Natureza, equilíbrio e sobrevivência - créditos: divulgação
21-12-2025 às 09h07
Rogério Reis Devisate
As florestas funcionam perfeitamente. Se formaram e operam pela lógica da melhor adaptação das espécies. É a natureza, com as suas complexidades e lógicas que nem sempre compreendemos. Quem já adentrou nas profundezas de uma floresta fica impactado e percebe a rica rede de vida na sua base. Há complexa teia micorrízica que conecta as raízes com a vida microscópica. É ali que ocorre o equilíbrio para um solo saudável e a composição do que será absorvido, o que envolve a troca de nutrientes, a água, a simbiose entre as plantas e entre essas e os animais e fungos. Todos se beneficiam. Além disso, as florestas estão organizadas em camadas verticais determinantes para a saúde das plantas e dos animais. Há as camadas superficiais ao solo, o sub-bosque, o dossel e as plantas emergentes. Na primeira, temos os musgos e gramíneas; na segunda, pequenos arbustos e árvores; no dossel ficam as árvores mais altas; emergentes são aquelas que ultrapassam o dossel. Todas, ao seu modo, contribuem para que tudo funcione harmonicamente, estando adaptadas para viver de acordo com as suas necessidades.
O que aconteceria se cortássemos as árvores altas das florestas? Genericamente falando, um corte radical levaria à exposição das camadas abaixo, desequilibrando tudo. As árvores menores e as gramíneas e fungos ficariam vulneráveis à maior exposição ao sol, ao vento e às chuvas – que impactariam diretamente no solo, sem os escudos protetores formados pelas copas das árvores. Isso diminuiria, potencialmente, a umidade, interferindo no ciclo das águas, aumentando a evaporação e a retenção no solo, produzindo seca, erosão e perda de nutrientes. Todo o complexo equilíbrio seria afetado.
Com relação à organização do Estado e dos tributos, temos um processo também complexo. O Estado precisa de tributos e tem o monopólio da sua instituição e arrecadação. Se tributa pouco, não se sustenta. Se tributa demais, sufoca os que praticam os fatos geradores dos tributos, sejam pessoas jurídicas ou pessoas físicas. O ideal é um ponto de equilíbrio entre a tributação e a arrecadação.
A Curva de Laffer surgiu como teoria nos idos dos anos 1970 e traz consigo um axioma simples na sua concepção e complexo na sua execução. Ao se pensar no volume de eventos – fatos geradores – tributáveis, tais como definidos em lei, o Estado busca se cercar dos mecanismos para poder arrecadar sobre o máximo de atividades.
A questão delicada está na fixação das alíquotas tributárias, porquanto – pela metáfora proposta – estas não podem operar como podas radicais nas mais altas árvores da floresta, já que, se os maiores produtores dos fatos geradores – e, portanto, os maiores contribuintes – passarem a se sentir sufocados, surgiriam efeitos delicados e complexos que, fatalmente, com o tempo, se irradiariam pelo sistema econômico, prejudicando-o.
Vimos isso aqui, com frequência, na guerra fiscal que vinha ocorrendo entre vários Estados brasileiros. Quando a carga tributária era alta num Estado, empresas fixavam a sua sede em outro, que oferecia vantagens, com alíquotas menores ou isenção. Se pensarmos na carga tributária sobre a camada contribuinte que formaria a copa da floresta, empresas há que migrariam para onde pudessem ter mais vantagens, inclusive outros países, já que todas as nações estão envolvidas na globalização e na cadeia de negócios. Exemplo ocorre com a Lupo, que abriu fábrica no Paraguai, onde os custos são 28% menores do que aqui. Isso corresponde a 1/3! É muita coisa… Não é a única. Ocorre que isso pode afetar muito mais do que a arrecadação dos tributos. A saída de uma empresa pode interferir nos empregos, no mercado local e nas cadeias produtivas, envolvendo fornecedores, colaboradores, distribuidores e vendedores.
A alta velocidade tributária e a derrapagem na Curva de Laffer é expressão que introduzimos para considerar que a sobrelevação da já considerável carga de tributos pode ser um tiro no pé, notadamente quando já se fala que a inadimplência, nas empresas, alcança o inédito patamar de quase nove milhões de unidades (“Calote recorde: inadimplência alcança 8,7 milhões de empresas brasileiras, número nunca visto” – Fonte Estadão, 17.12.2025, assina Caroline Aragaki), o que corresponde a aproximadamente 1/3 do total, já que temos cerca de 24,2 milhões de entidades empresariais ativas (www.gov.br, 09.10.2025). Além disso, as falências aumentaram 25% em 4 anos (“Falências no Brasil aumentam 25% em quatro anos e podem bater novo recorde em 2025”, fonte R7, 24.8.2025).
A grave situação não melhora, quando se analisam os dados que indicam recorde de endividamento das famílias, que chega a cerca de 80% (“Endividamento atinge nível recorde no Brasil. Quase 80% das famílias estão com dívidas”; fonte ADVFN – Advanced Financial Network, 04.11.2025)!
São dívidas para todo lado e os juros estão nas alturas. As famílias e os negócios estão sufocados!
Com isso, essa derrapagem teria de ser controlada pelo próprio ambiente empresarial, por meio de compensações internas, como a redução de investimentos. Em vez de crescer, empresas acabam fazendo cortes para a sua sobrevivência. Um ambiente assim pode, ainda, desencadear efeito dominó e causar estagnação nos vários setores produtivos. A respeito, convém revisitar o pensamento do cientista e filósofo espanhol Gregorio Marañon y Posadillo, para quem “a história julga só os resultados e não os propósitos”.
Portanto, a ideia de que a alta velocidade tributária pode derrapar na Curva de Laffer serve de alerta para o fato de que uma política fiscal deveras agressiva pode gerar efeitos indesejáveis e até ser contrária aos propósitos imediatos previstos, não somente não ocasionando o aumento da receita como, também, afetando negativamente o meio produtivo, nos vários seguimentos da economia e, assim, em última análise, atingindo a sociedade, a oferta de empregos, a segurança pública e a justiça social.

