
Ana Cabral Gardner, Ceo da mineradora Sigma Lítio com operações no Vale do Jequitinhonha - créditos: divulgação
21-08-2025 às 14h00
Direto da Redação
Em uma solenidade que acontece hoje às 19h, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) prestará homenagem a Ana Cabral Gardner, CEO da Sigma Lítio, reconhecendo seu papel à frente da empresa que lidera a produção de lítio no Vale do Jequitinhonha, com a entrega do título de Cidadã Honorária de Minas Gerais. O reconhecimento — pautado na promessa de inovação tecnológica e aliança com a transição energética — ganhou contornos controversos ao ser confrontado com denúncias de falhas éticas e ambientais envolvendo o processo de licenciamento da mineradora nas regiões de Araçuaí e Itinga.
Licenciamento ambiental contestado e ausência de diálogo com comunidades tradicionais: Pesquisadores brasileiros e britânicos emitiram, em abril de 2025, uma nota técnica em que apontam uma série de irregularidades no licenciamento ambiental conduzido pela Sigma. Entre as falhas identificadas: ausência de consulta livre, prévia e informada às comunidades locais — exigência legal segundo a Convenção 169 da OIT —, fragmentação de processos de licenciamento que torna difícil avaliar o impacto cumulativo e omissão de análises essenciais sobre hidrogeologia local. Além disso a mineradora Sigma trabalha com investimentos públicos provenientes do Novo Fundo Clima geridos pelo BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
Portanto, o controle híbrido da água na região tem sido questionado por estudiosos, que destacam a superficialidade das medidas de monitoramento da qualidade da água, ruído, poeira e vibrações, em desconformidade com normas estaduais, não obstante a mineradora ter recebido outorga da ANA – Agência Nacional de Águas para consumir 3,8 milhões de litros d’água por dia na região de Itinga conforme publicação no site da UFPE.

Métodos de extração questionados: Embora a Sigma se apresente como uma empresa “verde” e sustentável, as práticas alegadas contradizem a imagem pública. O método de mineração a céu aberto (open pit) utilizado gera cerca de 94% de rejeito – enquanto métodos subterrâneos, já aplicados na região, poderiam reduzir em até 30 vezes os impactos ambientais.
Denúncias de silenciamento e táticas autoritárias: Organizações como o Observatório da Mineração denunciaram tentativas de intimidação por parte da Sigma contra a divulgação dessas críticas. O grupo recebeu notificação extrajudicial após requisitar posicionamento da empresa, o que foi interpretado como tentativa de censura.
Impactos socioambientais nas comunidades: Relatos de moradores das comunidades de Piauí Poço Dantas e Ponte do Piauí — ambos em Araçuaí e Itinga — incluem barulho constante de caminhões, rachaduras em residências, poeira, doenças respiratórias, entre outros impactos diretos à qualidade de vida. Indígenas e quilombolas relatam ainda efeitos ambientais severos: alteração na fauna local, desorientação de abelhas, ameaça às nascentes, escassez de água e aumento da inflação — gerando deslocamentos e comprometendo sustento e cultura.
Contraste entre discurso e prática: Do outro lado, a Sigma destaca sua atuação social por meio do Instituto Lítio Verde, com aporte inicial de R$ 500 milhões para projetos nas áreas de educação, saúde, saneamento e infraestrutura, além de programas como microcrédito, agricultura familiar e segurança hídrica.
Em abril de 2025, audiências públicas foram promovidas em Araçuaí e Itinga, mostrando resultados positivos como geração de empregos (1.700 diretos; 18.000 indiretos), reformas em escolas, programas culturais e esportivos, e inclusão produtiva feminina. Ainda assim, essas ações são vistas por críticos como uma estratégia de “gestão da crítica”, que busca criar uma imagem positiva enquanto os impactos estruturais persistem. A exemplo de uma ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pela deputada federal, Célia Xakriabá (PSOL-MG) que questiona projetos da mineradora.
A homenagem feita pela ALMG a Ana Cabral‑Gardner destaca o papel da Sigma Lítio no cenário de lítio verde. No entanto, à sombra desse reconhecimento, persistem contestações robustas: práticas ambientais questionáveis, licenciamento com falhas, silenciamento de críticas e impactos diretos sobre comunidades tradicionais e ecossistemas frágeis. A contradição entre o discurso de responsabilidade socioambiental e os fatos observados revela uma urgência: transformar o lítio não apenas em fonte de energia, mas em instrumento legítimo de desenvolvimento sustentável — com justiça, saúde ambiental e participação popular no centro da lógica empresarial e estatal.
Fontes de pesquisa: Radar da Mineração/DM, Observatório da Mineração, Brasil de Fato e Estadão