
Mineradora Sigma Lítio - montanhas gigantes de rejeitos do pó de sílica - créditos: divulgação
01-08-2025 às 08h48
Direto da Redação
O projeto “Grota do Cirilo”, da mineradora canadense Sigma Lithium S.A., localizado no Vale do Jequitinhonha (MG), voltou ao centro de uma grave controvérsia política e jurídica. Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que será protocolada no Supremo Tribunal Federal (STF) pela deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG) denuncia um esquema de licenciamento ambiental supostamente fraudulento, aliado à violação de direitos fundamentais de comunidades quilombolas e tradicionais. A ação também questiona o financiamento de R$ 486,7 milhões concedido pelo BNDES ao empreendimento, classificando-o como um caso de “corrupção ambiental”.
Apresentado como exemplo de sustentabilidade — com selo “carbono líquido zero” e promessa de não utilizar químicos nocivos nem água potável — o projeto tem sido acusado de mascarar impactos severos e irreversíveis. Segundo a ação, os danos à saúde, ao meio ambiente e ao tecido social da região têm sido sistematicamente ignorados em nome da narrativa da “transição energética verde”.
“Ilegalidade calculada” e licenciamento fatiado
O principal argumento da ADI se baseia em um parecer técnico elaborado por um consórcio de universidades (UFMG, UFVJM, Unimontes e London South Bank University), que denuncia uma manobra conhecida como license-splitting — o fracionamento deliberado do projeto em etapas menores para evitar um Estudo de Impacto Ambiental completo, o que violaria o Decreto Estadual nº 47.383/2018.
Além disso, a peça jurídica denuncia a ausência de Consulta Prévia, Livre e Informada às comunidades quilombolas impactadas, em desacordo com a Convenção 169 da OIT. A acusação é agravada pela alegação de manipulação de audiências públicas para fabricar um falso consenso popular — prática conhecida como astroturfing.
Conflito de interesses e apagamento técnico
Outro ponto alarmante é a alegada parcialidade dos Estudos de Impacto Ambiental, conduzidos pela própria mineradora — prática que compromete a credibilidade do processo. Para os autores da ação, a ausência de independência técnica no licenciamento configura um conflito de interesses evidente e reforça a tese de que o financiamento do BNDES foi concedido com base em informações enviesadas.
Impactos concretos: saúde, água e dignidade
Relatos de moradores da comunidade de Poço Dantas revelam um cotidiano de barulho, poeira e adoecimento. “Tem criança com pneumonia por causa da poeira do espodumênio. Isso não sai em propaganda”, denuncia um morador, que preferiu não se identificar. Ele menciona uma morte por silicose e associa o quadro à inalação constante da poeira mineral. As detonações também teriam provocado rachaduras em moradias — fato negado pela empresa.
O uso diário de 3,6 milhões de litros de água por parte da mineradora em uma região semiárida agrava a crise hídrica local. Estudo do CEMADEN mostrou que 18 das 20 cidades que mais aqueceram no Brasil em 2023 estão no Vale do Jequitinhonha, onde comunidades recebem apenas 1.000 litros de água por mês para toda a família.
A rede hospitalar da cidade-polo, Araçuaí, já colapsou, segundo a ADI, com aumento de 30% na demanda — outro dado ignorado nos relatórios corporativos da Sigma.
Silêncio institucional e repressão comunitária
Críticas sobre a postura antidemocrática da Sigma foram reforçadas durante o Clímax 2025 — encontro sobre cultura e clima em Diamantina. O midiativista Ricardo Targino denunciou a “opacidade intolerável” da empresa. A professora Aline Weber (UFVJM) reforçou que a Sigma sequer responde a ofícios acadêmicos. A denúncia de tentativas de silenciamento de pesquisas acadêmicas soma-se a relatos de repressão direta contra moradores e lideranças comunitárias.
Racismo ambiental e exclusão histórica
Um dos pilares da ação no STF é a denúncia de racismo ambiental. A ADI aponta que as populações afetadas — majoritariamente negras, indígenas e quilombolas — têm sido sistematicamente desumanizadas e tratadas como “parte impactada”, em vez de protagonistas dos processos decisórios. A liderança quilombola Romilda Santos resume o sentimento de expulsão:
“Cadê o direito humano? Não é para preto. Eu fui expulsa da lapa que eu nasci e cresci.”
Transição energética em disputa
O caso expõe a face oculta da corrida por minerais estratégicos para a transição energética. Para críticos, como Targino, trata-se de uma falsa solução: o “lítio verde” seria apenas mais um rótulo para um modelo predatório e excludente.
“A verdadeira transição exige romper com o passado de hipocrisia e violência”, afirmou durante o Clímax 2025.
Iniciativas como o projeto “Veredas Sol e Lares”, do MAB — que leva energia solar para mais de 1.200 famílias — demonstram que caminhos alternativos, baseados na soberania popular e na justiça climática, são viáveis. A proximidade da COP 30, no Brasil, torna o debate ainda mais urgente: quem vai decidir o futuro do território — as comunidades ou as corporações?
O jornal Diário de Minas em diversas matérias e editoriais, a mais de um ano, já vinha alertando a população do Vale do Jequitinhonha sobre as questões abordadas na referida ADI da deputada Célia Xakriabá, (PESOL-MG). E continua chamando a atenção para empilhamento gigante de rejeitos provenientes do beneficiamento do espodumênio a seco para se apurar o lítio. Este processo, apesar de mais moderno, sua exposição a céu aberto como se encontra, leva as pessoas a respirarem a sílica provocando doenças respiratórias irreversíveis.