
O tabuleiro está agitado enquanto as peças se movimentam. CRÉDITOS: Divulgação
06-03-2025 às 09h09
Rogério Reis Devisate*
Como diz o ditado, “quando um não quer, dois não brigam”. Portanto, errado estará quem disser que a culpa seria de um só, por qualquer desentendimento ou acontecimento que envolva líderes, governos, povos e nações. A história da humanidade está repleta de guerras e batalhas. Parece, até, que a nossa raça nasceu para isso e, de algum modo, sempre foi belicosa na prática – embora, por vezes, defendesse o oposto, com belos discursos pacifistas.
Ao fim da Primeira Guerra e diante das duras condições impostas à derrotada Alemanha, todos sabiam que seria questão de tempo para que se iniciasse a Segunda Guerra Mundial. Era evento certo de ocorrer, embora incerto quando. Dos espólios do Tratado de Versalhes rastejou a hidra guerreira que fez Hitler ascender ao poder e, sob os auspícios da vingança pelo que os vencedores da Primeira Guerra impuseram à Alemanha, tratou de arregimentar apoio, eleger os inimigos que julgava ideais e que culminou no trágico holocausto, buscou unir os povos com raízes germânicas e a reconstruir o exército. Para isso, precisava de discursos e fortes apoiadores, tanto quanto de energia e minérios, principalmente do petróleo, ferro e carvão.
O propósito pacifista de grande parte do mundo foi bem representado por Neville Chamberlain, quando foi o Primeiro-Ministro do Reino Unido e realizou com o líder Nazista um acordo que este não cumpriu. Com a queda de Chamberlain, Winston Churchill se tornou Primeiro-Ministro. Consta que era o único líder que Hitler temia e com quem se preocupava. Nunca se encontraram, mas se conheciam e se mediam. Enquanto Hitler unia-se ao Japão e à Itália, Churchill buscou levantar o moral da França, fez o marcante desembarque de Dunquerque ao resgatar cerca de 300 mil soldados ingleses e liderou a reação Ocidental, obtendo o apoio dos Estados Unidos e de outros países.
Finda a Guerra Fria, que foi inaugurada após a Segunda Guerra, parecia que o mundo não estaria próximo a grande conflito – embora guerras e batalhas nunca tenham deixado de ocorrer. Mesmo a eclosão da Guerra da Ucrânia, com a invasão russa e as questões da fronteira com a OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte, não parecia que iria se transformar em conflito maior a se irradiar pelo Globo, como agora parece próximo de acontecer.
Dias atrás o líder ucraniano, Zelensky, foi recebido pelo recém empossado presidente dos Estados Unidos, Trump. Noticiou-se que a reunião foi fora do tom diplomático e teria ocorrido mal. Antes de avançar, é bom ressaltar que tons diplomáticos cabem aos que exercem a diplomacia, algo nem sempre dominante nos encontros diretos entre os líderes supremos de cada povo ou nação. Curiosamente, logo após o desventurado encontro, Zelensky esteve no Reino Unido e foi recebido em Downing Street pelo Primeiro-Ministro, Keir Stamer, quando foi negociado empréstimo de 2,6 milhões de libras, para a defesa ucraniana, em face da Rússia. Como uma libra vale cerca de R$ 7,48, esse valor corresponde a cerca de 19 bilhões e 443 milhões de reais. Uma bela quantia, para alimentar a máquina de guerra – e não para a paz. Quanto à conversa com Trump, parece que Zelensky voltou atrás e agora concorda com os seus termos em relação à guerra da Ucrânia e por um acordo em torno do acesso americano aos minerais raros ucranianos.
Decerto, o apoio de outros países aos diretamente envolvidos em guerras não eram tão evidentes, no passado, como exemplifica o apoio inicial que os EUA deram à Inglaterra na Segunda Guerra, que era dissimulado, como exemplifica o envio de aviões até a fronteira com o Canadá – e não diretamente às ilhas britânicas.
Para o tema sob exame é fundamental observar que o secretário-geral da OTAN festejou que outros países europeus aumentarão os seus gastos com a “defesa” – eufemismo para gastos militares, com a presença de representantes da Alemanha, França, Dinamarca, Itália, Turquia, Polônia, Espanha, Suécia e Noruega. Por outro lado, mais lenha na fogueira coloca o Chanceler francês, Jean-Noël Barrot, ao dizer que o risco de guerra na Europa nunca foi tão elevado.
Esses são os fatos. Isso é o que a realidade nos impõe.
Indaga-se se a Europa é capaz de enfrentar sozinha a Rússia. Parecem se esquecer de que a Rússia tem uma arma que pode “parar” a Europa, bastando que se fechem as torneiras do gás e do petróleo que servem para aquecer as casas europeias e movimentar as suas fábricas…
Ademais, não podemos nos esquecer de Tucídides, o grande general grego do Século V a.C, partícipe da Guerra de Pelonoponeso, que escreveu acerca do que se conhece como a Armadilha de Tucídides, um conceito das Relações Internacionais que considera a tendência à guerra quando uma grande potência é ameaçada por outra, emergente. A reação é se armar além do que se conhece armado o adversário e isso acarreta nova medida reagente… e, assim, sucessivamente, até que o embate se torna inexorável. Os seus ensinamentos se mostram atuais e não poderiam, mesmo, estar ultrapassados, pois não analisou um fato militar, apenas, mas a conduta dos líderes, pessoas como nós, que reagem conforme a necessidade. Assim foi, assim é, assim será.
Enquanto isso, o Carnaval brasileiro vai bem, obrigado. Ainda estamos aqui, na nossa brasilidade tropical, como inquilinos cuidando das florestas amazônicas e rios e imensas reservas de ferro – em Minas e em Carajás – e de petróleo e gás – no Pré-Sal, já loteados à exploração estrangeira, enquanto imensa nova reserva na costa do Amapá ainda está “guardada” para exploração futura (por quem?).
Por fim, a história nos ensina que em tempos de guerra tudo muda. As urgências e prioridades passam a ser outras, os modos de negociação nem sempre são gentis e a neutralidade não costuma ser saudável.
Hoje, parece que estaríamos ao lado da Rússia… Pergunta, portanto, óbvia: estaríamos contra a Europa? Ao se torcer para que Kamala Harris vencesse a eleição americana, estaríamos como oponentes à Trump? São perguntas naturais, inocentes até, diante do contexto.
Enquanto isso, a China está quieta. Sabe que eventual conflito direto entre Europa, EUA, Ucrânia e Rússia gerará espólio e este poderá lhe ser valioso. Observa o embate de outros, como quem sabe que herdaria o domínio planetário, de modo parecido com o que ocorreu a favor dos Estados Unidos após a Segunda Guerra.
O tabuleiro está agitado enquanto as peças se movimentam… A tocha do provável acendimento da pira da guerra já queima na mão de alguns, como se vocifera. Pão e circo não bastaram para os povos. A fome gritará. A inocência se esvairá. Em algum momento seremos chamados a nos posicionar, já que a fogueira da guerra está para ser acesa.
*Rogério Reis Devisate é Advogado, membro da Academia Brasileira de Letras Agrárias, da União Brasileira de Escritores e da Academia Fluminense de Letras, presidente da Comissão Nacional de Assuntos Fundiários da UBAU, membro da Comissão de Direito Agrário da OAB/RJ, defensor Público/RJ junto ao STF, STJ e TJ/RJ. É autor de vários artigos jurídicos e dos livros Grilagem das Terras e da Soberania.