
A crise não vem da falta de talento — vem do excesso de ganância. CRÉDITOS: Divulgação
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25-04-2025 às 14h00
Claudio Siqueira*
O Brasil não quebra por pobreza — sobrevive apesar dela. Na quebrada da periferia, o que falta em verba sobra em invenção. É ali que nasce a economia real, de gente que faz feira com troco, costura futuro com linha torta e inventa renda onde o Estado só deixou ausência. Enquanto o agronegócio bate recorde de exportação de ovos — puxado pela demanda dos Estados Unidos, que triplicaram as compras em 2024 — o brasileiro corta proteína do prato. Não por falta de produção, mas porque o lucro voa de avião. O agro é celebridade na mídia, mas vive de subsídio estatal, isenção fiscal e benevolência cambial. Um parasita bem alimentado pelo erário, que joga fora o alimento e exibe a embalagem.
Do outro lado do hemisfério, os EUA assistem à sua própria implosão. Terceirizaram a indústria, financiam a economia, trocaram a fábrica pelo cartão de crédito. Agora vivem de serviço e dívida. As bases ruíram, e o castelo de papel moeda balança. A crise não vem da falta de talento — vem do excesso de ganância. Quem vive de bolha, uma hora estoura.
Aqui, o brasileiro segue esmagado por juros que impedem o fiado, e por salários mínimos que não compram nem o básico. A taxa Selic empurra o microempreendedor pro abismo, engorda o rentismo e esvazia a quitanda. Congelar salário mínimo não é ajuste — é sentença. O trabalhador pobre move a economia com o pouco que gasta, enquanto o topo estoca e especula. Reforma verdadeira começa com fim dos penduricalhos dos tribunais, das pensões vitalícias dos quartéis, dos privilégios legislativos. Austeridade seletiva é farsa: só atinge quem mais precisa.
Mas onde o mercado não chega, o povo inventa. Economia criativa, solidária, circular — nomes sofisticados para práticas ancestrais que nunca deixaram de existir nas periferias. Desde os mutirões de autoconstrução até os coletivos de costura, da feira do rolo ao banco comunitário. A favela sempre foi laboratório de futuro, onde o capital é a confiança, a moeda é o tempo, e o lucro é o afeto compartilhado.
Segundo o Ipea e a Rede de Pesquisadores de Economia Solidária, esses arranjos já movimentam bilhões de reais por ano e sustentam milhares de famílias, mesmo sem manchete.
O Brasil não é um país pobre. É um país saqueado. Entre os escombros da política e a farra dos cifrões, brotam caminhos. A panela, quando coletiva, alimenta. E o povo, quando escutado, transforma.
*Claudio Siqueira é jornalista