
Créditos: Divulgação
14-08-2025 às 08h10
Alberto Sena*
Domingo, 10 de agosto. Enquanto muita gente se refestela, neste momento em que o mundo parece parar e vem uma modorra, é necessário trabalhar, pegar plantão no serviço. No trabalho, em determinada etapa da jornada, é preciso sair para cumprir uma hora de descanso fora da empresa. É lei.
Estou, portanto, na minha hora e ando pela avenida Carandaí, adiante do Colégio Arnaldo, em Belo Horizonte. Além do trânsito de poucos carros e motocicletas, três homens sentados no gramado do jardim bebem algo. Não dá para identificar a bebida, mas se pode imaginar ser “água que passarinho não bebe”. Há também no cenário um homem em cima duma escada de madeira. Ele lixa a parede verde intenso de uma empresa.
Com o intuito de gastar bem o tempo dou voltas ao redor de um canteiro da avenida. Sinto o frescor da tarde e aprecio as árvores. Faço o olhar percorrer o tronco delas e corro os olhos em contemplação pelos galhos e as folhagens, exercício sugerido por um filósofo, sábio indiano, chamado Krishnamurti.
Dum momento para o outro, um sabiá pousa no chão, quase do meu lado, um pouco à frente. Quedo-me por um momento, refreio o passo para não afugentá-lo, apesar do sustinho por ele dado ao descer de repente da árvore.
O pássaro anda com aquele jeito característico de sabiá andar e fico de olho nele e ele fica de olho em mim. É até engraçado. E embora ele não fale a língua dos homens – e das mulheres também –, posso ouvi-lo com a maior nitidez e ele a mim.
O sabiá me fala da decepção dele com o Brasil, mergulhado na corrupção, e diz também que se essa situação não for contida, o país vai continuar sendo “do futuro” para sempre enquanto não conseguimos vencer os corruptores e os corruptos; para quando a honestidade e a ética forem práticas comuns em casa, no trabalho, na escola, na rua. Em todos os lugares, enfim.
Nem bem o sabiá acaba de falar, uma motocicleta em alta velocidade, com o cano de descarga aberto, espanta o bichinho. Foi pousar em um abacateiro. Se é que há algum por aqui. Mas em compensação outro chega como que caído de um galho. Este, ressabiado, não fala. Só olha para mim. E eu olho para ele. O sabiá me faz entender, antes de voar, o valor de um diálogo mudo, surdo, silencioso, respeitoso.
Mais curiosa, se posso dizer assim, é a chegada duma viuvinha, um passarinho arisco, branco com partes acinzentadas nas asas e próximo da cabeça. Com movimentos rápidos, a viuvinha perscruta o ambiente e depois se estaca. Olha-me no fundo dos olhos e eu a olho no fundo dos olhos também. Ela então me aponta o alto duma árvore.
Confesso não ter entendido o gesto dela, no primeiro momento. Agora, contemplo a árvore e percebo o que a viuvinha quer mostrar: em certo ponto do tronco em forma de V, quem tem olhos de enxergar identifica um corpo de mulher, uma bailarina.
Percebo mais enquanto ando: perambular pela rua, observar o que há de natural ao redor, atentar para a arquitetura das casas e dos edifícios; enxergar o outro ou a outra; praticar a civilidade mesmo estando diante de tanta maldade; melhor do que andar não há exercício algum, quando se tem uma hora para bem gastar.
A viuvinha se foi. O homem já não está mais em cima da escada nem lixa a parede. Agora, diante de uma mulher, ele conversa com ela. Parece ser a dona da empresa. Boba nada, ela está de olho no trabalho do homem não importa ser hoje domingo.
Os outros três homens permanecem no gramado do canteiro da avenida. Um está com um copo na mão. Outro tem a garrafa escura do lado. Um jovem devidamente paramentado passa numa bicicleta e os três homens no gramado do canteiro da avenida gritam-lhe algo inaudível.
Da maneira como os sabiás voam e as viuvinhas também, o tempo passa num átimo. Será quanto vale uma hora ininterrupta de investimento na gente mesmo? O meu Eu verdadeiro responde: “Não há dinheiro algum que pague”.