24-11-2024 às 10h10
Marcelo Galuppo
Quem já leu as aventuras de Asterix, de Goscinny e Uderzo, sabe que os antigos romanos já construíam prédios de apartamentos (O domínio dos deuses, Editora Record). As insulae (plural de insula) tinham até seis andares, e não eram destinadas a ricos patrícios, mas a pobres plebeus. Arqueólogos acreditam que sua taxa de ocupação fosse de menos de 8 m² por habitante. O mais interessante, no entanto, é que, quanto mais alto o apartamento, tanto mais pobre o ocupante (falamos de quando não havia nem elevadores, nem encanamentos para água e outras coisas e, em caso de incêndio – o que era comum -, quanto mais alto, pior).
A invenção dos elevadores deu novo status aos apartamentos. Prédios cada vez elevados permitem que muito mais pessoas morem na Vieira Souto ou na orla de Camboriú do que em toda Colina Palatina, na Roma do século I. É claro que sempre houve monta-cargas, mas eles não eram seguros para transportar seres humanos, e foi assim até 1852, quando Elisha Otis inventou um sistema que os tornaria confiáveis. Daí em diante, o modelo de cidade do velho mundo, plano e aristocrático, foi substituído progressivamente pelo norte-americano, vertical e capitalista. O primeiro elemento de uma filosofia do elevador é a transformação que ele opera na ocupação do espaço urbano, mas há outros.
Os elevadores eram diferentes em minha infância. Minúsculos e completamente fechados, eram domínio da privacidade. Muita coisa, inominável aqui, ocorreu dentro de elevadores no século passado, mas uma série de transformações tornaria isso impossível de continuar acontecendo.
Primeiro vieram os espelhos, lembrança sutil de que havia um outro dentro do elevador, junto com você
(quando me torno consciente de minha imagem, ao ver meu reflexo, descubro que outros também a percebem, ainda que estejam ausentes). Se o objetivo confesso do espelho era preparar-nos para o que viria em seguida (a última oportunidade de retocar o batom antes do encontro), no plano simbólico, ele nos alertava da importância da aparência e, afinal, de que somos observados. Junto com os espelhos, veio a musak (música ambiente tocada em um autofalante fajuto com suposto objetivo de fazer esquecer que não estamos no controle da situação).
Em seguida, vieram os elevadores panorâmicos. Pode-se pensar que sirvam para permitir que quem esteja
dentro veja o que está fora, mas é exatamente o contrário: sua função é que quem esteja fora veja quem está dentro,
como uma marca de diferença social. Elevadores panorâmicos pertencem a prédios de luxo, e restringem-se àqueles designados como “sociais”, destinados aos moradores e suas visitas ilustres, não aos que trabalham ali.
O próximo passo foi as câmeras de vídeo. Se há trinta anos o elevador poderia ser usado para soltar um grito de descompressão após uma reunião frustrante ou para tentar seduzir a mulher do sócio, agora estamos conscientes de que somos constantemente vigiados, mais que observados (o que significa que se pressupõe que sejamos todos pessoas de péssima índole).
Depois, colocaram uma televisão dentro do elevador, cuja função é dupla: lembrar-nos que nossa presença ali só é permitida na medida em que somos, se não proprietários, pelo menos consumidores e fragmentar a realidade, em flashes sem sentido de notícias aleatórias, tornando-a incompreensível.
Finalmente, surgiram os elevadores para carro em prédios de altíssimo luxo. Eles não são úteis, sua função é apenas ostentar: espera-se que ele leve para a sala de estar uma Maserati do ano, não um Uno-Mille 2006.
Controle e ostentação, portanto, são outros dois elementos importantes da filosofia do elevador, mas há mais um, revelado pelo gradual desaparecimento do ascensorista. Meus filhos mal viram um na vida, meus netos nem conhecerão a palavra, mas muitos de nós se recordam deles. No século XXI, passaram a ser intrusos desnecessários, não porque possam conhecer segredos inconfessáveis, já que há câmeras por todos os lados, mas porque são simplesmente indesejados, lembrança inoportuna e paradoxal de que uma cidade se compõe de muitas classes sociais, o que me leva a pensar que poucas coisas são mais belas na capital mineira do que o elevador de porta pantográfica do Automóvel Clube Minas Gerais, de 1929, ainda operado por ascensorista, que nega e afirma tudo o que disse. Haja Hegel para tanta civilização.
Marcelo Galuppo é professor da PUC Minas e da UFMG e autor de vários livros, como Os sete pecados capitais e a busca da felicidade, pela Editora Citadel. Ele escreve aos domingos no Diário de Minas.