Poderio Marítimo e a Soberania Brasileira no Atlântico Sul. O poderio militar, por mais imponente que se apresente, não se sustenta como força determinante sem a conjugação de inteligência estratégica.
A verdadeira arte da guerra reside na habilidade de se adaptar às incertezas do conflito, ajustando o curso conforme os ventos se agitam.
Um atento chefe naval, leitor do Diário de Minas, questionou o porquê de não termos abordado o Poder Marítimo ao recordarmos episódios históricos em que o entrelaçamento entre táticas imediatas e estratégia revelou-se decisivo para o sucesso de conflitos militares, no artigo publicado anteriormente: “O passado, o presente, e o porvir da guerra: Por onde Marte e Minerva caminham?”.
De fato, o domínio dos mares é a mais adequada exemplificação da necessidade de integrar a força bruta das armas com a sagacidade da sabedoria estratégica. Rui Barbosa, no seu artigo “A lição das esquadras”, escrito em 1898, já nos relembrava que a Inglaterra não teria preservado a sua existência, se as suas frotas não houvessem desbaratado as da França em 1692, em 1759 e em 1805. A França não teria ido sepultar a sua fortuna com a de Napoleão nos gelos da Rússia, se batesse as forças navais inglesas em Abukir e Trafalgar. A União não teria suplantado, na América do Norte, a revolta dos estados meridionais, se as esquadras da legalidade não levassem imensa vantagem às da confederação.
Do mesmo modo, o Brasil sem os seus navios não teria se afirmado como uma potência em ascensão. Sem os navios, não teríamos presenciado a bravura de Tamandaré em Montevidéu, nem a resistência de Marcílio Dias, cujo sacrifício na Guerra do Paraguai se tornou símbolo do valor naval brasileiro. Não teríamos vencido a Batalha do Riachuelo, em 1865, quando o Almirante Barroso, com coragem e destreza, defendeu a honra da pátria contra as forças hostis da Tríplice Aliança, assegurando o controle sobre as águas do Rio Paraná; protegido nossas rotas de abastecimento dos submarinos alemães durante a segunda guerra; ou obtido conquistas pacíficas da diplomacia e da projeção de poder no Atlântico Sul, como as operações no Líbano e no Haiti.
Agradecemos ao chefe naval por essa valiosa sugestão, que nos inspira a explorar mais profundamente o tema através desta coluna.
A trajetória de Napoleão Bonaparte, marcante pela utilização audaciosa da força terrestre, contrasta com a supremacia naval britânica, que, sob a tutela de estrategistas como Horatio Nelson, garantiu o controle dos mares, fragilizando o poderio continental de Napoleão e culminando em sua derrocada. Esse domínio marítimo revelou-se, novamente, decisivo nas Guerras Mundiais, onde o bloqueio naval britânico, a superioridade tecnológica e a adaptação estratégica asseguraram a continuidade das linhas de suprimento e, consequentemente, a vitória dos Aliados.
Enquanto Napoleão buscava dominar a Europa através da força direta, a Grã-Bretanha, utilizou a inteligência naval e o controle dos mares para cercar e enfraquecer o império napoleônico. Este controle marítimo permitiu à Grã-Bretanha impor um bloqueio naval implacável contra a França, cortando suas linhas de suprimento e isolando economicamente o império napoleônico.
A “Guerra de Bloqueios” tornou-se uma guerra de desgaste, na qual a economia francesa foi progressivamente debilitada. O Bloqueio Continental imposto por Napoleão, tentando retaliar economicamente a Grã-Bretanha, falhou em sufocar a economia britânica e, em vez disso, prejudicou os próprios aliados e territórios ocupados de Napoleão, fomentando ressentimentos e resistência.
O domínio marítimo britânico também permitiu o apoio às forças de coalizão em diferentes frentes, desde a Península Ibérica, onde as forças britânicas e aliadas lutaram contra os exércitos napoleônicos, até os teatros de operações no leste europeu. Esse apoio global tornou possível sustentar a resistência contra Napoleão em várias frentes simultâneas, sobrecarregando suas capacidades logísticas e militares.
Assim, a supremacia naval britânica não apenas impediu Napoleão de alcançar seus objetivos estratégicos imediatos, como também foi crucial para a manutenção e expansão das coalizões que eventualmente levaram à sua derrota definitiva. O controle dos mares tornou-se, portanto, uma peça central na estratégia que desmantelou o império napoleônico, demonstrando que o poder marítimo era tão essencial quanto às vitórias no campo de batalha terrestre para o desfecho das Guerras Napoleônicas.
Durante a primeira grande guerra, a Grã-Bretanha, com sua Royal Navy, implementou um bloqueio naval estratégico contra a Alemanha, sendo também decisivo para sua derrota. Este bloqueio asfixiou a economia alemã ao cortar o fluxo de suprimentos e matérias-primas essenciais, exacerbando a escassez de alimentos e materiais. Simultaneamente, a Batalha de Jutlândia, a maior batalha naval do conflito, embora sem um vencedor decisivo, confirmou a supremacia naval britânica ao impedir a frota alemã de Kriegsmarine de romper o bloqueio ou desafiar o controle britânico dos mares. Este domínio dos mares permitiu que a Grã-Bretanha e seus aliados mantivessem suas linhas de suprimento operacionais e eficientes, fundamentais para sustentar as frentes de batalha dispersas por várias regiões.
Durante a Segunda Guerra Mundial a atuação do pode naval foi crucial para a derrota da Alemanha e do Japão, dois dos principais membros do Eixo. O conflito, que se estendeu de 1939 a 1945, exigiu uma mobilização massiva de recursos e estratégias, sendo o domínio dos mares um fator determinante para o sucesso dos Aliados.
Na “Batalha do Atlântico”, as marinhas britânica e americana enfrentaram a ameaça dos submarinos alemães (U-boats), que tentavam interromper as linhas de suprimento dos Aliados. Os Aliados implementaram uma estratégia de comboios escoltados, apoiados por novas tecnologias como radar e sonar, e pela decifração dos códigos alemães. Essa abordagem permitiu localizar e neutralizar os U-boats, garantindo que os suprimentos continuassem a fluir para a Grã-Bretanha e a União Soviética, sustentando o esforço de guerra.
No desembarque da Normandia, a superioridade naval foi fundamental para o sucesso da maior operação anfíbia da história. A “Operação Overlord” foi meticulosamente planejada, com a marinha garantindo o controle total do “Canal da Mancha”, protegendo as forças aliadas durante a travessia. Além disso, bombardeios navais intensos enfraqueceram as defesas alemãs nas praias, permitindo que as tropas terrestres estabelecessem uma cabeça de ponte essencial para a libertação da França.
No Teatro do Pacífico, a Marinha dos Estados Unidos reverteu o avanço japonês por meio de batalhas cruciais como a Midway e o Mar de Coral. Em Midway, a inteligência avançada permitiu que os EUA emboscassem e destruíssem quatro porta-aviões japoneses, mudando o curso da guerra no Pacífico. A estratégia de “salto de ilha” isolou guarnições japonesas e estabeleceu bases aéreas próximas ao Japão, culminando nos ataques aéreos e no uso das bombas atômicas.
O bloqueio naval imposto pelos Aliados desempenhou um papel vital, isolando as potências do Eixo e cortando seu acesso a recursos críticos. Isso asfixiou as economias de guerra de Alemanha e Japão, limitando sua capacidade de sustentar operações militares prolongadas.
Esses bloqueios impediram que as forças navais inimigas operassem eficazmente, confinando-as e limitando seu impacto.
Essas vitórias navais não foram apenas uma questão de superioridade numérica, mas resultado de estratégias que integraram inteligência, tecnologia e inovação tática. A capacidade dos Aliados de antecipar os movimentos inimigos, adaptar-se às condições variáveis da guerra e usar os recursos de forma eficaz garantiu o domínio dos mares e, consequentemente, a vitória na guerra.
No Brasil, devemos relembrar também de alguns importantes conflitos, em que a esquadra teve um papel determinante em suas vitórias.
O contexto da atuação de Tamandaré em Montevidéu está relacionado às complexas disputas políticas e militares no Rio da Prata, região estratégica que abrigava as Repúblicas do Uruguai, Paraguai e Argentina. Tamandaré, comandante das forças navais brasileiras, recebeu ordens para impor um bloqueio naval a Montevidéu, a capital do Uruguai, em uma operação que visava pressionar o governo de Aguirre a renunciar. Em 1864, a frota brasileira sob o comando de Tamandaré iniciou o bloqueio e, mais tarde, o bombardeio da cidade, como parte de uma campanha para derrubar o governo de Aguirre e restaurar um regime favorável aos interesses brasileiros.
A intervenção naval foi decisiva. O bloqueio imposto por Tamandaré paralisou o comércio e debilitou as forças uruguaias, facilitando as operações terrestres do Exército brasileiro, que avançava em apoio ao Partido Colorado, rival dos Blancos. Em fevereiro de 1865, Montevidéu foi tomada, e o governo de Aguirre caiu, sendo substituído por um regime aliado ao Brasil.
Outro importante conflito, foi a Batalha Naval do Riachuelo, ocorrida em 11 de junho de 1865. Este confronto foi liderado pelo Almirante Francisco Manuel Barroso da Silva, cuja habilidade e liderança foram cruciais para a vitória das forças navais brasileiras, alterando o rumo do conflito a favor da Tríplice Aliança, formada por Brasil, Argentina e Uruguai contra o Paraguai.
No início da guerra, as forças paraguaias obtiveram algumas vitórias e conseguiram avançar em território brasileiro e argentino. O controle dos rios, especialmente o Rio Paraná, era crucial para ambas as partes, e a batalha decisiva ocorreu no arroio Riachuelo, um afluente do Rio Paraná, nas proximidades da cidade argentina de Corrientes.
Em 11 de junho de 1865, a frota brasileira, sob o comando do Almirante Barroso, foi surpreendida por um ataque das forças paraguaias lideradas pelo Capitão-de-Fragata Meza.
As forças paraguaias planejavam uma emboscada, contando com uma força combinada de navios e tropas terrestres para destruir a esquadra brasileira e cortar sua linha de suprimentos.
O Almirante Barroso, percebendo a situação crítica, tomou decisões rápidas e decisivas que mudaram o curso da batalha. Ele ordenou que sua frota avançasse rio acima, rompendo a linha de fogo paraguaia e destruindo seus navios um a um. Sua famosa ordem do dia antes da batalha, “O Brasil espera que cada um cumpra o seu dever”, tornou-se um lema de coragem e determinação.
Durante o confronto, a esquadra brasileira, embora inicialmente em desvantagem, conseguiu infligir pesadas baixas à frota paraguaia. O encouraçado Parnaíba, que havia sido abordado por tropas paraguaias, foi salvo por manobras habilidosas e pela resistência feroz de seus marinheiros, entre eles o já mencionado Marcílio Dias.
A batalha se desenrolou ao longo de várias horas, com os navios brasileiros eventualmente conseguindo derrotar a frota paraguaia, que foi quase completamente destruída. A vitória brasileira foi decisiva, garantindo o controle das hidrovias e impedindo que as forças paraguaias continuassem a avançar.
A influência do Brasil sobre a vasta área que abrange tanto as costas sul-americanas quanto as africanas, o Atlântico Sul, é outro exemplo de como o domínio marítimo possibilita o fortalecimento dos países no cenário político internacional.
A travessia marítima entre o Brasil e a África é feita cruzando o Atlântico. Os Pontos mais próximos entre os dois continentes estão entre o nordeste do Brasil e o oeste da África, especificamente entre o Rio Grande do Norte e a costa da Serra Leoa e Senegal, na África Ocidental.
Com cerca de 95% do comércio internacional brasileiro realizado por via marítima, o Atlântico Sul é vital para o comércio internacional e a segurança do Brasil. Ele permite o acesso direto aos principais parceiros comerciais do Brasil na África e Europa, além de ser uma fonte de riquezas através da exploração de recursos como petróleo e gás natural.
Pela sua importância estratégica, o Brasil tem investido em fortalecer sua Marinha e em iniciativas como a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS), que busca manter o Atlântico Sul livre de armas nucleares e promover a cooperação entre os países da região.
O investimento do Brasil na Marinha africana, particularmente ao longo da costa do Atlântico Sul, não apenas fortaleceu as capacidades navais dos países africanos, mas também assegurou uma série de benefícios estratégicos cruciais para o Brasil, consolidando sua posição como uma potência regional e global.
Ao investir na capacitação e modernização das forças navais africanas, o Brasil contribuiu diretamente para a estabilização dessa área, assegurando que as rotas marítimas cruciais, por onde transitam grande parte dos fluxos comerciais globais, permaneçam seguras e operacionais, e permitiu ao Brasil projetar seu “soft power” de forma efetiva na África. Essa estabilidade é essencial não apenas para o Brasil, mas para toda a economia global que depende dessas rotas para o transporte de commodities estratégicas.
À luz dos episódios históricos mencionados, revelamos que o domínio dos mares sempre foi e continua sendo uma peça central na condução de conflitos e na manutenção da segurança e soberania de uma nação. Essa lição, profundamente enraizada na história naval do Brasil e de outras grandes potências, pode ser aplicada para enfrentar os desafios contemporâneos, tanto na esfera militar quanto na diplomática e econômica.
Alfred Thayer Mahan, um dos mais influentes teóricos navais da história, ofereceu profundas reflexões sobre o papel crucial do poder marítimo na segurança e na prosperidade das nações.
Mahan acreditava que o poder marítimo era o principal determinante da grandeza de uma nação. Em sua obra seminal, “The Influence of Sea Power upon History”, 1660-1783, ele argumentou que o controle dos mares era essencial para o sucesso econômico e militar de uma nação. Para Mahan, a supremacia naval permitia a proteção das rotas comerciais, a projeção de poder em regiões distantes e a capacidade de influenciar o desenrolar dos eventos globais.
Halford Mackinder, um geógrafo e teórico britânico, é mais conhecido por sua teoria do “Heartland” e suas ideias sobre a geopolítica terrestre. Sua obra seminal, “The Geographical
Pivot of History” (1904), influenciou profundamente o pensamento estratégico durante o século XX, especialmente na formulação de políticas relacionadas ao controle das terras e ao poder terrestre. Embora Mackinder seja frequentemente associado à geopolítica terrestre, suas ideias têm implicações para o poder marítimo e o domínio dos mares, especialmente em relação ao que ele chamou de “Margem Insular”– regiões costeiras e ilhas ao redor da Eurásia, incluindo o Reino Unido e o Japão. Ele sugeria que, enquanto o poder terrestre controlava o centro, o poder marítimo poderia cercar e isolar essa área, influenciando o equilíbrio de poder global.
Para Mackinder, o poder naval era essencial para as nações que buscavam conter ou influenciar o controle do Heartland. Ele via o domínio dos mares como uma forma de compensar o poder das grandes potências terrestres, especialmente em regiões periféricas onde o poder naval poderia exercer influência significativa.
Em um mundo moldado pelas suas ideias, a capacidade de uma nação projetar poder naval seria crucial para impedir que uma potência terrestre consolidasse o controle do Heartland e, por extensão, da Ilha Mundial. O controle das rotas marítimas, portanto, era visto como uma forma de equilibrar o poder terrestre dominante.
No cenário contemporâneo, essas lições são aplicáveis de várias maneiras. O Brasil, por exemplo, pode utilizar seu poder marítimo para fortalecer a Amazônia Azul, que representa a imensa área marítima sob jurisdição brasileira, rica em biodiversidade e recursos naturais e a BR do mar, política de incentivo à navegação de cabotagem, se torna uma peça crucial nessa estratégia, ao promover o desenvolvimento da indústria naval e melhorar a conectividade e a segurança das rotas marítimas no Atlântico Sul.
A Amazônia Azul, abrangendo cerca de 4,5 milhões de km², é uma área de imenso valor estratégico devido à abundância de recursos naturais, como petróleo, gás, minerais e uma biodiversidade marinha única. Esta região não apenas alimenta a economia brasileira, mas também representa um elemento vital para a autossuficiência energética e a sustentabilidade econômica a longo prazo.
Em um cenário global onde os recursos naturais são cada vez mais escassos, a Amazônia Azul pode se tornar alvo de interesses transnacionais, tanto de Estados quanto de atores não estatais, como corporações e organizações criminosas. Portanto, a simples declaração de soberania não é suficiente para protegê-la; ela deve ser sustentada por uma capacidade robusta de defesa, controle e dissuasão.
Essa defesa só será possível através da integração da força e estratégia, isto é, esforço contínuo de fortalecimento das capacidades militares e de inovação tecnológica, aliado a uma estratégia inteligente de monitoramento, diplomacia e cooperação.
O Brasil deve e precisa demonstrar uma capacidade militar robusta e credível, o que envolve a manutenção e modernização da Marinha do Brasil, incluindo a construção de submarinos de propulsão nuclear, projeto em desenvolvimento no Brasil, parte do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub); navios de guerra; e a implementação de sistemas avançados de vigilância e reconhecimento, como drones e satélites. A vigilância contínua da Amazônia Azul é essencial para garantir que o Brasil mantenha o controle efetivo sobre sua ZEE, o que pode ser alcançado através do desenvolvimento de uma rede integrada de sensores marítimos, aéreos e espaciais, capazes de monitorar atividades na superfície e nas profundezas do oceano. O Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SisGAAz), que inclui o uso de satélites e veículos aéreos não tripulados (VANTs), é um exemplo de como a tecnologia pode ser aplicada para fortalecer a capacidade de monitoramento e resposta.
A presença constante e visível de forças navais brasileiras na região envia uma mensagem clara de que qualquer violação da soberania será enfrentada com uma resposta adequada. A Marinha deve ser equipada com unidades de intervenção rápida, prontas para agir em curto prazo. Isso também requer uma rede de bases navais estrategicamente posicionadas ao longo da costa, facilitando a projeção de poder sobre a Amazônia Azul. Como dizia Rui Barbosa, esquadras não se improvisam.
Para fortalecer a Amazônia Azul e integrar o poder naval com a infraestrutura e a exploração econômica, o Brasil pode consolidar sua soberania e influência na região, garantindo não apenas a proteção de seus interesses estratégicos, mas também o desenvolvimento sustentável do País, através da navegação de cabotagem.
A BR do Mar é uma iniciativa estratégica lançada pelo governo brasileiro com o objetivo de expandir e fortalecer a navegação de cabotagem, que é o transporte marítimo de cargas entre os portos do país. Formalmente instituída pela Lei nº 14.301, de 2022, a BR do Mar visa não apenas a diversificação da matriz de transporte nacional, mas também a promoção de uma maior integração entre as diferentes regiões do Brasil, reduzindo a dependência do modal rodoviário, que atualmente domina o transporte de cargas no País.
Uma das premissas centrais da BR do Mar é aumentar a competitividade no setor de navegação de cabotagem. Para isso, a lei facilita o acesso ao mercado para empresas que operam sob bandeira brasileira e promove a modernização da frota nacional. Um dos mecanismos principais é a flexibilização das regras para o afretamento de embarcações estrangeiras por empresas brasileiras, permitindo que as companhias possam expandir suas operações sem a necessidade imediata de investir em novas embarcações construídas localmente, que muitas vezes possuem custos elevados.
Outro aspecto importante é o incentivo à construção naval no Brasil. A BR do Mar oferece benefícios fiscais e creditícios para empresas que optam por construir suas embarcações em estaleiros nacionais, o que, em longo prazo, visa revitalizar a indústria naval brasileira, gerando empregos e fomentando a inovação tecnológica no setor. Além disso, a lei também prevê a melhoria da infraestrutura portuária, essencial para garantir a eficiência das operações de cabotagem e para atrair novos investimentos.
O impacto esperado da BR do Mar vai além da simples redução de custos logísticos. A medida visa também aumentar a segurança das rotas marítimas, reduzir a emissão de gases de efeito estufa ao diminuir a dependência do transporte rodoviário e, assim, contribuir para um modelo de desenvolvimento mais sustentável. Ao integrar a BR do Mar com a defesa dos interesses brasileiros na Amazônia Azul, a iniciativa também reforça a importância do Atlântico Sul como uma região estratégica para o Brasil, não apenas em termos econômicos, mas também de soberania nacional.
Ao facilitar a navegação de cabotagem e estimular a indústria naval, o Brasil se posiciona para melhor explorar suas vantagens geográficas e naturais, contribuindo para o desenvolvimento econômico regional e a integração nacional.
O poder marítimo, quando entrelaçado com a inteligência estratégica, transforma-se em uma força capaz de moldar destinos e garantir a soberania das nações. Assim como as marés que esculpem as costas ao longo do tempo, a supremacia nos mares, ao ser harmonizada com a inteligência tática, não apenas conduz à vitória nos campos de batalha, mas também tece uma rede de segurança e prosperidade que perdura além dos conflitos. Como dizia Rui Barbosa, “Não há segurança sem esquadra. Os países que, confiando na sua neutralidade, dispensam as esquadras, lançam a segurança da sua neutralidade nas mãos dos que têm força para protegê-la, ou vontade para violá-la”
Portanto, a sugestão do chefe naval, leitor do Diário de Minas, ao questionar a ausência do Poder Marítimo em discussões sobre estratégias militares, é mais do que pertinente. Ela nos lembra que, para resolver os problemas contemporâneos, devemos olhar para o passado, aprender com ele e aplicar essas lições de forma criativa e adaptativa no presente e no futuro.
A análise do poderio marítimo e sua importância histórica nos mostra que o domínio dos mares sempre foi um fator determinante na proteção da soberania e na projeção de poder das nações. O Brasil, com sua extensa Amazônia Azul e suas riquezas naturais, não é exceção a essa regra. O que aprendemos ao revisitar a bravura de Tamandaré em Montevidéu, a decisiva Batalha do Riachuelo sob o comando de Barroso, e a sabedoria de estrategistas como Mahan e Mackinder, é que o poder naval não é apenas uma questão de força bruta, mas uma expressão de estratégia, planejamento e visão de longo prazo.
O Brasil, para garantir sua segurança e sua influência no Atlântico Sul, deve continuar a integrar a força militar com uma estratégia inteligente e adaptativa. Isso inclui a modernização constante de sua Marinha, a construção de submarinos de propulsão nuclear, o fortalecimento de suas capacidades de vigilância e defesa, e a promoção de iniciativas como a BR do Mar, que não apenas ampliam a conectividade e segurança marítima, mas também consolidam a presença brasileira em uma região de crescente importância estratégica.
Bacharel em Direito (PUC) e membro do grupo de Estudos Estratégicos Raul Soares. É graduanda em Ciências do Estado (UFMG) e se especializa em finanças públicas (ECCPPA). É advogada de direito público e analista jurídico-administrativo (TCE).
**Graduando em Ciências do Estado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Brasil. Editor-Chefe da Revista de Ciências do Estado (Revice)