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06-06-2025 às 09h30
Caio Brandão*
Lá estava Tito, que também é Guimarães, à porta do Alguidares, no bairro Sion, em Belo Horizonte, à procura de Jorge Prado, baiano elegante, cheio de charme, mas que agora mora em Miami com Deusa, sua consorte para o bem e para o mal, ainda que do mal só conheçam o eventual excesso de tempero nas iguarias do conhecido restaurante.
Guimarães, o Tito, foi lá buscar, com Jorge, informações sobre a doença hidrocefalia, de cujo mal Prado, o Jorge, também sofria, em que pese Deusa, a consorte, dizer tratar-se de “frescura” de aposentado. Para a “divindade” as mulheres, e apenas elas, as consortes, podem adoecer.
Tito mal escalara, com dificuldade, o degrau da sarjeta, também chamado meio-fio, mas, para o Tito um fio e meio, em face de suas limitações temporárias, quando cogitou, antes de adentrar o recinto do restaurante, o significado da palavra alguidares. Procurou nos bolsos o celular, para socorrer-se com o Google, encontrando-o minutos após no bolso do paletó, em meio a palpitações e atribulações respiratórias, mediante a possibilidade de perda da muleta insubstituível. Com morosidade, após quatro tentativas, digitou o lexema, para analisar todas as suas flexões e aparentar ao Brando, sócio e gerente da Casa, um ar professoral e respeitoso.
Agora, informado que Alguidares, o restaurante, tem o nome do plural “de uma vasilha ou bacia de barro, larga e geralmente rasa”, seguiu a passos firmes e confiantes, para achegar-se ao Brando, que dele mantinha na memória um lapso fisionômico, registrado em outra ocasião e lugar.
-Olá, Brando, disse Tito, lembra-se de mim? E emendou: Cadê Jorge?
-Brando, pego de surpresa, inclusive pelo uso mineiro do falso advérbio interrogativo “cadê”, palavra-chave que dispensa o verbo e raramente é usada na Bahia, onde certamente existem outras construções gramaticais geniais, perguntou ao Tito: – o Senhor é da Receita Federal?
-Não, disse Tito, prontamente acometido de coceira alérgica, face à imagem do Leão predador, e emendou: – Sou apenas um amigo em busca de informação.
-Brando, refeito do susto e recuperado de abrupta falta de ar, disse ao Tito que Jorge estava em Miami, provavelmente no sótão de alguma casa geminada, escondido da polícia de imigração, em que pese estar regular na sua permanência no país do Trump, com a sua lança flamejante e a caneta destemperada.
-Por favor, sente-se e me diga do que se trata, enquanto sacava do bolso um pequeno coité e com o olhar pedia ao garçom, servir-lhe uma dose ligeira e discreta de seu aguardente preferido, temperado com mel e canela.
-Aceita, perguntou Brando, ao que Tito respondeu: – duplo, por favor.
A conversa correu solta, por mais de uma hora e os coités ganharam velocidade de idas e vindas, com as pequenas cabaças encharcadas cumprindo, com louvor, a sua destinação.
E lá estava Guimarães, na rua, à espera do Uber, cuja demora, em face de seguidas desistências de motoristas, expunha Tito à sombra de nuvens sinistras, de cor ameaçadora, mas feliz por ter achado o que procurava, as informações sobre a hidrocefalia de Jorge, seu tratamento e repercussões colaterais.
Já no taxi, conduzido por figura padrão, em que pese usar camisa roxa adornada com motivos florais de cor vermelha, Tito sacou o celular e disparou ligação para Miami, procurando por Jorge, e agora munido das informações preliminares fornecidas pelo Brando, inclusive sobre os gostos do seu interlocutor sobre lagostas e temperos exóticos.
-Olá, Jorge, disse Tito. Sou amigo do Cáio Brandão e acabei de conversar com o Brando sobre o seu problema de hidrocefalia. Podemos falar sobre isto?
– Claro, disse Jorge.
– Você já foi operado?
– Sim, respondeu, e estou bem, completou.
– Sentiu efeitos colaterais? – Sim, mas nada muito relevante, tudo dentro do esperado.
–Alguma reação fora de contexto, algo diferente?
-Bom, eu não ia tocar no assunto, mas, de fato aconteceu algo inopino que, aliás me criou um problema.
- Do que se trata, perguntou Tito. O seu cabelo caiu? Está usando peruca?
-Não, respondeu Jorge. Tenho tido ereções múltiplas e ainda não sei o que fazer com elas.
Finda a conversa, Tito, empolgado e por estar acometido da mesma doença, marcou de pronto a cirurgia, de cuja operação vinha mantendo distância cultural, em face de suas pesquisas sobre sintomas, tratamentos, consequências e rol de profissionais especialistas, capazes de lhe devolver o equilíbrio, principalmente, além de descartar outros sintomas desagradáveis e alguns com perspectivas incapacitantes.
Do hospital, ainda na cama, no dia seguinte ao procedimento, lá estava Tito ao telefone, ligando para os amigos mais chegados e fazendo o relato da sua submissão cirúrgica.
Nada demais, segundo ele, sem tontura, sem visão borrada, sem fosfena – aqueles pontos luminosos sem estímulos, que entram no olho – e sequer coceiras ou ardências de nenhum tipo, inclusive anais. Procurou pelo guerreiro e o encontrou em sono profundo, inerte e totalmente flácido. Não sentiu de pronto as reações ditas por Jorge como vigorosas, plenas e múltiplas. Pensou em erro cirúrgico ou adição de algum químico medicamentoso com efeito colateral broxante, ou até mesmo algum remédio vencido ou falsificado pelas quadrilhas impunes de sempre. Ocorreu-lhe a possibilidade de Jorge ter inventado a história para se divertir e resolveu telefonar para o Chico Buarque de Hollanda, que também de hidrocefalia foi operado. O telefone tocou, mas ele não atendeu, o que era previsto. Mas, Tito, esperançoso, recorreu ao último recurso e, dirigindo-se à enfermeira, perguntou: - Amiga, pode me dar uma ajuda aqui?