
A verdadeira guerra é pelas terras raras do Brasil - créditos: divulgação
02-08-2025 às 13h00
Professor Arthur Nadú Rangel (*)
Antes de começarmos a nossa digressão sobre o tema, talvez seja prudente trazer para o leitor o que venha a ser as chamadas “terras raras”. Para início de explicação, as terras raras não são necessariamente raras, pelo contrário, muitas delas são extremamente comuns na crosta terrestre; entretanto muitas outras são extremamente raras. O problema central destes elementos é que os mesmos, na sua maioria, não formam “veios” ou concentrações na forma que estamos acostumados, como por exemplo do ferro e do cobre; estes elementos se encontram “pulverizados” em grandes áreas, na sua maioria combinados com outros elementos. Neste sentido o maior problema destes elementos não é a sua abundância, mas sim a dificuldade de extraí-los e o problema central que iremos ver mais à frente: o refino e beneficiamento deles.
O segundo ponto que o leitor deve se perguntar é: de que servem estas terras raras? A resposta é: para aparelhos tecnológicos avançados, equipamentos militares e funções especiais que dependem de efeitos químicos singulares. Muitos desses elementos possuem características magnéticas únicas, fundamentais para produção de supercondutores, vidros especiais, emissores de laser, motores elétricos de alta performance, catalisadores automotivos e equipamentos médicos de última geração.
O terceiro ponto que o arrebatado leitor deve estar se perguntando é: onde estes elementos são encontrados? A resposta não é muito simples. Eles estão por todos os lugares, são elementos extremamente difusos, porém podemos observar dois pontos. Primeiro é que muitos destes elementos já são obtidos como subprodutos da mineração e refino de outros elementos químicos, como do ferro, lítio, cobre, alumínio, titânio e até mesmo do urânio. Elementos como o érbio e o cério, por exemplo, podem ser encontrados nas famosas areias pretas de Guarapari, chamadas areias monazíticas. Entretanto, para que a extração comercial seja possível, é necessário encontrar locais que podem ter uma quantidade maior de minerais específicos que por sua natureza agregam muitos destes elementos, como por exemplo a monazita, bastnasita, xenotima e nas argilas de adsorção iônica. Por causa disto, existem poucos países no mundo que contêm depósitos levemente concentrados destes elementos, sendo principalmente a China, que detém 38% de todas as reservas descobertas destes minerais. O Brasil e o Vietnam possuem, cada um, 19% das reservas descobertas, a Rússia 10%, Índia 6%, Austrália 3%, e os demais países do mundo representam menos do que 5%. Não devemos tomar estes números como um fator perpétuo, eles representam apenas as reservas descobertas que possuem valor comercial atualmente; como tais minerais estão crescendo em importância, muitos estudos estão sendo feitos para buscar reservas com valores comerciais e, por este motivo, acredita-se que mal compreendemos ainda a localização de todas as reservas mundiais (isto sem entrar no fato que a maioria das reservas estão localizadas no leito dos oceanos, porém ainda não possuímos tecnologia para extraí-las).
Antes de seguirmos para a próxima indagação do leitor, devemos abrir aqui um parêntese para falar um pouco mais sobre quais elementos são considerados terras raras e para o quê eles são utilizados geralmente. Escândio (Sc): encontrado como subproduto de outras atividades de mineração, tem função semelhante à do nióbio, em que em pequena quantidade no alumínio aumenta muito a sua resistência. Ítrio (Y): relativamente comum, utilizado principalmente em telas de LCD e LED e em lasers. Lantânio (La): relativamente comum, usado em baterias e em catalisadores industriais. Cério (Ce): muito comum, usado em catalisadores industriais e como polidor de vidros. Praseodímio (Pr): relativamente comum, usado em motores elétricos industriais, ímãs e como agente colorante. Neodímio (Nd): relativamente comum e um dos mais importantes, fundamental em motores elétricos modernos, discos rígidos, fones de ouvidos, robótica e ímãs especiais. Promécio (Pm): extremamente raro, usado como elemento radioativo em aplicações industriais. Samário (Sm): relativamente comum, usado em ímãs permanentes e em reatores nucleares. Európio (Eu): extremamente raro, usado em LEDs vermelhos e tintas de segurança. Gadolínio (Gd): elemento raro, usando como contraste médico, memórias de computador e em reatores nucleares. Térbio (Tb): Raro, usado para fazer o LED verde e dispositivos magneto-ópticos. Disprósio (Dy): Muito raro, usado em motores elétricos de alta potência e ímãs de altas temperaturas. Fundamental no mundo moderno. Hólmio (Ho): Raro, usado em lasers e equipamentos militares. Érbio (Er): Raro, usado em amplificadores ópticos a fibras ópticas. Túlio (Tm): extremamente raro, utilizado em aparelhos de raio-x e lasers de uso médico. Itérbio (Yb): raro, usado em lasers industriais de alta potência. Lutécio (Lu): extremamente raro, usado em cintiladores de cristal único para equipamentos de tomografia por emissão de pósitrons (PET scans), e em lentes ópticas e cerâmicas especiais.
O quarto ponto que o leitor deve estar se questionando é: Como obter tais elementos? Bem, aqui mora o centro do problema. Extrair tais elementos do solo na forma da Monazita, Bastnasita, Xenotima e nas Argilas de adsorção iônica é relativamente simples. O problema se encontra na hora de refinar tais elementos, separando deles as terras raras para que possam ser utilizadas de forma industrial. Aqui temos dois problemas: o primeiro é que temos a necessidade de gigantescas plantas químicas e industriais especiais para que tais minerais passem por dezenas de procedimentos químicos e físicos em que os elementos sejam extraídos, separados e refinados. Uma tarefa extremamente complexa, custosa, que demanda grandes complexos industriais semelhantes às grandes refinarias de petróleo, utilizando vários elementos químicos tóxicos, explosivos e corrosivos, que devem ser armazenados com cuidado, necessitando de uma mão de obra qualificada e abundante.
O segundo ponto é com relação a um produto indesejado que é encontrado junto com os minerais de terras raras: o tório (Th). Este elemento radioativo, é um dos subprodutos do refino das terras raras e aparece na forma de uma lama radioativa ou de fosfogesso radioativo. O tório é extremamente abundante, porém seu uso comercial como combustível nuclear ainda encontra grandes problemas técnicos, desta forma o seu refino e extração dos resíduos das terras raras, que é de elevada complexidade e custo, não é economicamente viável. Assim, temos o núcleo do problema: os resíduos do refino das terras raras é são rejeitos radioativos.
Aqui encontramos uma das chaves centrais deste problema, que o torna uma questão geopolítica moderna. As terras raras são elementos fundamentais para a tecnologia moderna e fundamentais para os equipamentos militares modernos, porém a sua produção é extremamente custosa e ambientalmente perigosa. Por este motivo, seguindo o princípio neoliberal moderno, a produção destes elementos foi terceirizada para as periferias do mundo, onde o custo ambiental e humano seria irrelevante para o ocidente. Aos poucos as refinarias de terra raras na Europa e nos EUA foram fechadas em favor do seu refino na China. O governo chinês viu isto como uma oportunidade única e investiu centenas de bilhões de dólares em gigantescas plantas industriais no norte do pais para o refino das terras raras (inicialmente com elevado custo humano, porém, com a evolução tecnológica e a consolidação da indústria, o processo se tornou humanamente seguro, porem os resíduos continuam a ser um elevado problema, que são armazenados em barragens especiais de elevada segurança no deserto ao norte da China). Da mesma forma que Taiwan se tornou o núcleo mundial da produção de chips, a China se tornou o núcleo mundial de refino de terras raras, refinando em seu território 90% de todas as terras raras produzidas no mundo, tendo algumas terras raras produzidas exclusivamente na China. A situação é tão única que toda a extração de terras raras do ocidente (principalmente dos EUA) é enviada para a China para ser refinada.
Mesmo que os EUA decidam voltar a refinar terras raras em seu território, será um projeto extremamente complexo que irá demorar no mínimo uma década até que uma planta industrial minimamente viável esteja funcional. É um fato irônico, visto que todos os equipamentos militares dos EUA utilizam terras raras fornecidas única e exclusivamente pela China. Assim os chineses utilizam este monopólio como forma de controle e retaliação contra os países que ameaçam a sua soberania; também utilizam de seu monopólio para estipular o preço global destes produtos, o qual eles mantêm em um valor extremamente alto para maximizar o lucro.
E por final, vem a pergunta principal: e o Brasil? O presidente norte-americano vem informando que deseja ter acesso privilegiado às terras raras produzidas no Brasil, até mesmo com certa exclusividade de extração em troca de aplicação de tarifas de importação menores para os produtos brasileiros. O que nos chama a atenção é o que os EUA iriam fazer com tais elementos: eles iriam extrair do Brasil e enviar para a China para serem refinados? Ou iriam guardar eles em grandes depósitos até que voltem a ter uma planta industrial para o refino?
Neste sentido temos uma discussão geopolítica e de soberania que me parece muito superficial: nós definimos estes minerais como estratégicos para o Brasil e como elemento de soberania, porém, sem a capacidade de refino dos mesmos, eles são tão úteis para nós quanto areia de praia para a construção civil. Poderíamos fazer igual aos EUA e enviar nossa produção para a China refinar, cobrando os gigantescos valores de mercado, mas também estaríamos abrindo mão da nossa soberania neste quesito. A solução óbvia seria refinar tais minerais aqui no Brasil; entretanto podemos considerar que isto seria uma tarefa quase impossível, não pelo custo, mas pelo impacto ambiental que tal atividade teria, despertando a fúria de muitos ambientalistas, que já protestam contra a extração de urânio em Caetité por parte do Estado (mesmo a mina seguindo os mais rigorosos padrões internacionais de segurança), imagine o refino de materiais que produzem como subproduto uma lama radioativa? Mesmo que tivéssemos o melhor dos projetos para tal atividade, aqueles não veriam como aceitável qualquer atividade de soberania que tenha o mínimo de impacto ambiental. Muitos destes grupos enxergam a realidade de um ponto de vista de “florestas aqui, no Brasil, indústria no norte global”, sem conhecer qualquer valor de soberania. Por final, observamos que não podemos esperar qualquer mudança nesta realidade, visto que o governo atual se cercou de ambientalistas sem visão de Estado, enquanto o anterior não tinha nenhuma visão de soberania, entregando todos os valores nacionais aos EUA.
Assim, como opinião pessoal, vejo que a questão das terras raras no Brasil é mais uma alucinação coletiva do que uma oportunidade, visto que, no meio da política atual, a questão se resume se iremos entregar as nossas terras raras para os EUA ou para a China… Bem, na minha opinião, devemos usar elas como terra para aterro de obras rodoviárias, é um uso mais nacionalista (contém ironia).
(*) Arthur Nadú Rangel é professor mestre e doutor em Direito pela Faculdade de Direito da UFMG e professor universitário na Faculdade Promove em BH