui professor substituto na Federal de Ouro Preto e professor adjunto na Federal do Rio Grande do Norte. Desde novo, sempre tive gosto pelos colegiados universitários e suas reuniões, às vezes insuportáveis para colegas menos abertos às questões coletivas ou às diferenças tão ricas que temos dentro de nossas universidades (e, goste-se ou não das quotas, elas aumentaram a fortuna da Academia e sua capilaridade social sem qualquer decréscimo qualitativo — os “negacionistas” de décadas passadas já nem argumentam mais).
Como me agradavam as reuniões e os colegiados — e são ambos inúmeros em qualquer universidade pública, gerida democraticamente —, e eu era graduando em Direito, juntaram-se a fome e a vontade de comer, e fui estudando, cada vez mais, os ordenamentos básicos da UFMG, as portarias e pareceres do Conselho Federal (depois Nacional) da Educação, acompanhei a tramitação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, estudei a história das universidades e do direito à educação, escrevi um Direito Constitucional da Educação, participei de inúmeros projetos de inovação acadêmica… Talvez eu possa dizer, já hoje no topo da carreira docente na melhor universidade federal brasileira, que de federal eu entendo.
E nós estamos em greve. Não só os docentes, mas os técnicos e administrativos também. Obviamente, não é uma greve ideológica contra o Governo Federal. Também não é uma greve contra o Ministro da Educação, ou contra a Ministra da Gestão. A greve, do ponto de vista conjuntural, em seus aspectos visíveis a olho nu, é um apelo desesperado de um conjunto importante de servidores públicos, que vimos nosso poder de compra salarial desabar em dez anos. E ao mesmo tempo vimos e vemos servidores públicos, de setores do mesmo Poder “Executivo”, tendo seus vencimentos se multiplicando e muitas vezes ultrapassando candidamente o teto constitucional. É um pedido de socorro de uma parcela das classes, digamos, médias, que sofreu forte impacto em sua vida, consome menos do que deveria — compra menos livros, até por não caberem em apartamentos menores, cada vez menores. Professores sem livros. Essa é a consequência real da intransigência para com os docentes e demais servidores das federais.
Há entretanto um aspecto estrutural, muito mais importante que os sensos gravíssimos da hora, que nos levam à greve — e que poderia inclusive resolver, com imaginação institucional, boa parte dos impasses da greve.
As universidades federais, constitucionalmente autônomas, são voltadas ao ensino, à pesquisa e extensão. No Brasil, onde ensino e até extensão são feitos por instituições privadas, a pesquisa e a inovação seguem majoritariamente universitárias e majoritariamente públicas.
Essa realidade deveríamos assumir, primeiro, como uma característica do arranjo produtivo brasileiro (em que o capital privado, no agronegócio como na indústria, depende das inovações que produzem as universidades públicas, com capital público — ou ao menos deveria ser público).
Há uma segunda razão para assumir essa rara vocação das universidades públicas brasileiras para a pesquisa: o séc. XXI será ainda mais dependente do desenvolvimento cientifico, filosófico e tecnológico que os demais, por exigir permanente inovação. E não há ambiente mais propício à inovação que uma universidade autônoma, onde a liberdade de pensamento e de pesquisa encontram o infinito poder da criatividade.
Por isso, talvez o mais grave problema estrutural que assola as universidades federais brasileiras é estarem ainda vinculadas ao Ministério da Educação, algo que mascara o papel universitário na Ciência do País e seu protagonismo na inovação, e já é anacrônico em relação a muitos Estados que, sabiamente, possuem um Ministério de Estado para cuidar de suas universidades ou as vinculam não a seus ministérios da educação, mas a seus ministérios de ciência e tecnologia.
E o Brasil possui, já há décadas e décadas, seu hoje chamado Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), a que se vinculam alguns dos mais importantes órgãos de fomento à pesquisa do Brasil — como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o CNPq, que me apoiou desde a graduação —, e que sempre teria tido as mais apropriadas condições para lidar com as universidades federais.
Não digo isso pela circunstância de que olhar para a galeria de ex-Ministros de Ciência e Tecnologia revela inúmeros nomes com os quais as federais conseguiriam dialogar com grande êxito — e que paradisíaco seria dialogar com a atual Ministra de Estado da Ciência, da Tecnologia e da Inovação, Luciana Santos, não somente de igual estatura que os mais destacados de seus antecessores, como dos mais hábeis e competentes integrantes do atual governo federal.
O MCTI sempre deteve as chaves com as quais a carreira docente pode ser revolucionada pelo Governo Lula: bolsas as mais diferentes, via CNPq, investimentos de pequena monta, via FINEP. Estivéssemos nós das federais submetidos não ao já vago e impreciso conceito de Educação, mas ao MCTI, e sobre a mesa a Ministra Luciana Santos poderia trazer um leque de bolsas, inclusive de novos tipos ou com vetores diferentes, com valores que pudessem ser agregados ao cozido de pedras que o governo quer servir aos professores de nossas universidades federais.
Transferir o parque de universidades federais para o MCTI seria uma revolução científica no Brasil. E, de quebra, acabava a greve.
José Luiz Borges Horta, 53, é Professor Titular de Teoria do Estado na Universidade Federal de Minas Gerais e professor visitante sênior PrInt-CAPES na Facultat de Filosofia da Universitat de Barcelona. Sindicalizado e ex-dirigente do APUBH. Contato: zeluiz@ufmg.br