
Usina Hidrelétrica de Itapebi, em Salto da Divisa gerou impactos ambientais e sociais na região. CRÉDITOS: Divulgação
08-07-2025 às 09h34
Marcio Metzker*
Itaipum! Tiro e queda. Sete tiros, sete quedas. Esta foi a manchete da “Folha de S. Paulo” na época em que dinamitaram os diques para inundar a área da represa de Itaipu, sepultando sob as águas o belo salto de Guaíra. Agora só restam fotografias daquela maravilha natural.
O mesmo destino teve a cachoeira Tombo da Fumaça, do rio Jequitinhonha, única atração turística da pequena cidade de Salto da Divisa, que fica na fronteira da Bahia.
A decisão de imputar a pena de morte à cachoeira foi um capítulo nada edificante para a política mineira, já que foi autorizada pela Assembleia Legislativa, mas começou com manobras pouco recomendáveis por parte dos baianos.
A cachoeira Tombo da Fumaça era patrimônio natural e paisagístico mineiro. A área ao seu redor era de preservação ambiental, por lei estadual de iniciativa da deputada petista Maria José Haueisen, aprovada pela Assembleia e sancionada pelo governador Itamar Franco no ano 2000. Haueisen apresentou o projeto por solicitação dos ambientalistas da região, que receavam justamente a extinção da cachoeira, por causa dos rumores sobre a construção de Itapebi.
A estratégia da empreiteira Odebrecht para atingir seus objetivos foi apresentar à FEAM de Minas um projeto com uma cota mais baixa, que não inundaria as áreas preservadas. Ao receber o parecer técnico favorável da Feam, a construtora enviou ao Ibama o projeto com a cota alta, anexando o parecer. Ao ler que a Feam de Minas não colocava obstáculos, o Ibama deu a licença prévia para a construção.
“Quando chegou o momento de encher o reservatório, havia uma lei estadual no caminho”.
Precisavam revogá-la. A Odebrecht encontrou alguém que representasse seus interesses na Assembleia: o deputado estadual Ivair Nogueira, líder do PMDB. Este apresentou uma emenda Frankenstein, sem parecer, a um projeto que não tinha nada a ver com isso. Era o projeto do deputado Eduardo Hermeto que criava um certificado de qualidade ambiental, e que foi aprovado sem problemas. Só dois dias depois os deputados, inclusive a autora, perceberam que tinham aprovado um artigo que revogava a lei de proteção da cachoeira.
A deputada Maria José Haueisen esbravejou e esperneou, mas de nada adiantou. Haueisen era muito respeitada por Itamar Franco, e lhe pediu que vetasse o artigo. Itamar atendeu, vetou o artigo e devolveu o projeto à Assembleia. A comissão especial designada para examinar o veto, da qual participava o próprio Eduardo Hermeto, deu um parecer coerente pela manutenção do veto.
Articulações escusas começaram a acontecer. Era início de período eleitoral, e não se encontrava no Plenário quórum nem para votar um requerimento, mas rolou um uísque generoso no Salão Oficial e num passe de mágica surgiu uma mala de dinheiro.
Na fria manhã do dia 14 de agosto, com 46 parlamentares no Plenário, o veto foi derrubado pelo voto secreto de 41 deputados. Apenas cinco votaram em defesa da cachoeira. Havia dois deputados do PT no Plenário, mas o único a espinafrar a decisão foi Márcio Cunha, do PMDB. Maria José estava viajando em campanha eleitoral. Não havia nenhum ambientalista fazendo barulho nas galerias. Não havia nenhuma faixa cobrando consciência ecológica aos votantes.
Virou-se uma página triste na história do Parlamento. Se tudo tivesse sido feito às claras, e houvesse embate de ideias e de posições, a derrota seria aceitável. Se fosse apresentado um projeto específico para revogar a lei, com ampla divulgação e discussão, seria diferente. Os deputados poderiam argumentar que o país precisa produzir mais energia elétrica, ou que não consideravam a cachoeira tão bonita assim, ou que não seria um gesto de boa vizinhança impedir a conclusão de uma obra do Estado da Bahia.
Mas a forma obscura como a estratégia foi montada, com emenda de 2º turno sem parecer, e depois com uma votação secreta para derrubar o veto, não trouxe glória alguma à Assembleia mineira.
*Marcio Metzker, é jornalista profissional, fundador e primeiro diretor da TV Assembleia|MG, secretário de comunicação no governo Itamar Franco e escritor.