
Créditos: Divulgação
19-08-2025 às 10h27
Alessandra Garcia*
Durante décadas, a lógica do trabalho parecia inquestionável. Era preciso produzir, entregar, mostrar serviço. O profissional bom era aquele que se dedicava com afinco, que sabia fazer, que executava bem. E quem fazia muito, valia mais.
Não havia tempo para pensar. O importante era fazer.
Esse modelo funcionou por muito tempo. A própria história do trabalho nos mostra como, a cada revolução industrial, fomos moldando a rotina profissional ao ritmo das máquinas. Cada nova tecnologia empurrava as pessoas para tarefas mais rápidas, mais exatas, mais padronizadas.
Até que chegou a vez da inteligência artificial.
Ela não apenas acelerou as coisas, como já fizeram as máquinas anteriores, mas começou a assumir justamente aquilo que por muito tempo definia o que era trabalhar: executar tarefas. Agora ela escreve, calcula, responde, traduz, organiza. E faz isso tudo com uma velocidade que nenhum ser humano consegue competir.
E é aí que surge a grande pergunta da nossa era: se as máquinas fazem as tarefas, o que sobra para nós?
A resposta é simples, mas profunda: sobra o que nunca foi mecânico.
Sobra o olhar estratégico, a sensibilidade e a capacidade de interpretar contextos, de liderar com empatia, de tomar decisões que envolvem nuances, dilemas, pessoas.
E é justamente nesse ponto que muitos profissionais maduros estão se perdendo.
Depois de décadas sendo reconhecidos pelo que sabem fazer, muitos ainda não aprenderam a contar o que sabem transformar. Sabem o que fizeram, mas não sabem traduzir isso em valor. Sabem o caminho que percorreram, mas não sabem como explicar o impacto que geraram.
Isso não é uma crítica. É um ponto de atenção.
A mudança que estamos vivendo no mundo do trabalho não é só tecnológica. É mental. Estamos passando de um modelo onde “fazer” bastava, para um modelo onde o que conta é pensar bem, interpretar rápido e comunicar com clareza.
O profissional que executa bem é importante. Mas o que consegue transformar experiência em estratégia é quem passa a ocupar os espaços mais relevantes.
Muitos 50+ ainda operam sob o código antigo. E sentem que estão sendo deixados de lado. Às vezes se frustram com colegas mais jovens que, mesmo com menos tempo de estrada, assumem papéis de liderança ou viram referência em decisões importantes.
Isso machuca. E é compreensível.
Mas talvez o ponto de virada esteja justamente aqui: não basta ter experiência. É preciso aprender a transformá-la em resultado percebido.
É possível, e necessário, construir essa nova ponte. Trocar o discurso de tempo por repertório, trocar a lista de tarefas pela narrativa de impacto e trocar o “fiz” pelo “ajudei a transformar”.
E isso não tem nada a ver com aprender a usar tecnologia de ponta. Tem a ver com olhar para a própria trajetória com olhos de quem entende o que ela representa. E sabe onde ela ainda pode chegar.
A inteligência artificial assumiu as tarefas. Mas a inteligência de carreira continua sendo humana, e ninguém tem mais bagagem para exercê-la do que quem já viu o mundo mudar e está disposto a mudar junto.
*Alessandra Garcia é consultora e mentora de carreiras