A cidade encantada é Afuá, um braço monumental do Amazonas
A cidade tem outros encantamentos: em tempos imemoriais, uma Cobra Grande cavou no fundo do rio um buraco enorme e foi parar debaixo da igreja Nossa Senhora da Conceição
13-09-2023 às 09:05h.
Elson Martins *)
Os habitantes de Afuá explicam de onde vem esse nome atribuindo a uma expressão dos botos. Estes, quando emergem das águas do imenso rio (um braço do monumental do Amazonas, que circunda a ilha) para respirar, produzem o som “aaafffuuuaaa....!
Tem versão mais verossímil?
A pequena cidade fica no Arquipélago do Marajó, no Pará, mas está mais próxima do Amapá, distante 2 horas numa embarcação Catamarã que mais parece um Boeing fluvial, um 737 com 219 poltronas e ar condicionado, com janelas laterais.
A cidade tem outros encantamentos: em tempos imemoriais, uma Cobra Grande cavou no fundo do rio um buraco enorme e foi parar debaixo da igreja Nossa Senhora da Conceição, supostamente, para proteger a Santa.
Corre a lenda que, se retirarem a Santa do Altar, a igreja sucumbe e com ela a cidade inteira.
O centenário município de Afuá (133 anos) tem 38 mil habitantes entre urbanos (24 mil) e ribeirinhos. Sua economia gira em torno da produção de camarão, açaí e madeira, com um comércio intenso feito nas águas.
A cidade foi construída sobre palafitas, porque a região de várzea é submetida ao movimento das marés. Mas, a partir de 1996, o bairro central começou a substituir as palafitas de madeira por lajes de concreto, construídas sobre pilares que deixam as marés fluírem por baixo.
Com as novas o bairro Central ganhou mais espaço arrumadinho e silencioso. Sim, porque no ano 2000 o então prefeito Santana assinou uma lei que proíbe a circulação de veículos motorizados (carros e motos), estabelecendo o reinado das bicicletas e triciclos.
O outro bairro (só tem dois), Capim Marinho (com palafitas de madeira) continua com o charme de antigamente: os moradores dizem ser mais bonito e aconchegante. Pode ser, mas o Central oferece vantagens que o Capim, não: nele as bicicletas e os triciclos (táxis) transitam de dia e de noite; as crianças brincam nas ruas enquanto as mães as orientam com voz humana que não se perdeu, já que as buzinas e roncos de motor foram para o enorme rio em frente. Aqui, o vai e vem das embarcações de todos os tipos e tamanhos criam outro tipo de espetáculo.
Na ilha tem mais de 30 portos e em cada, um trapiche caprichado que acopla pequena praça com bancos e triciclos. Um passeio pelo Centro custa apenas 10 reais. Falando em preço, tudo sai em contra: a viagem de barcos entre Macapá e Afuá, com frequência diária, custa 60 reais (idoso paga a metade); o Hotel Dias, com ar condicionado, frigobar e TV, 110 reais com cama de casal; em cada porto tem alguém vendendo cafezinho com tapioca e bolinhos.
Também é possível alugar um barco (catraia) para ir conhecer a “muralha”, uma árvore Samauma com raízes de até 4 metros de altura. A engenheira florestal Francileia Monteiro, afuaense, nos levou até lá orgulhosa daquele monumento natural.
SINGELEZA
O visitante não se atrapalha no Afuá, porque as pessoas do lugar, mesmo as que vivem na cidade não perdem o jeito de ribeirinhos.
Na Amazônia ainda não atingida pela destruição, elas se alegram com as visitas e querem, de algum modo, mostrar que vivem uma vida boa na intimidade com a natureza.
Foi assim com seu Chiquinho (Francisco Monteiro), que nos levou (eu, Irizete, Mara e Carlos Lopes) a diversas localidades ribeirinhas em sua lancha (catraia), e também à sua casa, onde almoçamos dois dias camarão, açaí e peixe assado pescado e coletados no seu habitat.
Quando perguntei se ele ou outros ribeirinhos plantavam açaí, já que tem aumentado o consumo dessa espécie no mundo, ele respondeu: “Não carece!”
De fato, olhando a mata ciliar verdejante das ilhas do Marajó, se vê muito aninga, taruá, canarana, mururé e outras plantas aquáticas na lâmina d’água, mas subindo a vista um pouco só se vê açaí, buriti e outras palmeiras.
Perguntei também ao Chiquinho quem eram os donos de todas aqueles açaizais, e ele respondeu “somos nós mesmos, pequenos ribeirinhos”.
Fiquei mudo e entristecido, porque sinto que no futuro não será assim.
* Elson Martins é jornalista