
Art. 21 da CF/88... Coordenar o sistema único de segurança pública e defesa social. CRÉDITOS: Divulgação
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05-05-2025 às 09h24
Amauri Meireles*
A população brasileira sofre, cada vez mais, com o aumento assustador da violência explícita dos chamados crimes comuns (dentre eles, o furto e roubo de telefones celulares, de veículos, de cargas; latrocínios; assalto a prédios e residências; sequestros relâmpagos ou continuados; estupros), quase sempre praticados por um ou dois indivíduos. De outro lado, ainda que a população não constate ou não se ressinta, cresce uma silenciosa, insidiosa, significativa violência sinistra: a do crime organizado, nacional e transnacional, administrado por organizações criminosas (orcrim).
O Estado, na qualidade de provedor da proteção da sociedade, tem a obrigação de adotar procedimentos que impeçam, reduzam, restrinjam, mitiguem qualquer tipo de violência.
Quero crer, otimistamente, que, em razão disso, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) apresentou ao Congresso uma proposta para conter a aceleração da espiral da violência, documento que passou a ter a fantasiosa, a utópica denominação de “PEC da Segurança”.
Isso porque a moção de algumas poucas medidas para frear a criminalidade – que é uma parte da “segurança” (há outras ameaças à sociedade, além dela) – não aborda o enfrentamento e a correção de fatores geradores de violência, visto que contempla sugestões para (presumíveis e discutíveis) melhorias na atividade policial.
Um erro crasso, visto que a violência é menos um problema policial que uma grave e complexa vulnerabilidade sociopolítica! No caso, é importante lembrar que Polícia é uma atividade, desenvolvida por determinadas instituições estatais, que fazem o provimento da proteção da sociedade, mantendo a Ordem mediante específico exercício do Poder e da Força de Polícia.
Ou seja, esses órgãos não existem para fazer, apenas, a contenção criminal (no popular, correr atrás de ladrão ou prender bandido), mas, sim, para impedir ou mitigar qualquer tipo de ameaça à preservação da vida e/ou à perpetuação da espécie. Também, é muito importante entender que as Polícias não atuam nas causas e, qualquer iniciativa, tida ou dita como abrangente, para contenção da criminalidade, que não contemple ações prioritárias em sua origem, tende a constituir-se em mero paliativo.
Pressupondo que, por hipótese, a intenção era sugerir medidas com repercussão, tão somente, nessa inquietante e angustiante ameaça-crime, constata-se que essa PEC (não mais da abrangente segurança pública, mas da restritiva contenção da criminalidade) é insuficiente, inadequada e inconsequente.
Insuficiente porque deixa de abordar temas extremamente importantes, nessa caminhada em busca do utópico ambiente de segurança. É de se reconhecer, porém, que essa PEC aborda um ponto muito interessante: a urgente necessidade de haver “coordenação” em atividades policiais nos três níveis e, ainda, nas interações, quando de trabalhos conjuntos de órgãos policiais de dois ou três níveis.
Em razão de ela estar na CCJ da Câmara dos Deputados, inadequações deverão ser identificadas quando do exame de sua admissibilidade. Uma delas é a inclusão – no Art. 21 da CF/88, que trata da competência da União – de dois incisos:
XXVII – estabelecer a política e o plano nacional de segurança pública e defesa social …; XXVIII – coordenar o sistema único de segurança pública e defesa social e …;
Mas, em seguida, apresenta o “Parágrafo único. As competências da União de que tratam os incisos XXVII e XXVIII do caput não excluem as competências comuns e concorrentes dos demais entes federativos relativas à segurança pública e à defesa social …”.
É a velha e conhecida estratégia do “morde e assopra”. Entretanto, a mordida fica e é nela que se deve concentrar!
Outra questão que deverá ser suscitada, é a inclusão – no Art. 22, que trata da competência privativa da União para legislar sobre… – do inciso “XXXI – normas gerais de segurança pública, defesa social e sistema penitenciário”.
Manieta totalmente os Estados e os municípios, visto que é proposta a inclusão do inciso XXXI no artigo que trata da “competência privativa da União”.
Seria oportuno que o MJSP explicasse seu entendimento sobre a conceituação das expressões utilizadas.
Afinal, o que é segurança pública? O que é defesa social? O que é sistema penitenciário?
Aliás, sobre esse último, seria o conjunto de órgãos elencados no Art. 61 da Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210 de 11 de julho de 1984)? Se o for, o inciso proposto evidencia uma grave ingerência no Judiciário, no Ministério Público e na Defensoria Pública!
Embora esteja sendo dito correntemente que o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) é projetado à semelhança do Sistema Único de Saúde (SUS), do Sistema Nacional de Educação (SNE), causa estranheza a sugestão de inciso em artigo constitucional que não contempla prescrições sobre Saúde e Educação.
Com a proposta de se incluir no Art. 24 – que estabelece: “Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: …” – o inciso “XVII – segurança pública e defesa social”, além da surpresa – caiu de paraquedas? – fica uma indefinição: afinal, legislar sobre “normas gerais de segurança pública, defesa social e sistema penitenciário” (sic), é atribuição originária, privativa, comum ou concorrente?
O Título III, Capítulo III – Dos Entes Federados – da CF, nada fala sobre “segurança pública e defesa social” (sic).
O Capítulo IV – Dos Municípios – Art. 30, também nada fala.
As inconsequências deverão aflorar e repercutir, quando do exame do mérito por comissão especial, a ser criada na Câmara dos Deputados.
Por ora, querem subir em uma bolsai-shito para alcançar o topo de uma falésia.
*Coronel Veterano da PMMG; foi Comandante da Região Metropolitana de BH; foi Comandante do 14º BPM, em Ipatinga, MG; membro da Academia de Letras; cap. Médico João Guimarães Rosa; membro do Instituto Brasileiro se Segurança Pública.