
A inteligência artificial já é parte da engrenagem produtiva, cognitiva e cultural do nosso tempo, CRÉDITOS: Divulgação
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24-05-2025 às 09h09
Luís Carlos Silva Eiras*
1. O gato de Eco e o humano diante da IA
Umberto Eco, o famoso semiólogo italiano, costumava observar com ironia o comportamento de seu gato passeando tranquilamente por entre os 50 mil livros de sua biblioteca. O animal, embora cercado por uma vastidão de conhecimento humano, não tinha a menor ideia do valor ou do conteúdo daqueles volumes. Diante da Inteligência Artificial, nós — humanos do século XXI — nos assemelhamos assustadoramente a esse gato. Temos ao nosso dispor trilhões de conexões possíveis, bibliotecas infinitas, máquinas que aprendem e sintetizam dados em segundos, e ainda assim, muitos de nós estamos perguntando a essas ferramentas apenas receitas de bolo ou gerando frases engraçadinhas para redes sociais.
2. Três formas de uso e os modelos gratuitos
A IA hoje se estrutura sobre arquiteturas com trilhões de parâmetros — como os modelos GPT-3.5 (175 bilhões de parâmetros), LLaMA 3 70B (70 bilhões), Claude, Gemma 2 27B (27 bilhões) Mixtral 8x7B (56 bilhões totais) etc – disponíveis inclusive em versões gratuitas ou software aberto. O que falta não é acesso, mas propósito.
Existem, essencialmente, três formas de se utilizar uma IA para gerar soluções e conhecimento: a primeira é o uso direto via chat, em que o usuário conversa com o modelo em linguagem natural. A segunda é o uso com RAG (Retrieval-Augmented Generation), que alimenta o modelo com documentos específicos, permitindo respostas contextualizadas. E a terceira, mais complexa, é a utilização de agentes de IA, capazes de pesquisar em múltiplas fontes, tomar decisões intermediárias e compor respostas multifacetadas — são investigadores digitais.
3. A IA como etapa da automação capitalista
O uso produtivo da IA é, em essência, uma etapa avançada da transferência do capital variável (trabalho humano) para o capital fixo (máquinas, infraestrutura e tecnologia). Isso acontece desde o tear de Jacquard, inventado em 1804, que utilizava cartões perfurados para automatizar padrões em tecidos — uma das primeiras formas de programação mecânica. O capitalismo, desde então, vive de reduzir o custo do trabalho humano substituindo-o por máquinas que operam mais rápido, mais barato e sem descanso. A IA, neste sentido, é a digitalização desse processo, onde o cérebro humano começa a ser substituído não apenas na força, mas também na forma de pensar e resolver problemas.
4. Do Memex ao infinito das ideias
Muito antes da internet e dos grandes modelos de linguagem, Vannevar Bush, conselheiro científico do presidente Roosevelt durante a Segunda Guerra Mundial, já se preocupava com o excesso de informação. Em 1945, ele propôs o Memex, uma máquina imaginária que conectaria informações em trilhas associativas — um precursor teórico da web e da IA atual. Bush temia que o conhecimento acumulado durante a guerra se perdesse no esquecimento. Hoje, com a IA, não apenas temos como preservar esse conhecimento, mas também multiplicá-lo indefinidamente. Um único documento pode servir de base para descobrir milhares de outros, conectar ideias distantes e propor soluções nunca imaginadas por Vannevar Bush.
5. Usar a IA para problemas reais
Não cabe mais à sociedade contemporânea continuar com lamentos, trocadilhos vazios ou piadas ultrapassadas sobre robôs que “vão roubar nossos empregos”. O que se espera, e se exige, é que cada um de nós comece a levar à inteligência artificial os problemas reais que enfrentamos — da produtividade à saúde mental, da educação à sustentabilidade. A IA não é um oráculo, nem um brinquedo: é uma ferramenta de trabalho, um motor de descoberta, uma ponte entre a ignorância e o saber.
6. A banalidade do uso ou a grandeza do propósito?
Se a IA nos iguala ao gato de Umberto Eco, isso não se dá por sua culpa, mas pela nossa incapacidade — ou preguiça — de fazer as perguntas certas. A diferença entre um sistema genial e um sistema fútil está no tipo de demanda que fazemos a ele. Se usamos um supercomputador para compor frases de bom dia ou gerar figurinhas engraçadas, estamos, de fato, passeando entre 50 mil livros sem abrir nenhum. O potencial está ali, mas permanece intocado, subutilizado, ignorado.
7. Democratização do saber e da criação
Por outro lado, nunca houve um momento tão propício à democratização do saber. Com a IA, qualquer pessoa com acesso à internet pode aprender programação, entender filosofia, compor músicas, elaborar relatórios técnicos ou resolver problemas jurídicos complexos. A exclusão digital, claro, ainda é um problema, mas o que está ao alcance já é revolucionário. Saber usar essas ferramentas de modo crítico, ético e produtivo pode se tornar o grande divisor de águas da próxima geração.
8. O próximo passo é nosso
Não há volta. A inteligência artificial já é parte da engrenagem produtiva, cognitiva e cultural do nosso tempo. Como no tear de Jacquard ou no Memex de Vannevar Bush, o futuro sempre pertenceu àqueles que souberam usar as máquinas para expandir seus próprios limites. Agora, com a IA à nossa frente, a questão não é mais o que ela pode fazer. A verdadeira pergunta é: o que vamos fazer com ela? E talvez seja hora de, ao contrário do gato de Umberto Eco, abrirmos os livros — ou os prompts — e começarmos a ler, perguntar e criar.
* Luiz Carlos Silva Eiras é jornalista.
Texto escrito em parceria com o GPT-4-turbo, estimado em até 1 trilhão de parâmetros.