
Trabalho em excesso leva o trabalhador a estafa e outras doenças ocupacionais - crédidtos: divulgação
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09-06-2025 às 09h29
(*)Alessandra Garcia
Você provavelmente já ouviu (ou até disse) frases como:
“Eu sou movido a trabalho.”
“Eu não sei ficar parado.”
“Descansar me dá culpa.”
À primeira vista, pode soar como virtude. Um orgulho de quem é produtivo, responsável, resiliente. Mas, se olharmos mais de perto, o que parece dedicação pode, na verdade, esconder um desequilíbrio: o culto ao trabalho como identidade, como valor absoluto e, muitas vezes, como válvula de escape emocional.
A verdade é que o brasileiro tem uma relação intensa, contraditória e, muitas vezes, doentia com o trabalho.
Trabalhamos muito. E adoecemos mais ainda.
De acordo com dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Brasil está entre os países com maior número de horas trabalhadas por ano, uma média de 1.700 horas anuais, superior a países europeus como Alemanha e França.
Mas produtividade não acompanha esse ritmo. Trabalhamos mais, produzimos menos e adoecemos mais. Segundo a OMS, o Brasil lidera rankings globais de ansiedade (1º lugar) e depressão (5º lugar). E os transtornos ligados ao trabalho estão entre os principais motivos de afastamento profissional.
Em outras palavras: a conta não fecha. Estamos exaustos, pressionados e muitas vezes desconectados de propósito, mas seguimos romantizando o excesso como se fosse sinônimo de valor.
Raízes culturais: de onde vem essa obsessão?
Parte dessa relação vem de uma herança cultural que mistura sobrevivência com sacrifício.
Para muitos brasileiros, trabalho sempre foi sinônimo de superar dificuldades, garantir o mínimo, lutar pelo básico. Não é raro que o discurso meritocrático apareça com força: quem trabalha muito, merece; quem descansa, perde.
Além disso, a religião, profundamente enraizado em nossa cultura associou, historicamente, o trabalho à virtude e o descanso à culpa. Ainda hoje, expressões como “vida mansa”, “boa demais pra ser verdade” e “tem algo errado aí” são usadas quando alguém parece trabalhar pouco e viver bem.
Esse olhar moralizado sobre o trabalho perpetua a ideia de que carreira é sofrimento necessário. E isso, silenciosamente, constrói profissionais que se cobram demais, se culpam por descansar e se perdem de si mesmos em nome de metas que nem sempre escolheram.
Por que precisamos mudar essa lógica?
Porque saúde mental não é luxo é base para qualquer construção sustentável.
Porque propósito sem descanso vira martírio. Porque uma carreira bem-sucedida precisa ser vivida, e não apenas suportada.
Trabalhar deve ser um meio de expressão, não de anulação.
Um espaço de troca, e não de isolamento. Um movimento de construção, e não de autopunição disfarçada de ambição.
E essa mudança começa em um lugar simples, mas profundo: a forma como cada um de nós enxerga o próprio trabalho.
Sinais de que algo precisa ser ressignificado
- Você sente culpa quando descansa?
- Você se define apenas pelo que faz?
- Você trabalha mais do que gostaria, mesmo quando poderia parar?
- Você já sentiu orgulho de não tirar férias há anos?
- Você só sente valor quando está ocupado?
Se você respondeu “sim” a algumas dessas perguntas, talvez seja hora de revisar crenças não sobre produtividade, mas sobre identidade.
Construir uma jornada saudável é responsabilidade de todos mas começa em você
Empresas têm um papel enorme na construção de ambientes mais humanos e equilibrados. Mas a gestão da sua carreira, do seu ritmo e da sua saúde mental é, antes de tudo, pessoal.
Não existe sucesso que valha o preço de uma vida esgotada. Não existe reconhecimento externo que compense o vazio de uma rotina sem sentido. Não existe alta performance que sobreviva ao cansaço crônico.
A boa notícia é que você pode ressignificar. Pode aprender a dizer “não” sem culpa. Pode escolher trabalhar com qualidade, não com exaustão. Pode reconstruir uma carreira que respeita seu corpo, seu tempo, sua verdade.
Mais do que perguntar “onde você quer chegar”, comece a perguntar: “como você quer viver enquanto constrói isso?”
O trabalho não precisa ser um peso. Pode ser uma jornada com propósito, sim mas com pausa, com saúde, com leveza e com limites claros.
E o primeiro passo pode ser agora:
* Revisar suas crenças sobre o que é trabalhar bem.
* Rever seu ritmo, sua cobrança, seu orgulho silencioso de “dar conta de tudo”.
Porque no fim, não é sobre trabalhar menos. É sobre trabalhar de um jeito que você possa continuar vivendo e não apenas resistindo.
(*) Alessandra Garcia é mentora de carreira, gestão e liderança; especialista em educação corporativa, ajuda profissionais a construírem carreiras sólidas e alinhadas com seus propósitos