
Que possamos, juntos, construir um futuro em que a diversidade seja valorizada. CRÉDITOS: Reprodução
Getting your Trinity Audio player ready...
|
25-04-2025 às 09h24
Raphael Silva Rodrigues*
O 22 de abril, data que marca a chegada dos portugueses ao território que viria a ser o Brasil, frequentemente evoca a imagem de um “descobrimento”. No entanto, essa narrativa cristalizada em livros escolares e celebrações oficiais merece um olhar crítico e descolonizado, que questione a validade de um termo que carrega em si o peso de um eurocentrismo persistente.
A comemoração do “descobrimento” me remete a uma conversa memorável com minha amada Alejandra Molina (ou para mim, simplesmente ‘Ale’), cuja visão crítica aguçada sempre me inspiram. Alejandra, brilhante advogada, docente da Universidad Colegio Mayor de Cundinamarca e sócia fundadora da Molina & García Asociados S.A.S, durante um diálogo sobre o processo de colonização da Colômbia, alertou-me sobre a impropriedade do termo “descobrimento” para descrever a chegada dos europeus à América Latina. A sua observação, precisa e contundente, ecoa um questionamento fundamental: como se pode “descobrir” uma terra já habitada, rica em culturas milenares e organizada socialmente?
A utilização do termo “descobrimento” implica uma visão de mundo que coloca a Europa como o centro do universo, o ponto de referência a partir do qual se avalia e se compreende o resto do mundo. Essa perspectiva eurocêntrica ignora a existência e a importância das populações nativas que aqui viviam muito antes da chegada dos europeus. Ao invés de “descobrir”, os europeus invadiram, conquistaram, exploraram e impuseram sua cultura e seus valores, apagando, muitas vezes, a história e a identidade dos povos originários.
A narrativa do “descobrimento” perpetua uma visão romantizada da colonização, omitindo ou minimizando a violência, a exploração e a destruição que marcaram esse período. A escravidão de africanos, o genocídio de indígenas, a pilhagem de recursos naturais e a imposição de um sistema político e econômico que beneficiava apenas a metrópole portuguesa são aspectos cruciais que devem ser considerados ao se analisar o 22 de abril.
É fundamental que a celebração do 22 de abril seja acompanhada de uma reflexão crítica sobre o passado colonial do Brasil. É preciso reconhecer a contribuição das populações indígenas e africanas na formação da identidade nacional, valorizar suas culturas e tradições, e combater o racismo e a discriminação que ainda persistem em nossa sociedade.
A revisão da narrativa do “descobrimento” é um passo importante para a construção de uma história mais justa e inclusiva, que reconheça a diversidade e a complexidade da sociedade brasileira. É preciso abandonar a visão eurocêntrica e abraçar uma perspectiva multicultural, que valorize a contribuição de todos os povos que formaram o Brasil.
Ao invés de celebrar o “descobrimento”, devemos refletir sobre as consequências da colonização e reafirmar o nosso compromisso com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. O 22 de abril não deve ser um dia de celebração, mas sim um momento de reflexão e de compromisso com a construção de um futuro mais justo e inclusivo para todos os brasileiros.
A desconstrução da narrativa do “descobrimento” passa, inevitavelmente, pela valorização da história e da cultura dos povos originários. É preciso reconhecer que o Brasil já existia antes da chegada dos portugueses, com suas próprias línguas, costumes, organizações sociais e conhecimentos. A história do Brasil não começa em 1500, mas sim milhares de anos antes, com a chegada dos primeiros habitantes do continente americano.
Ao recontar a história do Brasil, é fundamental dar voz aos indígenas, quilombolas e outros grupos marginalizados, que foram silenciados ou invisibilizados pela historiografia tradicional. É preciso conhecer suas histórias, suas lutas, suas resistências e suas contribuições para a formação da identidade nacional.
A educação desempenha um papel fundamental nesse processo de descolonização do pensamento. É preciso revisar os currículos escolares, questionar os livros didáticos e promover debates sobre a história do Brasil a partir de uma perspectiva crítica e multicultural. É preciso ensinar às crianças e aos jovens que a história do Brasil não é apenas a história dos europeus, mas sim a história de todos os povos que formaram o país.
A comemoração do 22 de abril deve ser uma oportunidade para refletir sobre o passado colonial do Brasil e reafirmar o nosso compromisso com a construção de um futuro mais justo e igualitário. É preciso abandonar a visão eurocêntrica e abraçar uma perspectiva multicultural, que valorize a contribuição de todos os povos que formaram o Brasil.
Em vez de celebrar o “descobrimento”, devemos celebrar a diversidade, a resistência e a riqueza cultural do povo brasileiro. Devemos honrar a memória dos povos originários e africanos que lutaram contra a opressão e a exploração, e reafirmar o nosso compromisso com a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva para todos.
Dessa forma, o 22 de abril não deve ser visto como um dia de festa, mas sim como um dia de reflexão, de memória e de luta por um futuro mais justo e igualitário. É um dia para questionar a narrativa oficial, para dar voz aos silenciados e para reafirmar o nosso compromisso com a construção de um Brasil mais justo e inclusivo para todos. Que a sabedoria da Ale Molina, que me alertou para a impropriedade do termo “descobrimento”, continue a nos inspirar na busca por uma história mais justa e verdadeira. Que possamos, juntos, construir um futuro em que a diversidade seja valorizada, a justiça seja priorizada e a memória dos povos originários seja honrada.
O desafio é, portanto, transformar o 22 de abril em um marco de reflexão profunda sobre nossa identidade e responsabilidade histórica, pavimentando o caminho para um futuro em que a justiça social e o reconhecimento da pluralidade cultural sejam os pilares de uma nação verdadeiramente democrática. A crítica ao eurocentrismo, impulsionada por reflexões como as que compartilho com a minha Ale, é o motor dessa transformação.
* Raphael Silva Rodrigues: Doutor e Mestre em Direito (UFMG), com pesquisa Pós-doutoral pela Universitat de Barcelona, na Espanha. Especialista em Direito Tributário e Financeiro (PUC/MG). Professor do PPGA/Unihorizontes. Professor de cursos de Graduação e de Especialização (Unihorizontes e PUC/MG). Advogado e Consultor tributário.