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A 25ª Emenda, seção 4

A 25ª Emenda, seção 4

O Direito tem sim, e já, resposta para qualquer questão que se coloque à sua observação. Nada, absolutamente nada, deixa de ser objeto da ordem jurídica

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03-07-2024 às 08h:44

José Luiz Borges Horta*

Não sei se é porque somos mineiros, mas é notável que sempre remanesce uma desconfiança da população, do povo ou da Nação, como melhor se quiser chamar, em relação às instituições jurídicas ou jurídico-políticas na capacidade de solucionar os verdadeiros problemas que trazem angústia às populações.

No sistema jurídico romano-germânico, ou de “civil law”, é ponto de partida a concepção de que o sistema tem alternativas para solucionar todas as questões que se lhe sejam colocadas, como tentamos aprender e ensinar desde que ingressamos no mundo jurídico, aos 18 anos de idade.

É fato que uma certa “liberdade criativa” de agentes do universo forense tem dado a impressão de uma certa imprevisibilidade do direito, o que não coaduna com os princípios do Estado de Direito, entre os quais a segurança jurídica – mas é que vivemos em um momento do Estado de Direito no qual é particularmente hiperbólica a presença dos servidores públicos jurisdicionais na construção do direito: juízes, promotores, policiais, estão a todo tempo buscando demonstrar seu protagonismo e sua liderança na interpretação do Direito e, portanto, tendem a flexibilizar ou relativizar o ordenamento jurídico como um todo de modo a que possam dele fazer o que o decisionismo jurisdicional assim o queira. É uma faceta do que tende a ser chamado e criticado como “Ativismo judicial”, sobre o que o Brasil tem uma obra excelente, de Elival da Silva Ramos.

Trata-se de um corolário hermenêutico, ou de um princípio a que todo o jurista deve se prender ou se submeter: o Direito tem sim, e já, resposta para qualquer questão que se coloque à sua observação. Nada, absolutamente nada, deixa de ser objeto da ordem jurídica, que em princípio é compreensiva de todas as estruturas em relações travadas no âmbito de um Estado. É a completude jurídica, que Norberto Bobbio detalhava. Ela é mais fácil de compreender nos Estados que adotam a tradição romano-germânica e mais complexa de traduzir quando observamos os fenômenos em Estados que integram outras civilizações e que portanto se estruturam juridicamente segundo pontos de vista e fundamentos às vezes inteiramente opostos aos fundamentos da civilização ocidental.

Este é o caso dos povos e costumes de “common law”, praticado alegremente nos países de tradição “wasp (“white, anglosaxon and protestant”). Ao olharmos para um fenômeno na Inglaterra, na Austrália ou nos Estados Unidos da América, temos de generosamente aceitar o fato de que se trata de uma outra civilização, com uma pauta valorativa distinta da nossa, guardada por uma estrutura religiosa totalmente diferente, cultivada por uma cultura literária e por uma língua que trazem limites e possibilidades distintos dos nossos.

Ainda assim, com as diferenças salutares que enriquecem o convívio entre as distintas civilizações sobre a face da Terra, também o direito praticado nos povos de “common law!, ou de quaisquer outras,  tem de ser tratado como se tivesse em si as respostas necessárias para os principais problemas jurídicos que se colocam às respectivas civilizações.

Aparentemente, há uma grave angústia em boa parte dos norte-americanos, aquela mesma que em tons azuis se reconhece como democrata (ou, ao menos como anti-republicana), curiosamente desde o recente debate travado entre o candidato vermelho à presidência norte-americana, Donald Trump, e o azul, Joseph Biden.

Em que pese o fato de sabermos que as candidaturas Trump são um tanto mais agressivas do que o comum das candidaturas norte-americanas, a ponto de muitos de nós reconhecermos em Trump a chegada (finalmente) do caudilho norte-americano, ainda causa muita surpresa que os Americanos só tenham descoberto na última semana as insuficiências de seu atual Presidente. Essa culpa é certamente de Trump. Ao disputar com Hillary Clinton, oito anos atrás, Trump usou durante toda a campanha um epíteto de nível baixo o suficiente para mantê-la incapaz de reagir, mas ao disputar com Joe Biden, quatro anos atrás, assim como no mais recente debate, Trump tomou-se de solidariedade e respeito e não foi mordaz a ponto de utilizar termos capazes de traduzir a real situação de Biden. Se Hillary fora “nasty”, Biden foi apenas “sleepy” – muito pouco para que o norte-americano comum, consumidor de alimentos hiper processados, cerveja e coca-cola, entendesse o que a sonolência indicada  por Trump significava de fato.

Nem mesmo os berros desconexos de “Hello, Delaware” ou os gestos intermináveis, cada um mais temerário do que o outro, levando o mundo à beira de uma destruição nuclear, foram capazes de demonstrar aos norte-americanos a verdadeira condição de seu “Commander in Chief” – foi necessário expor de modo auto evidente a incapacidade óbvia de Sua Excelência.

A partir da constatação, tomada por mais de 70% (setenta por cento) dos norte-americanos, de que Joseph Biden não dispõe mais de condições mentais ou cognitivas para se manter à frente do país, segundo afirma a Colúmbia Broadcasting System (CBS), e do pânico generalizado dos democratas em serem de fato mais uma vez derrotados por Trump, instaurou-se um problema: como substituir Biden na cédula eleitoral para as eleições indiretas à Presidência dos Estados Unidos da América?

A discussão é travada em termos extremamente desrespeitosos, uma vez que se privilegia o “politicamente correto” em detrimento da própria “estrutura constitucional” norte-americana, cultura que tem por hábito esfalfar-se por ser democrática e para afirmar aos mil cantos sua natureza constitucional - quer se concorde, quer se discorde.

É fato que o texto constitucional norte-americano tem resposta precisa, clara e inequívoca para o problema que se coloca aos norte-americanos, ainda que nem seus constitucionalistas nem os constitucionalistas mundo afora estejam se lembrando da forma adequada de fazer Biden desaparecer da frente de um mundo que dele se envergonha.

Trata-se da 25ª emenda à “Constituição” dos Estados Unidos, especialmente ou melhor especificamente em sua quarta seção, na qual é previsto que, em caso de incapacidade do Presidente da República norte-americana em seguir à frente do país, compete ao Vice-Presidente, com apoio da maioria do gabinete, afastar constitucionalmente o Presidente norte-americano.

Se mais de 70% (setenta por cento) dos americanos estão convencidos desta incapacidade, se esta incapacidade é manifesta a ponto de colocar em risco as expectativas eleitorais dos próprios democratas, se a própria manutenção de Biden tem implicado em uma pressão descomunal sobre a Europa para que se faça guerra — insana, inútil, imprudente, demencial, desrespeitosa — contra a Rússia, então é não somente uma prerrogativa constitucional da Senhora Vice-Presidente dos Estados Unidos da América, mas um dever de Sua Excelência para com seus compatriotas, seus companheiros de partido, sua Constituição e para a paz no mundo.

A permanência de Joe Biden, consciente o mundo todo de que não possui mais condições mínimas de exercer o poder, não é só um absurdo atentado à inteligência de qualquer observador do cenário político norte-americano ou geopolítico mundial: Manter um presidente sem condições de governo à frente dá mais poderosa (ou ao menos ousada) das nações do mundo é um risco inaceitável para o planeta, para o qual o direito constitucional norte-americano tem solução serena e pacífica, que permitirá tanto a retomada da lucidez norte-americana nas relações internacionais quanto a recolocação do Partido Democrata no processo eleitoral norte americano que já aparece inteiramente dominado por Donald Trump.

Evocar a 25ª emenda é o único caminho constitucional que resta ao Partido Democrata, aos norte-americanos que merecem um governo racional e à paz no mundo, hoje fundamentalmente obstada pelas voluntariosas obsessões belicistas do “warlord” que já não sabe de si.

*José Luiz Borges Horta, 53, é Professor Titular de Teoria do Estado na Universidade Federal de Minas Gerais e professor visitante sênior PrInt-CAPES na Facultat de Filosofia da Universitat de Barcelona. Doutor em Filosofia do Direito e Mestre em Direito Constitucional, identifica-se como "non-bidenary". Contato: zeluiz@ufmg.br

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