
01-08-2025 às 09h49
* Rodrigo Marzano Antunes Miranda
Brasília 30 de julho de 2025 – Vivemos em uma era onde as grandes corporações tecnológicas não apenas vendem produtos — elas vendem narrativas. E essas narrativas, cuidadosamente construídas pelos algoritmos do Google, Meta, Amazon e Apple, tornaram-se infinitamente mais sedutoras que qualquer verdade que possamos encontrar por nós mesmos. A história que nos contam é simples e irresistível: você está conectado, você é livre, você tem acesso a todo o conhecimento do mundo. Mas a verdade que se apresenta é bem diferente: você está sendo constantemente monitorado, manipulado e transformado em produto para anunciantes.
As Big Techs compreenderam profundamente que a realidade depende intimamente da intencionalidade. Cada feed personalizado, cada resultado de busca, cada recomendação de vídeo carrega uma intencionalidade específica: maximizar o tempo de tela, gerar dados comportamentais e, ultimamente, lucro. A realidade que experimentamos online não é neutra nem objetiva. É uma realidade intencionalmente construída para nos manter engajados, consumindo e, crucialmente, acreditando que temos controle sobre nossas escolhas digitais.
E porque a leitura da verdade depende do acreditar, as plataformas digitais transformaram-se em máquinas de crença. Não importa se uma informação é factualmente correta — o que importa é se conseguem fazer você acreditar nela. Os algoritmos aprenderam que conteúdo emocional gera mais engajamento que fatos, que confirmação de vieses mantém usuários mais tempo online, e que polarização aumenta a frequência de interações. O resultado é uma sociedade onde a verdade algorítmica — aquilo que as plataformas decidem mostrar — torna-se mais poderosa que a verdade empírica.
Inspirando-nos na filosofia temporal de Santo Agostinho, podemos compreender como as Big Techs manipulam nossa percepção através dos três presentes. No presente do passado, as plataformas não apenas armazenam nossos dados — elas reescrevem nossa memória. O Facebook nos mostra “memórias” selecionadas, o Google personaliza resultados baseados em nosso histórico, criando uma versão editada de quem fomos. No presente do presente, nossa percepção do “agora” é constantemente filtrada por notificações, feeds e algoritmos. O presente autêntico é substituído por um presente algorítmico, onde nossa atenção é sequestrada por estímulos artificiais. No presente do futuro, as Big Techs não apenas preveem nosso comportamento futuro — elas o programam. Através de recomendações preditivas e publicidade direcionada, moldam nossas expectativas e desejos, criando um futuro que serve aos seus interesses comerciais.
Assim como Agostinho argumentava que o tempo é uma construção da mente humana, podemos afirmar que a realidade digital é uma construção das mentes corporativas. As Big Techs tornaram-se os novos arquitetos da experiência humana, modulando nossa memória através do que escolhem preservar ou esquecer, nossa percepção através do que decidem nos mostrar, e nossa expectativa através do que nos fazem desejar.
A história sedutora das Big Techs cobra um preço alto: perda de autonomia cognitiva, fragmentação da atenção, erosão da capacidade de discernimento e dependência emocional de validação digital. A verdadeira liberdade no mundo digital não virá de mais tecnologia, mas de maior consciência sobre como essas tecnologias moldam nossa percepção da realidade. Precisamos questionar as narrativas que nos são apresentadas, diversificar nossas fontes de informação, cultivar momentos de desconexão digital e desenvolver pensamento crítico sobre nossa relação com a tecnologia.
As Big Techs descobriram que controlar a percepção do tempo é controlar a própria experiência humana. Elas transformaram os três presentes agostinianos em ferramentas de manipulação, criando uma realidade onde a sedução digital supera a verdade empírica. Nossa resistência deve começar pela reconquista de nossa temporalidade autêntica — aprendendo novamente a habitar o presente real, a honrar nossa memória genuína e a construir expectativas que sirvam ao nosso florescimento humano, não aos algoritmos corporativos. A verdade pode ser menos sedutora que a história digital, mas é infinitamente mais libertadora. O tempo não é uma entidade separada, mas sim uma construção da mente humana — e é hora de decidirmos quem controla essa construção: nós ou as máquinas.
* Rodrigo Marzano Antunes Miranda
Perfil Acadêmico e Profissional: Doutor em Cidadania, Direitos Humanos, Ética e Política da Faculdade de Filosofia da Universidade de Barcelona-UB (2025). Mestre em Direito pela UFMG (2019), especializado em Formação Política (lato sensu) PUC-RJ (2007), Graduado em Filosofia (bacharel e licenciado) PUC-MG (2005).
Afiliações: – Membro de grupos de pesquisa: – Grupo de Pesquisa dos Seminários Hegelianos (UFMG) – Grupo de Pesquisa em Estudos Estratégicos Raul Soares (UFMG) – Grupo internacional de Pesquisa em Cultura, História e Estado (UFMG-UB)- Sócio efetivo colaborador da Sociedade Hegel Brasileira- Membro da SOAMAR-MG Sociedade dos Amigos da Marinha em Minas Gerais- Assessor do Centro Nacional de Fé e Política Dom Helder CâmaraPosição Atual:Diretor da Escola de Contas e Capacitação Pedro Aleixo do TCEMG (2025-).
Informações de Contato: – CV Lattes: https://lattes.cnpq.br/8767343237031091- E-mail: agendamarzano@gmail.com.