
Estamos queimando o lar de abelhas, borboletas e outros polinizadores, prejudicamos, assim, a reprodução de plantas. CRÉDITOS: Divulgação
05-07-2025 às 09h10
Rogério Reis Devisate*
Opto por falar da Amazônia brasileira, das queimadas que bateram o recorde dos últimos 24 anos e da iminente COP no Pará, dentre tantos temas importantes, nesta semana, no Brasil e no mundo.
Sobre as queimadas no Brasil, os jornais divulgaram notícias alarmantes, dando conta de que o Brasil perdeu 30 milhões de hectares, no ano de 2024 (G1, 24.6.2025), com 278,3 mil focos de incêndio, segundo o Inpe – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CNN, 02.1.2025). É a maior área queimada em quatro décadas (Jornal Nacional, G1, 24.6.2025)! Os parâmetros, de fontes diferentes, são importantes para a constatação de que, sob qualquer enfoque, não só continuamos a queimar as nossas matas, florestas e cerrado, como a politização eleitoral que se fez disso em anos recentes só serviu para se mascarar as profundezas do problema e a busca da real solução.
Ademais, embora se fale em queimadas do (ainda) verde Brasil, não se explora o quanto isso contribui para prejuízos às formas de vida, dos insetos e pássaros e mamíferos às microscópicas formas, que são fundamentais para a fertilização do solo e a saúde das plantas e animais. Estamos queimando o lar de abelhas, borboletas e outros polinizadores, prejudicamos, assim, a reprodução de plantas. Com menos insetos, também há diminuição da oferta de alimentos para pássaros, lagartos, anfíbios e pequenos mamíferos. Abalo na cadeia alimentar compromete a vida sistêmica e nos atinge, pois há sincronicidade no mundo e tudo está interligado.
Aliás, posso dar depoimento pessoal, como viajante frequente nessas estradas brasileiras, por regiões do interior e em estados tão diferentes entre si quanto podem ser Amazonas, Bahia, Goiás, Tocantins e Minas Gerais. Tenho observado que não mais há tantos pássaros a cruzar os céus e as estradas, como os bandos que via há 20 ou 30 anos. Para onde foram aquelas aves coloridas e agitadas, com espécimes de cores pretas, cinza e verde… se é que ainda estão por aí? Presenciar gralha-cancã nas caatingas e cerrados do interior baiano é raro, o mesmo já começando a ocorrer com o corrupião (ou sofrê). Em algumas áreas do Cerrado mais se via emas e perdigões (perdiz), hoje relativamente raros. A propósito, nem as imensas aranhas caranguejeiras cruzando as estradas e caminhos são tão frequentes como outrora e apenas as seriemas ainda são mais comumente avistadas. Hoje, ver um ou outro tucano ou arara nos céus próximos às rodovias amazonenses é até motivo de surpresa e, mesmo às margens do Rio Negro, Amazonas ou em Presidente Figueiredo e zonas outras, não se vê deles com facilidade. Falo disso não como especialista e, sim, apenas como um observador que, frequentemente e por tantos anos, circula por áreas interioranas.
Temos a humana tendência de querer culpar alguém por algo, nem sempre por busca de soluções ou responsabilização. Queremos mais culpar alguém para nos eximir da nossa pessoal culpa, em comportamento natural dos seres humanos. Temos culpa coletiva em tantas coisas, afinal o irregular descarte de óleo em pequena oficina do interior é tão danoso quanto os lixões que ainda prosperam por cidades, o lixo jogado na beira das estradas e as irregulares ou clandestinas ligações do esgoto, das casas e lojas… há rios urbanos em Manaus que, revelam água poluída e lixo de toda espécie, assustam qualquer observador, assim como fazem aqueles canais que existem na Baía da Guanabara, próximos ao Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro. É só olhar em volta para se perceber o quanto há por se fazer.
Belém sediará a COP 30, logo a ocorrer. É uma bela cidade e lá estive no ano de 2024, para proferir palestra no “V Congresso Internacional de Direito Amazônico – Compreensão Jurídica à COP 30”, sobre o tema “Interesses estrangeiros na Amazônia e nas terras nacionais: aspectos e reflexões”. Também mediei o painel sobre “Direito Agrário: mudança climática e resiliência – desenvolvimento rural”, que contou com palestrantes da Itália, Honduras, Polônia, Argentina e México).
A cidade é linda, o Teatro, o centro histórico e o Mercado Ver-o-Peso são atrações imperdíveis, a culinária é ímpar e a estrutura do Hangar Convenções e Feiras da Amazônia, onde o belo evento ocorreu, é admirável, por sua modernidade e beleza. Contudo, segundo dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Belém é a cidade com o maior percentual de casas com lixo não coletado (AgênciaCenarium, 27.3.2024) e os seus canais estão poluídos com metais pesados, coliformes fecais e materiais radioativos (R7, Fala Pará, 06.3.2025).
Oxalá a COP 30 possa contribuir, concreta e efetivamente, na conscientização de que o problema macro envolve ações micro. De fato, é fácil perceber que a global soma de todos os medos, contextualizada num momento de não retorno, fruto do generalizado maltratar do planeta por ações e intervenções humanas transformadoras do mais lento fluxo natural, muito resulta da ação pequena, individualizada e aparentemente sem potencial para ser o causador de tantos males, fruto do consumismo exagerado, do uso dos plásticos e de tanto que somos obrigados a ter nesse mundo onde não mais vivemos do que plantamos e colhemos e criamos e sim do que compramos, nos mercados e lojas da vida. Há muito estamos dependentes do que é industrializado e tão aditivado com produtos químicos, como conservantes. A propósito, apesar de tantas críticas estrangeiras, a França ainda tem a Zone Rouge, poluída e comprometida desde a 1ª Guerra Mundial e que está imprestável para o retorno da vida, como gravemente poluídos estão o Rio Ganges (Índia) e Amarelo (China), a área da Usina de Chernobyl (Ucrânia, antes URSS), além de outros dados alarmantes, como a grande mancha de lixo no Oceano Pacífico (que fica entre a Califórnia e o Havaí e tem o tamanho de 3 vezes o território da França) e o fato de que 40% da população dos EUA respira ar impróprio (ClimaInfo, 25.4.2024).
Em essência, tudo o que se produz e se consome um dia vira lixo e dejeto orgânico. Se quisermos ter uma mera expectativa de quanto lixo se produz no mundo, basta se analisar a quantidade do que se produz…, mas, aí, entra a pergunta: deixaríamos de consumir o que a indústria produz? Como e a que custo? O sistema de vida urbana exige que tenhamos moradias menores e sem área produtiva, fazendo com que nos submetamos a comprar o que a indústria produz… Longe se vai o tempo em que as casas tinham algum quintal onde se podia criar galinhas e se ter pequena horta… Assim, ainda bem que a indústria produz e as cadeias produtivas do agronegócio nos proporcionam comida, porque não teríamos alimentos, roupas e outros bens sem a produção industrial e sem a produção do campo.
Por outro lado, muito da produção mundial nas indústrias depende de energia produzida por carvão… e, assim, prossegue em ritmo acelerado. A aceleração econômica na China, por exemplo, significa a necessidade de mais alimentos. Para isso, busca mais terras agricultáveis e já se fala que grandes áreas do continente africano têm sido adquiridas por chineses, na sua expansão… Aqui, fala-se, também, que estatal chinesa busca adquirir terras para a produção de alimentos. Já vaticinamos, em artigos e textos científicos, que chegará o dia em que praticará o Monopsônio, fixando o preço do que comprará e, também, concorrendo fortemente, aqui dentro, com os já instalados e tradicionais produtores nacionais.
Quando se fala em Amazônia brasileira, envolvendo 51% do nosso território, isso atrai o significado de soberania nacional e de se cuidar dos nossos interesses e do povo brasileiro. Afinal, foi por soberania que muitos se incomodaram quando o controle de empresa mineradora na Amazônia foi recentemente adquirida por chineses – até porque na região tem Urânio, que pode ser explorado por empresas privadas em parceria com a estatal INB, por vigência da Lei Federal 15.514/2022 – como, aliás, analisamos no artigo da semana anterior, intitulado “Yes, nós temos urânio!”, quando consideramos que, apesar do monopólio da União, a exploração pode ser feita por terceiros (art. 8º, parágrafo 2º, inciso I, combinado com o art. 5º, inciso II, b e inciso V, alínea a).
Fato é que há queimadas imensas, constantes, frequentes e absurdas no Brasil. O Cerrado, os Sertões, as matas e florestas ardem, enquanto a vida não vegetal queima junto e a fertilidade do solo nativo vai se comprometendo, assim como as potencialidades das nascentes dos rios e dos cursos d`água, pelo assoreamento, com afetação das matas ciliares. Isso tudo, junto e misturado, revelando o descontrole nacional sobre essa riqueza e biodiversidade, só alimenta o farol que estrangeiros apontam para a nossa imensa Amazônia brasileira, envolvendo 9 estados e cerca de 59% do nosso território nacional… Aproveitam-se desses dados nacionais vacilantes e negativos para uma campanha constante e crescente de que a gestão da imensa área lhes diz, também, respeito… Querem se imiscuir, querem opinar, querem cuidar como se donos fossem, querem nos enfraquecer, querem nos declarar incapacitados e nos curatelar.
Que possamos resistir a isso, investir em meios e pessoal para ações de prevenção e de controle de incêndios, transformar a consciência das pessoas sobre a necessidade de cada um ser um agente de mudanças e melhorias, zelando pelo descarte do lixo produzido, criar mecanismos de sanção aos municípios que não cuidarem bem do ciclo das águas e do esgoto produzido e coibir as queimadas ilegais.
Que possamos cuidar da grande Amazônia brasileira, que queima, antes que, definitiva e irreversivelmente, por tantos motivos, deslize por nossos dedos…
*Rogério Reis Devisate é membro da Academia Brasileira de Letras Agrárias, da União Brasileira de Escritores e da Academia Fluminense de Letras. Presidente da Comissão Nacional de Assuntos Fundiários da UBAU. Membro da Comissão de Direito Agrário da OAB/RJ. Defensor Público/RJ junto ao STF, STJ e TJ/RJ. Autor de vários artigos jurídicos e dos livros Grilagem das Terras e da Soberania. Colunista do Diário de Minas