
Bicentenário de nascimento de Dom Pedro II -créditos: divulgação
10-08-2025 às 10h10
Lilia Moritz Schwarcz

Estive no Museu Mariano Procópio (Juiz de Fora – MG), pela primeira vez, nos idos de 1997.
Passados tantos anos, a boa lembrança não apaga a experiência tão positiva que vivi por lá. Na época, eu realizava pesquisa sobre o imperador Pedro II, e sobre a dimensão simbólica de seu poder político. Essa viria a ser minha tese de Livre docência na Universidade de São Paulo. Com verba da Fapesp, a investigação pretendia contar a história da popularidade do Imperador, a partir da construção de um imaginário tropical, que alicerçaria a nação e o projeto de governo.
Para tanto, eu precisava de documentos para confirmar (ou não) minhas hipóteses, imagens de todo tipo para tentar dar conta de explicar como o Segundo Reinado havia explorado politicamente uma série de imagens, oficiais ou não, na construção de sua representação popular: que fora estável e longeva.
Naquele momento, eu havia recém-defendido meu doutorado — que resultou no livro “Espetáculo das raças” — e era basicamente uma acadêmica em busca de novos acervos e fontes. Foi então que soube que, em famosos leilões da República, quando a família imperial já se encontrava no exílio, Alfredo Ferreira Lage (fundador do Museu Mariano Procópio) arrematou significativos lotes de objetos e documentos antigamente pertencentes à monarquia.
Com a ousadia dos mais jovens, resolvi escrever para a instituição explicando os objetivos de minha pesquisa, e fui imediatamente respondida, com a maior presteza e profissionalismo. A funcionária que me atendeu me animava a visitar o Museu e, assim, explorar melhor o acervo do local.
Tomei coragem, então, e resolvi partir para Juiz de Fora e pesquisar no Museu Mariano Procópio. A essas alturas, eu não conhecia a cidade, tampouco o arquivo guardado por lá. Eu não estava iniciando a investigação. Ao contrário, perseguindo o caminho dos documentos, eu já trabalhara com os acervos cariocas da Biblioteca Nacional, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Brasileira de Letras, bem como visitara uma série de acervos espalhados pelo país e, também, internacionais. Eu, literalmente, seguia d. Pedro II onde quer que ele tivesse ido.
Já usara sete anos no projeto, mas toda tese como essa significa um salto no escuro, lançar-se na “caça” às fontes e seguir o que no fundo é uma espécie de instituição: encontrar os documentos, fazer as perguntas certas e dar jeito de conseguir escutar as respostas. Isso porque eu tinha certeza de que algo faltava, e que, tal qual um quebra-cabeças, eu encontraria por lá novos elementos e objetos para tornar a minha tese central ainda mais complexa.
Pesquisa é jogo de arriscar, e cada nova abertura pede cautela, de um lado, curiosidade também, bem como a certeza de que são as fontes primárias que nos devolvem, ou não, as hipóteses previamente formuladas.
E foi assim que, no Museu Mariano Procópio, encontrei não só fontes preciosas, como livros da biblioteca do imperador e muitos objetos de cultura visual. Dentre porcelanas, vasos, esculturas, uniformes, medalhas e toda sorte de objetos, usei minha imaginação histórica para desenhar o ambiente do Paço. Uma pequena escultura anônima de Isabel, acima de uma espécie de escadaria, e pousando sua mão em um ex-escravizado, virou símbolo da representação do projeto de abolição, gradual e lenta – lenta demais –, propugnado pelo Segundo Reinado.
Era também farto o arquivo fotográfico lá existente e que me permitiu “ler imagens”. Uma foto colorizada de d. Pedro II logo se converteu na capa de meu livro: a essas alturas, apenas, tantas vezes, imaginado.

Legenda – Capa da primeira edição do livro “As Barbas do Imperador”, ilustrada com uma das fotografias de D. Pedro II que pertencem ao Arquivo Fotográfico da Fundação Museu Mariano Procópio.
Imagens não se comportam como meras ilustrações e essas que encontrei no museu de Juiz de Fora me facultavam repensar a dinâmica da corte, de forma geral, e da família imperial — em sentido mais particular. O que guardavam, como guardavam, que tipo de imagem queriam legar?
A solicitude e a abertura dos funcionários do Museu, a escuta atenta, formaram um capítulo a parte. Eles e elas se empenharam ao máximo para atender às minhas necessidades e até me abriram outras oportunidades, indicando um documento, abrindo uma gaveta, mostrando uma pasta, destacando um objeto.
O resultado da pesquisa foi o livro “As Barbas do Imperador, d. Pedro II um monarca nos trópicos”, que acabou ganhando o prêmio Jabuti, como livro do ano, em 1999, além de lançamento especial em Juiz de Fora.

Foto original do Museu Mariano Procópio de Juiz de Fora-MG
Devo muito aos funcionários do Museu Mariano Procópio, e meu livro não seria o mesmo sem a ajuda deles e sem o arquivo que encontrei na instituição. Vida longa ao Museu e à memória que ele guarda e permite divulgar. Um arquivo não é uma caixa fechada. Ele garante sua vocação quando permite leituras plurais e se abre, sempre, aos novos diálogos.
Saiba mais!
SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do Imperador: d. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Cia. das Letras, 1998.
___________. De olho em d. Pedro II e seu reino tropical. São Paulo: Claro Enigma, 2009.
Lilia Moritz Schwarcz é historiadora e antropóloga, curadora, professora titular e sênior do Departamento de Antropologia da USP, professora visitante na Universidade de Princeton e professora emérita da Universidade de Buenos Aires. É autora de mais de 30 livros e catálogos de arte, publicados no Brasil e no exterior, a exemplo de “O espetáculo das raças”, “As Barbas do Imperador”, “Brasil: uma biografia”, “Lima Barreto: triste visionário”, “Enciclopédia negra” e “Imagens da branquitude. Já conquistou oito prêmios Jabuti e integra a Academia Brasileira de Letras desde 2024.