
Todo ser humano, em potência, tem dentro de si os sete pecados capitais. CRÉDITOS: Divulgação
05-06-2025 às 09h07
Daniela Rodrigues Machado Vilela*
O maniqueísmo divide o universo numa perspectiva de que existem duas forças opostas, em eterno choque entre o bem e mal. Como se estivessem todos os seres num campo de batalhas, em conflito permanente, em que peleiam as forças do bem tentando conter as do mal. Ambos como centros gravitacionais distintos, poderosos e em choque. Assim, acontecimentos, pessoas e entendimentos, dividem-se em “certos” e “errados”. Simplificam-se, portanto, proposições e retira-se do campo de discussão e compreensão as nuances, subjetividades e ambiguidades. O que é um reducionismo desmedido.
Usualmente, se diz que determinada pessoa é boa ou má. Ou seja, é como se um indivíduo fosse, de todo bom ou, de todo, mal. Porém, sabe-se que todos têm em si, um lado capaz de realizações e ações bondosas, caridosas, humanas e, de outro lado, a mesquinhez, inveja, raiva e competição. Disto depreende-se que seres são duais, e têm nuances de forças do bem e do mal que duelam e atuam entre si.
Todo ser humano, em potência, tem dentro de si os sete pecados capitais, cabe a cada um, controlar as mazelas e dores que lhe afligem e buscar curar-se. Ao perceber-se invejoso, guloso, mentiroso, avarento e assim por diante, que procure atenuar estes traços.
Seres humanos são imperfeitos e uma mescla de bem e mal. Tudo é matizado, como na pintura, as cores se misturam. Desta feita, às vezes, tentando se fazer o bem se comete um deslize, as ações não saem como planejado ou sequer é possível perceber que o que parecia um gesto bom, não é bem assim. Erra-se, muito vezes, sem intenção. Simplificar demais as coisas é gesto imaturo, pois pode levar a uma visão tacanha da realidade. A complexidade é elemento vital da existência. Não há dualidade nua e crua entre bem e mal, as circunstâncias são abrangentes, os problemas e desafios que assolam o viver, imbricados e intricados. Luz e trevas, em diversas circunstâncias, coexistem, as forças duelam, inclusive, dentro dos seres.
O dualismo é constante, quem ama também odeia. Todos comtemplam aspectos de luz e treva, integrando-os no mais profundo do próprio ser. A totalidade é a confluência dos opostos. Vilania e heroísmo não existem. Tudo é circunstancial, questão de tomada de decisão, oportunidade, entendimento e compreensão. Erros e acertos acontecem e fazem parte da experiência humana.
É elemento fundamental inibir as atitudes mesquinhas, egoísticas e invejosas. Entender que toda plantação tem sua equivalente colheita. “Aqui se faz, aqui se paga”. Tudo numa vida só. De outro lado, há aqueles que creem no “Karma”, que se pagaria em vidas seguintes pelos pecados cometidos. Isto vale para aqueles que acreditam em formas de vida que não se resumem a mera materialidade. Planos espirituais e possibilidades de reencarnações são crenças recorrentes destes.
O “karma” é tema vital nas filosofias e religiões orientais, como o budismo e o hinduísmo e trata da ideia de causa e efeito, de que ações reverberam em consequências e que isto pode influir, inclusive, em outras vidas. Isto, explicaria sofrimentos e dores de algumas pessoas sem causa aparente. De modo que, toda ação tem uma reação que se manifesta futuramente, numa espiral interminável de causas e efeitos. Seria gesto de sabedoria aprender com os erros cometidos, se aperfeiçoar, evoluir, crescer e se desenvolver verdadeiramente como pessoa humana dotada de compaixão.
O que a ciência pode explicar a respeito disto? Ou seria o caso de não poder afirmar nada no campo das crenças? Crença, vem do latim “credentia” que significa crer, acreditar. A dicotomia fé e razão permeia a existência de todos, as respostas inexistem.
Indivíduos, são “seres em potência”, nos quais, podem resplandecer coisas boas, como: inventividade, humor, versatilidade, sabedoria e elegância no “modo de ser” e “se portar”. Podem aparecer, também, vícios e é preciso inibi-los, cuidar dos comportamentos. Cabe-se, observar o que brota no íntimo do ser, dosar a intensidade das reações, ponderar, ser vigilante com as próprias ações. Não se controlam pensamentos, mas a externalização destes em ações é passível de controle. Assim, pode-se sempre observar com zelo o filtro entre pensar e realizar, ser vigilante, atento às atitudes e instintos. Instinto é cavalo solto, é preciso domar o modo de atuação para lidar com polidez no convívio social.
Não parece apropriado dividir as pessoas, simplesmente, como sendo boas ou más. Há matizes a serem levadas em conta, subjetividades. Todos realizam más condutas em algum momento da vida. É comum, ao homem, se arrepender por falar ou fazer algo. Há dias bons e outros ruins para todos. Seres humanos erram. Não há santos ou demônios, geralmente, as circunstâncias de vida acontecem de modo complexo, dificultoso e cabe a todos tentar aparar as próprias arestas, trabalhar as dificuldades, aprender com os erros.
No final das contas, todos são humanos em demasia e não há receita para o sucesso ou a felicidade. A caminhada é desafiadora.
É uma epifania, “receber sinais divinos” e, estes podem vir de um diálogo que toque no mais profundo, uma sensação ou percepção sobre a realidade. O divino se manifesta na caridade, humanidade de se colocar no lugar do outro, ou seja, na alteridade, bondade, nos pequenos gestos que não esperam nada em troca. Naqueles “insights” banais em que o lado humano e bom se manifesta e leva-nos à compreensão de algo novo, maior, divino, um “religar-se”, que propicia ao sujeito se transformar e mudar o curso da própria história e compreensão de vida.
Entender que todos sofrem em alguma medida e tentar conduzir-se sem prejudicar a outrem. Evitar mentir, caluniar, pensar detidamente antes de agir. Estar presente no momento. Buscar ser paciente, ético e sereno são características desejáveis a serem perseguidas pelo humano.
Compreender que a vida tem seu curso e tudo flui. No mais, cultivar compaixão. Não há controle sobre os fatos, quiçá sobre si mesmo.
Enfim, a expectativa de uma vida e mundo melhor só se materializa quando o sujeito age de modo mais aperfeiçoado, buscando formas de atuação virtuosas, baseadas em humanidade, justiça e temperança. Um mundo melhor depende de seres humanos igualmente melhores. Afinal, a vida requer aprendizado e amadurecimento contínuo dos seres. Para que o homem se torne mais sábio não pode prescindir de ser ético, amoroso, generoso e cultivar virtudes. Que o tempo nos ensine a viver!
* Doutora, Mestra e Especialista em Direito pela UFMG. Residente Pós-doutoral pela UFMG com financiamento público da FAPEMIG. Professora convidada no PPGD-UFMG. Autodidata na arte da pintura e da vida.