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A minha amiga cigarra

No ano seguinte, quer dizer, 2023, nessa mesma época, quando as cigarras surgem a ciciar, adivinha quem veio me visitar? Ela. Só que dessa vez, ela não entrou inopinadamente pela janela.

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27-09-2024 às 07h:23

Bento Batista*

As cigarras estão cantando. A gente costuma dizer assim, mas na verdade elas ciciam, tiram um som com a ajuda das asas. Em meio a elas há aquela que pode alcançar 120 decibéis. Haja! Uma sirene.

Dependendo da espécie, podem viver até 17 anos debaixo da terra.

Outra coisa que parece estar introjetada na cabeça da maioria das pessoas é de que elas chamam chuva. Não, as cigarras não chamam chuva. O que acontece é que, justamente na época da iminência de chover, elas saem de suas tocas, locais onde hibernam para se acasalar.

Daí o macho ciciar para encontrar uma fêmea.

A temporada das cigarras é bem pequena, comparável a uma bimbada porque acontece de chover e se chove, elas que não são nada bobas, voltam para suas tocas ou locas, hibernam enquanto a chuva cai. Só que desta feita as cigarras já fizeram o que fazem e as chuvas ainda não entraram em sintonia porque não caiu sequer um pingo para molhar uma formiga.

Mas eu aprendi, por experiência própria, porque constato com os próprios olhos, observo, contemplo a Mãe Natureza, e sei, cigarra possui memória. Sabe por quê? No ano retrasado, uma bitela cigarra, daquelas de ciciar grosso, entrou pela minha janela.

Sabe o que fiz? Conversei com ela; expliquei que aqui no meu escritório não era um bom lugar para ela. Elogiei o tamanho da cigarra – mas tanto pode ser um exemplar macho – e disse do prazer de estar em contato com ela. Pedi desculpas e com todo jeito peguei-a com um pano e soltei do lado de fora e ela voou para a floresta do Parque Santo Antônio.

No ano seguinte, quer dizer, 2023, nessa mesma época, quando as cigarras surgem a ciciar, adivinha quem veio me visitar? Ela. Só que dessa vez, ela não entrou inopinadamente pela janela. Parece ter entendido a nossa conversa de um ano atrás, ficou no parapeito da janela.

Levantei-me da cadeira e cheguei bem pertinho dela, como quem falava no ouvido da bichinha e ela, claro, “nem tichum” para mim, nem se moveu. A questão toda se resume em energia. A minha para ela e a dela para mim. Mas, certamente ouviu os meus cumprimentos e saudações. Eu disse a ela que tinha um prazer “fédamãe” de recebê-la e como não me parecia esfomeada, nem ofereci nada de comer. Quando ela cansou de conversar comigo e de me ver sentado e a dedilhar as teclas do computador, ciciou um “tichau” e bateu asas rumo ao parque.

Desconfio que a amiga cigarra disse, num ciciar mais longo: “Até para o ano que vem” - 2025.

Por causa da pirotecnia criminosa dos que ateiam fogo no mato em troca de dinheiro, não tenho deixado a janela aberta para não entrar fumaça nem fuligem. Mas quando ouvir as cigarras ciciarem, no parque, vou abrir a janela para a minha amiga – ou amigo, porque não sei ler o sexo de cigarra – entrar ou, quero dizer, pousar no parapeito da janela para o bem dela mesma.

Prometo filmar, fotografar e entrevistar a minha amiga para publicar uma reportagem com ela no Facebook, quiçá no jornal Diário de Minas, que está bombando na internet.

*Jornalista e escritor

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