
Cardeais que vão participar do Conclave para escolha do novo Papa - créditos: Foto - Agência Eclesiástica do Vaticano
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03-05-2025 ÀS 09h09
J.D. Vital (*)
Se na eleição do Romano Pontífice for perpetrado o crime de simonia – “que Deus nos livre disso” – todos aqueles que estiverem envolvidos no caso, cardeais ou outras pessoas, serão declarados culpados e excomungados em “latae sententiae”.
É o que determina a Constituição Apostólica ”Universi Dominici Gregis”, em vigor para a sucessão do Papa Francisco e publicada em 22 de fevereiro de 1996, festa da Cátedra de São Pedro, pelo Papa João Paulo II. Então, em seu 18º ano de pontificado, o Santo Padre atualizou e estabeleceu novas regras para a eleição do bispo de Roma, na vacância da Sé Apostólica.
Estão sujeitos a elas todos os cardeais participantes do conclave que, marcado para começar em 7 de maio, elegerá o sucessor do argentino Francisco, o 267º papa da Igreja Católica. Os transgressores correm o risco de excomunhão.
Simonia, segundo o dicionário Aurélio, é o “tráfico de coisas sagradas ou espirituais, tais como sacramentos, dignidades e benefícios eclesiásticos”. A palavra deriva de Simão, o Mago, citado no livro “Atos dos Apóstolos” como praticante de feitiçaria na cidade de Samaria. Sedutor, ele impressionava o povo com truques e ilusionismo.
Simão ofereceu dinheiro aos apóstolos em troca do poder de conceder o Espírito Santo com a imposição das mãos. Pedro, o “Pescador” e primeiro papa, repreendeu-o e o amaldiçoou por tentar comprar o dom de Deus.
A excomunhão “latae sententiae” exclui, automaticamente, o réu do delito da comunhão da Igreja. Os efeitos da pena estão descritos no cânon 1331 do Código do Direito Canônico. O excomungado fica proibido de participar da missa; de celebrar ou receber sacramentos; de exercer cargos eclesiásticos e se os desempenhar, os atos tornam-se inválidos. Somente o papa pode reverter a pena desse tipo de excomunhão.
Você pode até estranhar, mas, o rigor de João Paulo II na condenação a interferências externas no conclave tem razões históricas. No conclave de 1903, ocorreu o último exercício legal do direito de veto. Um escândalo que abalou o dossel de Bernini erguido sobre o túmulo de Pedro, na Basílica papal em Roma.
Após 25 anos no trono petrino, morreu aos 93 anos de idade o papa Leão XIII, autor da progressista encíclica “Rerum Novarum”, a primeira com preocupações sociais e trabalhistas no início da industrialização mundial. Contrário à escravidão no Brasil, segundo o abolicionista Joaquim Nabuco, o pontífice nomeou em 1890, dois anos após a abolição, Dom Silvério Gomes Pimenta como bispo de Mariana, o primeiro prelado negro das Américas.
Na liderança dos escrutínios, o cardeal italiano Mariano Rampolla del Tindaro, secretário de Estado do Vaticano, foi impedido de ganhar a tiara papal. O imperador da Áustria e rei da Hungria Francisco José, valendo-se de um direito legal, intimou o cardeal Jan Maurycy Pawel Puzyna de Kosielsko, príncipe-bispo da Cracóvia, a impor o veto de exclusão ao nome de Rampolla, fortemente apoiado pelos cardeais franceses, mas indesejado pelos austríacos por questões políticas relativas aos Balcãs.
Por sorte, obra e graça do Espírito Santo, saiu eleito o cardeal Giuseppe Merchiorre Sarto, o São Pio X, filho de camponeses. Em 20 de janeiro de 1904, seis meses após empossado, o ex-patriarca de Veneza aboliu o “obsoleto direito das grandes monarquias católicas de se pronunciarem contra os candidatos que não lhe agradavam”, segundo reportagem de Andrea Tornielli, publicada pelo site do Vaticano em 4 de agosto de 2023. Ele castigou com a pena da excomunhão a quem se aventurasse a interferir no resultado do conclave.
Ranços do passado? Para minha surpresa, dias atrás, uma vizinha de condomínio disse-me, em e-mail, ter ouvido que o presidente americano Donald Trump “já está há tempos costurando nomes de seu interesse”.
No capítulo VI, intitulado “aquilo que deve ser observado ou evitado na eleição do Sumo Pontífice”, o documento papal proíbe, dramaticamente e sem meias palavras, quaisquer negociações e promessas de voto, conchavos e barganhas, antes ou depois da morte do papa reinante.

Foto: Vatican News
O parágrafo 80 confirma as prescrições de papas anteriores, “com o objetivo de excluir toda e qualquer intervenção externa” no conclave. O papa polonês, que assina como “Bispo servo dos servos de Deus”, decreta a pena de excomunhão para quem infringir as normas.
Textualmente: “Proíbo a todos e a cada um dos cardeais eleitores, presentes e futuros, bem como ao Secretário do Colégio dos Cardeais e a todos os demais participantes na preparação e na concretização daquilo que é necessário para a eleição, receber, seja sob que pretexto for, de qualquer autoridade civil o encargo e propor o veto ou a chamada exclusiva, mesmo sob a forma de simples desejo, ou então de o manifestar quer no seio do colégio dos eleitores reunido todo junto, quer aos eleitores individualmente, por escrito ou de viva voz, direta e imediatamente ou indiretamente e por meio de outros, seja antes do início da eleição seja durante o desenrolar da mesma”.
Sabe-se que os dispositivos da Constituição Apostólica já foram lidos pelo cardeal camerlengo Kevin Farrel durante sessão das reuniões preparatórias denominadas de congregações gerais, já em andamento no Vaticano. Os cardeais juraram obedecer, fielmente, “o que deve ser observado ou evitado na eleição do Sumo Pontífice”. Uma das exigências é manter sigilo absoluto sobre o que for discutido durante o conclave realizado na Capela Sistina. É permitido conversar, trocar ideias, informar-se sobre os candidatos. Cambalachos, não.
No parágrafo 83, o agora São João Paulo II, canonizado por Francisco, exorta, “vivamente” os cardeais eleitores a que, ao elegerem o Pontífice, não se deixem guiar por simpatia ou aversão, nem influenciar por favores ou pessoal amizade de alguém, nem impelir pela ingerência de autoridades ou de grupos de pressão, nem pela sugestão dos meios de comunicação social, por violência, por medo ou pela busca de popularidade”.
Os eleitores, afirma o autor do documento, devem ter “em vista unicamente a glória de Deus e o bem da Igreja”. Que depois de implorarem “o auxílio divino”, os cardeais “deem o seu voto a aquele, mesmo fora do Colégio Cardinalício, que retiverem idôneo, mais do que os outros, para reger, com fruto e utilidade, a Igreja universal”.
João Paulo II pede, ainda, a quem for eleito que não recuse o cargo, por “temer o seu peso”. O escolhido deve submeter-se, “humildemente, ao desígnio da vontade divina”, confiante de que quando Deus impõe um ônus a um escolhido, “também o ampara com a sua mão, para que não se sinta impotente para o carregar”.
O futuro papa já transita pelas alamedas de Roma, deixando-se fotografar, provavelmente, pelos turistas que visitam a Basílica de São Pedro. Dos 135 cardeais eleitores, todos menores de 80 anos, conforme a legislação pontifícia, sabe-se que pelo menos dois decidiram não comparecer à Capela Sistina, por motivos de saúde.
Os cardeais Antonio Cañizares Llovera, arcebispo emérito de Valencia, na Espanha, e Vinko Puljic, arcebispo emérito de Sarajevo, na Bósnia e Herzegovina, ambos com 79 anos de idade, vão desfalcar a bancada conservadora. Esse grupo é liderado pelo americano Raymond Burke, prefeito emérito do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica, e por Robert Sarah, de Gana, prefeito emérito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos.
Burke e Sarah rebelaram-se contra algumas decisões tomadas pelo Papa Francisco, como o acolhimento de gays, bênção aos casais do mesmo sexo, comunhão a divorciados e outras medidas liberalizantes.
Durante seu pontificado, com duração de 12 anos, Francisco nomeou cerca de 80 por cento dos cardeais eleitores, totalizando 108 purpurados criados à sua imagem e semelhança, prontos, teoricamente, a dar continuidade ao legado progressista do primeiro papa da América Latina.
A fumaça branca anunciará o novo Romano Pontífice, sacramentado por dois terços dos votos, isto é, 88 sufrágios, sem pressões nem conchavos, como ordena a Constituição Apostólica baixada por São João Paulo II.
(*) J. D. Vital é jornalista e escritor, Membro da Academia Mineira de Letras