
O remake da caverna. Créditos: Divulgação
18-08-2025 às 09h21
Raphael Rodrigues*
“Torna-te quem tu és”
(Nietzsche)
Seus avós com certeza já te contaram que tem um diabinho, do outro lado do anjinho, que fica no seu ombro te dizendo coisas ruins como: “Você está perdendo alguma coisa…”. Pode ser uma festa, uma oportunidade, uma novidade. Nas redes sociais, ele vira seu “influencer”. Aponta fotos, vídeos, pessoas sorrindo e diz: “Viu? Todo mundo está vivendo, menos você”. Esse diabinho é o que conhecemos atualmente como a síndrome de F.O.M.O. (Fear of Missing Out), ou medo de ficar de fora.
Apesar do nome parecer uma “trending“, a neurociência explica que essa é uma herança genética herdada de longa data e registrada no cérebro límbico como o que chamamos de instinto de preservação da espécie. Acontece que na pré-história da humanidade, ficar de fora do grupo era sentença de morte. Ser excluído da tribo significava estar vulnerável a predadores, fome, frio e solidão. Pertencer era sobreviver. E hoje, embora não existam mais tigres nos rondando, nosso cérebro ainda reage como se a rejeição virtual fosse uma ameaça real.
Se hoje não padeceremos de frio e de fome por não sermos aceitos, por outro lado corremos um sério risco de perdermos os melhores empregos, as melhores oportunidades, os melhores amigos e acabarmos socialmente isolados ou na tribo dos “Zés-Ninguéns”.
Essa necessidade de pertencer tem gerado um “remake” da Caverna de Platão. Na alegoria, pessoas viviam dentro de uma caverna, podendo ver apenas sombras projetadas na parede. Elas acreditavam que aquelas sombras eram toda a realidade que existia. Hoje em dia, muita gente enxerga o mundo apenas através das “sombras digitais” que veem nas telas: vidas perfeitas, corpos esculpidos, sorrisos constantes, sucesso instantâneo. Acreditando que isso é a vida. E se não estiverem vivendo isso, ditarão a própria sentença de morte.
#breakingnews: não existe “almoço grátis”. Em plena modernidade líquida, onde as pessoas valem menos do que as coisas, todo “recebidinho” tem uma intenção oculta e o seu preço. E geralmente as redes sociais cobram caro: a sua autonomia, sua autoestima, sua identidade. Quem já foi em loja de grife sabe que quando o produto não tem etiqueta, normalmente custa muito mais do que podemos pagar. E isso não é sobre produtos.
O medo é o que te prende à caverna. Mesmo quando você se der conta de que ela está te consumindo, ainda será difícil agir, pois o seu caminho para fora é escuro, tortuoso e incerto, afinal, você nunca o trilhou e, para a maioria, percorrê-lo pode ser pior do que ser consumido até o fim.
O primeiro ato, heroico eu diria, é ter a coragem de se desprender das correntes do medo. Depois, é preciso caminhar rumo ao desconhecido e desbravar o terreno de si mesmo, tendo sempre em mente que sair da caverna não é correr para a luz, mas atravessar o abismo escuro que existe entre o que te disseram que você deve ser e quem você realmente é.
Ninguém vai te tirar da caverna, isso não é possível. Muitos podem torcer por você, acenderem velas para iluminar o seu caminho, apontarem direções, mas só você pode caminhar. Esse é o princípio do humanismo: cada um é responsável pela construção do seu ser. Viver de verdade é assumir esse trabalho. E isso não se compra. Não se terceiriza. Não se imita.
Você tem duas opções: Continuar na caverna digital, amarrado a “likes” ou pode escolher construir uma vida abundante de sentido, em que você não precisa de morangos do amor, bebês “reborns” e “digital influencers” para darem sentido a sua vida. Você já sabe quem você é, e isso é mais importante do que o que os outros esperam ver.
Não há caverna que segure quem decide andar rumo à própria luz.
*Raphael Rodrigues é filósofo, terapeuta e graduando em Psicologia.