A Conquista do Voto Feminino
Mas a luta pela representatividade na política é permanente e justa porque as mulheres têm todo um jeito especial de lidar com os acontecimentos talvez pelo fato de serem mães
08-03-2024 às 09h:45
Lucio de Medeiros*
Há 92 anos, um marco na história da igualdade de gênero foi alcançado no Brasil: o direito ao voto feminino. Esse direito não foi apenas uma vitória isolada, mas o início de uma longa jornada em busca de igualdade e representatividade na política. À medida que celebramos esta data histórica, é crucial refletir sobre o progresso feito e os desafios que ainda são enfrentados para alcançar uma representação feminina plena e efetiva nos espaços de poder.
A luta pelo sufrágio feminino no Brasil foi um processo longo e desafiador, marcado por intensas mobilizações de mulheres corajosas que não se curvaram diante das adversidades. Anota-se que em 1922 a sufragista Bertha Lutz fundou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, cujo objetivo era lutar pelos direitos civis e políticos das mulheres. De forma organizada, as sufragistas procuraram Getúlio Vargas para uma conversa, após a notícia de que ele faria uma reformulação do código eleitoral do país e promoveria eleições para o Legislativo. Foi dessa forma que, com a edição e publicação do Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932 que a conquista do voto feminino se tornou efetivamente um direito. Mulheres poderiam votar e serem votadas. Nesse contexto, sete candidataram-se para as eleições legislativas: Leolinda Daltro, Natércia da Silveira, Bertha Lutz, Ilka Labarte, Georgina Azevedo Lima, Tereza Rabelo de Macedo e Julita Soares da Gama.
O direito ao voto feminino simbolizou não apenas uma vitória política, mas também um avanço significativo na luta pela igualdade de gênero, impulsionando a participação feminina em diversas outras esferas da sociedade brasileira.
Apesar dos avanços, a representação feminina na política brasileira ainda enfrenta desafios significativos. Atualmente, as mulheres ocupam 18% das cadeiras no Congresso Nacional, ou seja, 91 cadeiras são ocupadas por elas, um número que reflete a disparidade de gênero persistente no cenário político.
Embora tenhamos testemunhado progressos, como a implementação de leis que incentivam a participação feminina e campanhas específicas para aumentar a consciência sobre a importância da diversidade nos espaços de poder, o caminho para alcançar uma representatividade igualitária ainda é longo.
Importante destacar que a legislação eleitoral brasileira promove incentivos às candidaturas femininas. Desde as últimas eleições gerais, as agremiações devem indicar 30% de mulheres para candidaturas à Câmara dos Deputados, e as candidaturas femininas detém o direito a 30% dos recursos do Fundo Eleitoral e 30% do horário eleitoral de rádio e televisão.
Esses incentivos assegurados pela legislação eleitoral, podem ser maquiados nas ditas “candidaturas-laranja”, as quais são candidaturas de fachada para cumprir a regra e desviar recursos financeiros. Tal infração é grave e pode acarretar a cassação total da chapa do partido segundo entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Recentemente o TSE publicou a Resolução 23.735, de 27 de fevereiro de 2024, que dispõe sobre os ilícitos eleitorais, em seu §3º do art. 8º, caracteriza como “fraude à cota de gênero a negligência do partido político ou da federação na apresentação e no pedido de registro de candidaturas femininas, revelada por fatores como a inviabilidade jurídica patente da candidatura, a inércia em sanar pendência documental, à revelia e a ausência de substituição de candidata indeferida.” Segundo a recente Resolução, a fraude à cota de gênero leva a cassação do diploma de todas as candidatas eleitas e de todos os candidatos eleitos na chapa, bem como a invalidação da lista de candidaturas da agremiação, bem como a anulação dos votos nominais e de legenda.
O caminho percorrido pelas mulheres na política é frequentemente marcado por obstáculos que vão desde a discriminação de gênero até a violência política, um fenômeno alarmante que inclui assédio, ameaças e até mesmo ofensa a integridade física e psicológica de candidatas e políticas. Esse quadro de violência, que busca intimidar e silenciar as vozes femininas, representa um dos grandes impedimentos à igualdade de gênero nos espaços de poder.
Outro desafio significativo é o acesso a recursos financeiros para as campanhas femininas. As candidatas mulheres frequentemente enfrentam dificuldades em obter financiamento para suas campanhas, em parte devido à persistente desigualdade econômica e à relutância de doadores em investir em candidatas femininas. Essa disparidade financeira não só limita a capacidade das mulheres de concorrer em igualdade de condições, mas também justifica a necessidade das reformas nos sistemas de financiamento de campanha para assegurar maior equidade no processo eleitoral.
Um dos caminhos para a superação desses desafios seria a promoção de educação política e o empoderamento de mulheres desde cedo, com incentivos a se envolverem na política e a assumirem cargos de liderança.
Além do mais acreditamos que para fortalecer a participação feminina na política e superar os obstáculos existentes, medidas estruturais e culturais devem ser implementadas. Políticas de igualdade de gênero devem avançar cada vez mais, como o estabelecimento de cotas para candidatas femininas, bem como a manutenção de percentuais de recursos financeiros a serem distribuídos às candidatas. Tais medidas buscam dar equidade ao pleito e promovem a participação feminina na política.
Outra medida de extrema importância é fomentar cada vez mais a participação da sociedade civil no debate sobre a igualdade de gênero na política. A conscientização pública sobre a importância da diversidade e representatividade nos espaços de poder tem o potencial de incentivar um maior apoio às candidaturas femininas e pressionar por mudanças institucionais.
Por fim, a conquista do direito ao voto feminino no Brasil foi, sem sombra de dúvidas, um marco histórico, mas a jornada para uma igualdade plena na política ainda está em andamento, e longe de chegarmos a um modelo ideal de participação equânime. A presença feminina é fundamental para a saúde e diversidade da democracia, refletindo as necessidades e perspectivas de toda a sociedade. Ao celebrarmos os 92 anos desta conquista, reafirmamos nosso compromisso com a luta pela representatividade igualitária, reconhecendo que ainda há muito trabalho a se fazer. A história nos mostra que a mudança é possível, mas requer esforço árduo e contínuo, dedicação e, acima de tudo, solidariedade.
*Lucio Medeiros é advogado, mestre e doutorando em direito pela UFMG, com atuação no Direito Eleitoral, com assessoria e consultoria jurídica prestada a expressivas personalidades da política nacional, dentre as quais, o então candidato ao Governo de Minas, Romeu Zema, em seu primeiro mandato.
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