
Uma amizade verdadeira é feita de laços que se entrelaçam - créditos: divulgação/Freepik
15-07-2025 às 09h49
Raphael Silva Rodrigues*
Por que a maioria dos seus “amigos” não são seus amigos? Você já teve a oportunidade de refletir sobre esse tema? Entender esse jogo de palavras pode fazer sua vida ser mais leve e a sua pessoa mais madura para enfrentar as relações humanas.
Isso porque, para navegar na complexidade das relações humanas sem naufragar em desilusões, é preciso abandonar a régua única e adotar um novo olhar. Inspirados por uma sabedoria popular que ecoa em vídeos e conversas, podemos usar a poderosa metáfora de uma árvore para dissecar a ecologia dos nossos laços. Toda árvore possui folhas, ramos e raízes. Cada elemento tem sua função, sua beleza e sua temporalidade. O nosso grande erro é esperar que uma folha se comporte como uma raiz.
A maior parte das pessoas em nossa vida são folhas. Elas estão ali por um motivo, por uma conveniência. São os colegas de um projeto específico, o parceiro, os pais de outros alunos na escola dos filhos, a pessoa com quem trocamos amenidades no elevador. As folhas são vibrantes e essenciais para a árvore; elas captam a luz, trazem cor e criam a impressão de uma copa cheia e saudável. A relação com um “amigo-folha” é baseada na troca momentânea: eles nos oferecem companhia, ajuda pontual ou uma sensação de pertencimento a um grupo.
O problema é a sua natureza efêmera e frágil. Presas ao galho por uma haste fina, as folhas não suportam a menor adversidade. Basta um vento mais forte (uma crise pessoal, uma mudança de emprego, o fim de um interesse em comum) para que se desprendam e voem para longe, sem deixar vestígios. Não há maldade nisso; é apenas a sua natureza. O equívoco fatal é nosso: nós os chamamos de “amigos”, investimos neles uma expectativa de lealdade e, quando o vento sopra e eles se vão, sentimos a dor da traição. Na verdade, nunca houve uma promessa de permanência. A folha cumpriu seu propósito de nos dar sombra por um breve período. A dor não vem da sua partida, mas da nossa incapacidade de reconhecê-la pelo que ela era: apenas uma folha.
Subindo na hierarquia da árvore, encontramos os ramos. Estes representam os “amigos por uma estação”. São laços mais fortes e estruturados que os das folhas. Os ramos suportam dezenas delas e parecem ser parte integrante e permanente da árvore. São os amigos da faculdade, os vizinhos com quem crescemos, os companheiros de uma longa fase da vida. Com eles, compartilhamos uma história, um contexto, uma identidade que definiu toda uma estação (seja a juventude, a vida em uma determinada cidade ou os primeiros anos da carreira).
Os ramos são robustos. Eles nos sustentam, nos ajudam a crescer em direção ao sol e sobrevivem a ventos moderados. Com eles, construímos um arcabouço de memórias e experiências que nos moldam. A conexão é genuína e o carinho, profundo. Acreditamos que estarão conosco para sempre. Contudo, assim como os ramos, essas amizades têm um ponto de ruptura. Uma tempestade mais violenta (um casamento, uma mudança de país, uma divergência fundamental de valores ou simplesmente o lento e implacável distanciamento imposto pelo tempo) pode quebrar o ramo. A separação aqui é mais dolorosa, pois o investimento foi maior e a sensação de perda, mais estrutural. Sentimos como se uma parte de nós tivesse sido arrancada. O engano foi acreditar que o ramo era o tronco. Ele era forte, sim, mas sua força estava vinculada àquela estação específica de nossa vida.
Por fim, chegamos à parte que, paradoxalmente, é menos visível da árvore: as raízes. Os “amigos-raiz” são aqueles que existem para a vida inteira. Eles são poucos e raros. Se você puder contá-los nos dedos de uma mão, considere-se uma pessoa afortunada. As raízes não estão à mostra para o mundo. Elas não precisam da luz do sol da validação social, nem da beleza efêmera das folhas. Sua função é outra: nutrir, ancorar e sustentar a árvore inteira, especialmente durante as piores tempestades.
Um “amigo-raiz” é aquele que conhece o seu subsolo. Ele sabe de onde você veio, entende suas falhas mais profundas e, ainda assim, te oferece os nutrientes para crescer. Ele não se abala quando você perde todas as suas folhas no outono da vida ou quando uma tempestade quebra um de seus ramos mais importantes. Pelo contrário, é nesse momento que a raiz se aprofunda ainda mais, garantindo que você não seja derrubado. A amizade-raiz não exige presença constante; ela se baseia na certeza da permanência. É a pessoa para quem você pode ligar às três da manhã após anos de silêncio, sabendo que a conexão estará intacta. Eles não apenas te ajudam a sobreviver; eles são a própria definição da sua sobrevivência.
Entender essa ecologia relacional é um ato de libertação. Liberta-nos da culpa de nos afastarmos de “amigos-folha” e da dor de ver um “ramo” se quebrar. Liberta-nos, acima de tudo, da fantasia de que todos os que nos cercam têm o dever de ser uma “raiz” em nossa vida. A crise contemporânea da amizade é, em essência, uma crise de categorização. Ao rotularmos indiscriminadamente todas as conexões como “amizade”, criamos um peso insustentável para nós e para os outros.
O nosso verdadeiro desafio é fazer um inventário da nossa própria árvore. Devemos aprender a apreciar as folhas pela beleza e sombra que oferecem, sem lhes pedir a força de um ramo. Devemos honrar os ramos pelas estações felizes que nos proporcionaram, sem amaldiçoá-los quando a vida os leva para longe. E devemos identificar, proteger e nutrir nossas poucas e preciosas raízes, pois são elas que nos manterão de pé quando todo o resto falhar.
Portanto, devemos aprender que a verdadeira amizade não se mede em quantidade de interações ou em visibilidade social, mas na resiliência silenciosa do suporte mútuo. Talvez a maior sabedoria seja cuidar do que não se vê, pois é no escuro e silencioso trabalho das raízes que reside a força para florescer por uma vida inteira.
*Raphael Silva Rodrigues: Doutor e Mestre em Direito (UFMG), com pesquisa Pós-doutoral pela Universitat de Barcelona, na Espanha. Especialista em Direito Tributário e Financeiro (PUC/MG). Professor do PPGA/Unihorizontes. Professor de cursos de Graduação e de Especialização (Unihorizontes e PUC/MG). Advogado e Consultor tributário.