
Vaticano comemora chegada de Leão XIV e Lúcifer esperneia - créditos: IA divulgação
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12-05-2025 às 09h09
Autor, Caio Brandão(*)
Madame Lisiê Lacroix deixou o restaurante Le Petit Cler, na rua de mesmo nome, em Paris, por volta das 22 horas. Havia libado um pichet de vin blanc, um jarro de vinho branco, da casa, despretensioso, mas sorvido em goles generosos e entremeados de pequenas porções de duck confit, prato tradicional na França, feito com perna de pato confitada e servida com batatas e legumes.
Na Rue Cler, Madame Lisiê, eufórica, apreciava o estilo tipicamente parisiense da arquitetura do lugar, que mistura edifícios comerciais e residenciais de vários períodos, mas que se integram em harmonia, com o glamour do 7ème arrondissement da Cidade Luz.
No semblante, Madame encobria os sinais de idade avançada com expressão de triunfo, mercê do seu desempenho à mesa de negociações preparatórias do Primeiro Concílio Satanista do Segundo Milênio, a contar do episódio de famosa crucificação ocorrida no Império Romano.
Na bolsa ela apalpava um brinquedo erótico, enrolado em tela comprada na Toile de Mayenne, loja famosa pelos belos tecidos franceses que oferece, enquanto acelerava o passo para, em casa, na Rue de Grenelle, paralela à Rue Cler e notória por suas lojas de antiguidades, se entreter com sua diversão predileta, banhada em óleos essenciais, em meio ao delírio vocal e gutural, de mantras sinistros e de origem desconhecida.
O Concílio Satanista, que aconteceu em sua primeira fase, preparatória de grandes mudanças, foi penoso e levou Madame Lacroix à exaustão. As delegações orientais deram muito trabalho.
Os budistas dissidentes exaltavam a figura de Mara, entidade que representa a forças que obstruem a iluminação e a libertação do sofrimento.
Os hinduístas incensavam Ravana, um demônio do Ramayana, representante do mal e da desordem. Os islamitas brandiam reverências a Shaytan, criatura feita de fogo, que desvia os humanos dos caminhos de Deus. A delegação judaica não escondia reservas no tocante a satanás, “o acusador”, figura independente e maligna, mas pela mesma reverenciada mediante rituais milenares.
A delegação brasileira, que compareceu, sem ser convidada, composta por entidades lideradas pelo Exu Caveira, fazia coro no ponto cantado de Pai Joaquim de Angola, dissidente de malevolências agressivas, mas cediço em questões punitivas.
As delegações da Europa, África, e das Américas ficaram para a segunda fase preparatória, mediante pauta previamente elaborada, para facilitar o entendimento com as diversas tendências, várias delas praticantes de rituais satânicos tradicionais e cristalizados ao longo de inúmeras gerações.
A reunião preparatória da elaboração de pauta para o Grande Concílio Satânico ocorreu, segundo explanação de Madame Lacroix, em face da eleição do novo Papa, agora chamado Leão XIV, que surge como pastor renovado da igreja católica e capaz de minorar o caos em que se encontra o planeta, agora agravado – para a euforia das delegações – com as ambições de poder do presidente Trump e da contribuição de seu garoto prodígio oriundo da África do Sul.
O Concílio foi inspirado por Lúcifer, insatisfeito com a propaganda negativa contra ele construída pela igreja católica ao longo de dois milênios, tendo-o retratado na figura de um bode preto e nauseabundo, dentre outras figurações hediondas.
Madame Lisiê, publicitária laureada e de inspiração na tradicional École Supérieure de Publicité, fundada em 1927, tem a confiança de Lúcifer, com quem joga xadrez, eventualmente, auxiliada por aplicativo de IA, mormente nas sextas-feiras da Paixão, ocasião em que, segundo ela, distrai e fragiliza a prática das táticas e estratégias do anjo caído, principalmente nas jogadas de garfo, cravação e espeto.
Na sala um espelho negro, enorme, feito de obsidiana, um tipo de vidro vulcânico natural, que se forma quando a lava félsica resfria rapidamente, impedindo a formação de cristais. O espelho é preto e brilhante, com moldura em faia trabalhada, ostentando serpentes esculpidas com notável e esmerado talento.
Lúcifer não se materializa, mas se faz presente mediante canalização mental de sua discípula, postada ereta diante do espelho negro e em discreta levitação, em meio a inspiração e expiração entremeadas de suaves contrações do diafragma, com soluços espasmódicos.
Lúcifer tem estado desgostoso com o desempenho das falanges e os níveis de produtividade dos agentes infernais. Segundo ele, os humanos têm se esmerado em malvadezas e perversidades, à revelia de sua equipe de batedores e de integrantes da tropa de choque das profundezas.
Ainda que o destino final desses humanos seja o nicho infernal, as falanges encontram-se desmotivadas, em face do livre-arbítrio das criaturas estar por demais livre, leve e solto, verdadeiramente exacerbado e avançando além da inspiração motivadora dos auxiliares de Lúcifer, nos encargos que lhes são próprios.
Madame Lisiê trouxe novidades. O Concílio, aprovou a tese de que a figura do bode preto e malcheiroso não mais impressiona, porque perdeu credibilidade.
A mudança trará uma nova figura demoníaca, representada por homem de meia idade, de cabelos grisalhos, de altura acima da média e de compleição física robusta, sem ser atlética. Ele terá traços fisionômicos de origem europeia, postura ereta, rosto no estilo losango – com as maçãs proeminentes – e olhos castanhos, ligeiramente amendoados e com expressão penetrante. Os cabelos serão também castanhos, com pequena calvície, para aparentar idade, personalidade e status social. Sua voz será próxima à de um tenor lírico, expressiva e melodiosa, com timbre claro e agradável.
O novo Lúcifer será elegante, bem vestido e fará uso de fragrância Bleu de Chanel,” colônia clássica, versátil e elegante, com notas cítricas, amadeiradas e com leve toque de incenso”. Usará sapatos da marca John Lobb, ingleses, modelo Oxfords, feitos sob medida e adotará gravatas Hermès, de seda e de alta qualidade, como forma de sinalizar tradição e status de poder.
Lúcifer renovado, poliglota e carismático, terá presença incomum e se chamará Robert Francisco. Robert, nome de origem germânica, derivado de Hrodebert é composto de duas partes: Hruod significa fama e glória, e Berhto significa brilhante e famoso.
Quanto a Francisco, apenas uma escorregadela de Madame Lisiê, um bairrismo, alusão àquele que vem da França, destinado a consagrar a elegância e o fino trato do novo Lúcifer em sua renovada trajetória de conquistas e expansão de domínios.
Robert Francisco terá lançamento mundial de sua figura carismática, empresarial e bem sucedida, mas também voltada para o mundo místico e de pregação da nova fé universal, calcada na satisfação pessoal, no enriquecimento, no apego aos bens materiais, na sensualidade estampada e sem restrições, mediante concessões de libidinagem, luxúria, erotismo exacerbado, hipersexualidade e volúpia intensa e desmedida.
Tudo isto, entretanto, posto à mesa de forma subliminar, educada e gentil, também permeada por demonstrações do poder curativo de Francisco, inclusive com a aspersão de bençãos milagrosas capazes de estimular o êxtase na conquista de corações e mentes.
Robert terá vários nomes e apelidos mundo afora. Influenciará regimes políticos, atentados, guerras e revoluções. Dominará os lançamentos de moda, designs e fabricação de automóveis, levará o homem a recônditos do espaço sideral e trará euforia às pessoas, com a inserção de novas e poderosas drogas alucinógenas desenvolvidas no continente asiático.
Francisco também será inovador na produção de armamento bélico e no desenvolvimento de novas e sinistras cepas de elementos noviços e mortais, mas também incentivará a produção de novos medicamentos e vacinas, com notável enriquecimento da indústria farmacêutica. Robert será liberal no tocante ao meio ambiente e a experimentos exóticos com animais e plantas.
Remédios serão liberados sem restrições e armas serão vendidas em lojas de departamentos, inclusive as de alto poder ofensivo.
Robert Francisco será visionário e empreendedor. Jornadas de trabalho serão liberadas, mas com remuneração compatível. Ele será onipresente na comunicação visual, tanto através de canais abertos de televisão, quanto pelas redes sociais, que maciçamente trarão a sua estampa e o seu discurso sedutor e envolvente.
Robert Francisco, empresário, político, pastor de almas e milagreiro, irá muito além do espelho negro de Madame Lisiê, caminhando rumo ao confronto final do Armagedon, descrito no livro de Apocalipse, simbologia que não descreve exatamente uma batalha militar literal, mas simboliza confronto final e decisivo entre as forças do bem e do mal, lideradas por Deus e Satanás, respectivamente.
No mais, prefiro seguir os conselhos do Poeta e Trovador Paulo Emílio Pinto, que dizia:
“Bebamos, amor, nós dois, enquanto há vinho na taça. Depois, o que importa o depois, se a vida é o instante que passa?”
(*) Caio Brandão é jornalista