O homem asmático estava ávido por um remédio que pudesse fazer com que respirasse
Era um andarilho e segundo disse, havia sido acometido de asma por meio de um gato, e a partir de então ficou dependente de um remédio para ajudar na função dos pulmões.
22-01-2023
12h:38
Bertoldo Pena*
Era quase meio-dia, naquela hora em que o trânsito de gente e de carros aumenta de repente na Savassi, em Belo Horizonte, quando se pode ler no semblante anônimo dos que passam o ronco do estômago gravado nas testas.
Um homem estava sentado na mureta do prédio, com os braços abraçados às pernas, e logo se levantou. Disse de chofre:
-Moço, preciso comprar um remédio, “Aerolin”, para poder respirar; sou asmático.
-?
-Ali tem uma farmácia – disse o homem apontando a esquina próxima.
- Quanto custa o remédio? Perguntou-lhe o moço.- Uns dezoito reais – o homem disse.
Os dois foram andando rumo à farmácia e a caminho o homem disse ao moço que os funcionários da farmácia não podiam vê-lo, pois se o vissem iam dizer que não tinham “Aerolin”. Iam mentir, porque em verdade, o remédio não estava em falta; os funcionários é que não gostavam dele e faziam isso só de picardia. Assim justificou-se.
-Onde o senhor mora? Perguntou-lhe o moço- Por aí – o homem disse.
-Por aí, onde? Insistiu o moço.
-Não tenho casa não senhor. Sou andarilho, vivo por aí. Há dez anos peguei asma e preciso do remédio para respirar. Vivo assim, pedindo a uns e a outros.
-Como o senhor pegou essa asma? Indagou-lhe o moço.
-Foi de um gato... Foi de um gato... Disse reticente.
Ele disse e se estacou de repente porque a farmácia estava logo ali.
O homem era de estatura mediana, o rosto sulcado pelos sinais da implacável velhice, pele clara, roupas encardidas cheirando a suor.
No interior da farmácia, a funcionária do lado de dentro do balcão informou ao moço que tinha “Aerolin” e se encaminhou para a prateleira onde estava o remédio. Veio lendo o preço:
-São 26 reais e 30 centavos.
-Tudo isso? Disseram-me que o remédio custava “uns 18 reais”?! Reagiu o moço.
Enquanto isso, o homem esperava lá fora. Não havia tempo para aprofundar mais a conversa a fim de buscar os porquês desse tratamento dado ao homem. Pode ser que ele tenha importunado os funcionários, ávido por um frasco de “Aerolin”. Pode ser.
Quando o homem viu a sacola com o frasco do remédio, agradeceu vezes seguidas. Depois espichou o braço para um aperto de mão. Mão cascuda, calosa.
O homem sorriu sorriso a meio-dentes e parecia certo de que, enquanto houvesse remédio no frasco, respiraria.
Não ia precisar, por algum tempo, de toda aquela pantomima em busca de ar para bombear os pulmões e fazer o sangue correr pelas veias até o mais íntimo de suas entranhas.
*Escritor.