A legislação brasileira ainda não possui regras claras sobre o uso das armas de gel, o que contribui para a dificuldade de controle. Em algumas cidades, a venda e o porte desses itens são permitidos
30-12-2024 às 08h58
Lorena Trindade Santos*
Nos últimos meses, o mercado de armas de gel tem ganhado popularidade no Brasil, especialmente entre jovens. Essas réplicas, que utilizam esferas de gelatina para disparar projéteis, estão sendo cada vez mais associadas a atividades lúdicas, mas também geram preocupações sobre o incentivo à violência e a apologia ao crime. Embora a venda dessas armas seja legal em muitos estados, o uso indevido delas, especialmente em ambientes urbanos e escolares, levanta um debate importante sobre os limites entre entretenimento e riscos sociais.
As armas de gel, também conhecidas como soft guns ou gel blasters, têm um funcionamento similar ao das airsoft guns, mas ao invés de munições de plástico, elas disparam pequenas esferas de gel que se dissolvem após o impacto. O que inicialmente parecia ser uma opção de brinquedo ou prática esportiva, como em jogos de simulação de combate, tem sido cada vez mais usado de forma recreativa em locais públicos, gerando uma cultura de violência. Em alguns casos, grupos têm feito uso dessas armas em confrontos simulados nas ruas, imitando cenas de filmes de ação ou jogos violentos, o que pode criar uma percepção distorcida sobre o uso de armas no cotidiano.
Especialistas em segurança pública alertam para o perigo dessa normalização de comportamentos violentos, especialmente entre os mais jovens. “Embora as armas de gel não sejam letais, elas podem contribuir para uma banalização da violência e para a apologia ao crime, uma vez que muitas vezes são utilizadas em brincadeiras que simulam confrontos armados e situações de agressão”, afirmou o sociólogo e especialista em segurança, João Pedro Almeida. Segundo ele, o uso dessas armas, muitas vezes associadas a uma estética de poder e rebeldia, pode contribuir para a formação de um imaginário coletivo que valoriza a violência.
Além disso, a questão da segurança pública se agrava quando essas armas são usadas para imitar ataques a estabelecimentos comerciais ou até mesmo em confrontos com a polícia. Há registros de casos em que pessoas foram confundidas com criminosos, resultando em confrontos reais com autoridades. O perigo de essas armas serem confundidas com armas de fogo é outro ponto crítico. Em algumas situações, o simples porte de uma arma de gel em público tem gerado pânico e desconfiança, levando a um aumento na vigilância policial.
A legislação brasileira ainda não possui regras claras sobre o uso das armas de gel, o que contribui para a dificuldade de controle. Em algumas cidades, a venda e o porte desses itens são permitidos, desde que usados para práticas recreativas específicas, como o airsoft. No entanto, a falta de regulamentação e fiscalização efetiva tem gerado um cenário de impunidade, onde muitos utilizam essas armas para fins ilícitos ou até mesmo como um meio de intimidação.
Por outro lado, é importante destacar que nem todos os adeptos das armas de gel utilizam-nas de forma irresponsável. Em clubes e espaços dedicados ao esporte, os participantes seguem regras específicas para garantir a segurança e a integridade física dos envolvidos. No entanto, o crescimento da popularidade das armas de gel fora desses ambientes controlados indica que o problema está longe de ser resolvido.
A discussão sobre a apologia ao crime e o uso de armas de gel no Brasil exige uma abordagem que combine educação, regulamentação e conscientização. “É necessário que a sociedade entenda os limites do entretenimento e que as autoridades se posicionem de maneira clara sobre o uso dessas armas. A violência não deve ser tratada como uma forma de diversão”, concluiu Almeida. A resposta a essa questão envolve não apenas um controle mais rígido da comercialização de armas de gel, mas também uma mudança cultural que desestimule comportamentos violentos e a glorificação do crime.
*Lorena Trindade Santos é mestranda em Estudos Marítimos pela Escola de Guerra Naval e especialista em Criminologia e Segurança Pública pela UFMG. Graduada em Ciências do Estado pela UFMG e em Gestão de Segurança Privada pela Universidade FUMEC.