
Crédio: Divulgação
13-08-2025 às 09h43
José Aluísio Vieira*
No Brasil, temos um Congresso que mais se parece a um palco de ópera sem maestro: muito barulho, muito figurino, muito teatro — mas nenhuma harmonia. Deputados e senadores encenam disputas e inflamam discursos para suas plateias, enquanto os grandes temas nacionais permanecem empoeirados nas gavetas do plenário.
Essa teatralidade não é inofensiva: ela substitui substância por espetáculo e esconde uma inércia legislativa que corrói o pacto democrático. O “contrato assinado com o povo” — aquele mandato que deveria traduzir a vontade popular em leis, fiscalização e políticas públicas — é descumprido ato após ato.
A percepção popular e o “rabo preso”
Entre a população, cresce a narrativa de que boa parte dos parlamentares, por estarem sob suspeita de corrupção, evita qualquer enfrentamento com o Judiciário. A ideia de que “todos os políticos têm rabo preso” não é apenas retórica de esquina: pesquisas confirmam uma desconfiança generalizada nas instituições.
Segundo levantamento da AtlasIntel (fev/2025), 82% dos brasileiros não confiam no Congresso Nacional e 47% têm baixa confiança no STF. Apenas 27% acreditam no Judiciário como instrumento eficaz contra a criminalidade.
Essa erosão da confiança cria dois efeitos perigosos: o cinismo político, que desmobiliza o eleitor e enfraquece a cobrança por resultados, e a paralisia institucional, na qual o medo ou a conveniência travam o equilíbrio entre poderes.
O Judiciário protagonista e a política refém
Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal assumiu funções típicas de protagonismo político — seja para preencher lacunas deixadas por um Congresso inerte, seja para impor limites a práticas como o “orçamento secreto”. Mas, para parte da sociedade, essa atuação reforça a narrativa de um Legislativo submisso ou cúmplice, temeroso de provocar retaliações.
Casos como a anulação das condenações do ex-presidente Lula, a limitação de emendas de relator ou decisões sobre a inelegibilidade de parlamentares inflamam o debate e alimentam a suspeita de que afinidades políticas definem resultados.
Causas estruturais da ineficiência
A inércia não é apenas moral, mas estrutural. O presidencialismo de coalizão fragmentado, com mais de 20 partidos na Câmara, obriga barganhas permanentes e estimula a troca de favores em vez de políticas consistentes. O sistema eleitoral proporcional de lista aberta, por sua vez, premia quem brilha individualmente no palco das redes sociais, não quem trabalha nos bastidores pela construção de consensos.
Some-se a isso a falta de mecanismos efetivos de responsabilização, e o resultado é um Congresso que representa mais a si mesmo do que ao país.
E o povo?
A sociedade civil brasileira já mostrou que sabe se mobilizar — Diretas Já, impeachment, protestos de 2013 — mas nos últimos anos parece anestesiada. Entre a polarização digital, a desinformação e a “fadiga cívica”, a reação proporcional à gravidade da crise institucional não vem. Isso deixa espaço livre para que o espetáculo continue sem plateia atenta.
Romper o ciclo
Sair desse impasse exige ação em três frentes:
- Reforma política para reduzir a fragmentação partidária, dar transparência absoluta às emendas e reformar o financiamento de campanhas.
- Fortalecimento da accountability, com imprensa livre, sociedade civil ativa e mecanismos de controle externo reais.
- Educação cívica e engajamento popular para quebrar o cinismo e reativar a cobrança permanente das instituições.
Porque enquanto a política seguir com medo de quem deveria fiscalizar e o povo seguir anestesiado, o contrato democrático continuará rasgado — e quem perde é, invariavelmente, a sociedade.
Considerações Finais
O Brasil não precisa de um Congresso mais barulhento — já temos decibéis de sobra. Precisamos de um Congresso mais consequente, capaz de trocar a encenação pela entrega, o teatro pela responsabilidade, o aplauso fácil pelo trabalho árduo e silencioso que muda realidades.
Enquanto Legislativo e Judiciário orbitarem em torno de conveniências mútuas, e a sociedade assistir a tudo de braços cruzados, a democracia seguirá como um contrato não cumprido, onde a única cláusula vigente é a da autopreservação dos que detêm o poder.
O desafio é romper o ciclo da inércia e da cumplicidade. Isso não virá de um ato heroico isolado, mas da pressão contínua e consciente de uma sociedade que se recusa a ser plateia de um espetáculo decadente.
Se queremos um Congresso que honre o mandato recebido, um Judiciário que seja imparcial e um pacto democrático vivo, o momento de agir é agora. Porque, no dia em que o povo deixar de cobrar, a política deixará de servir. E aí, mais do que o contrato com o povo, estaremos rasgando a própria essência da República.
Quando o povo se cala, a política se acomoda. E quando a política se acomoda, a democracia se desfaz. É hora de trocar o aplauso vazio pela cobrança firme — ou assistiremos de camarote ao fim do contrato que nos mantém como nação.
*José Aluísio é Consultor empresarial; Educação financeira; Finanças empresariais