
Turismo náutico na região de Cabo Frio - créditos: Tripadvisor
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17-04-2025 às 14h00
Marcos Aurelio de Arruda*1
Um estudo de caso fictício, construído para fins acadêmicos e de conscientização, revela o que poderia ser uma trágica sucessão de erros envolvendo um passeio náutico irregular, com consequências fatais e desdobramentos jurídicos em múltiplas esferas.
No caso hipotético, uma embarcação de lazer, operando como charter, colide com um obstáculo submerso. O acidente resulta em vazamento de óleo próximo às margens, ferimentos em tripulantes e passageiros e, tragicamente, no afogamento de uma criança de 4 anos — que não utilizava colete salva-vidas, por decisão dos próprios pais.
O cenário, ainda que fictício, reproduz com precisão situações que são passíveis de ocorrer, expondo falhas na fiscalização, na formalização de atividades comerciais e na cultura de segurança embarcada.
O episódio revela como a informalidade no turismo náutico pode representar riscos concretos à vida, ao meio ambiente e à segurança jurídica de todos os envolvidos.
1 O Autor é professor, autor e advogado com mestrado em Direito Marítimo Internacional pela World Maritime University, é presidente da Comissão de Direito Marítimo, Portuário e Pesca da OAB/Cabo Frio, vice-presidente da Comissão de Direito Marítimo e Portuário da OAB/ES, e membro da Associação Brasileira de Direito Marítimo.
1 Informalidade: um problema crônico e multidimensional
No cenário em análise, a embarcação é oferecida a turistas que são hóspedes em um hotel por um funcionário sem qualquer vínculo com uma empresa de turismo náutico regularizada. Os hóspedes se dirigem a uma marina, que permite a saída do barco sem checar se os documentos estão em ordem e se o condutor possui a habilitação adequada para o passeio. Trata-se de uma cadeia de omissões e negligências que, embora hipotética, pode ocorrer em muitas cidades brasileiras.
A informalidade dessas operações gera um vácuo de responsabilidade. Quando não há contratos formais, vínculo empregatício reconhecido ou inscrição da embarcação na Capitania dos Portos, os operadores não se submetem aos padrões de segurança e fiscalização exigidos.
2 Impactos ambientais, cíveis, trabalhistas e criminais
O caso fictício foi construído com base em normas reais, como o Código Civil, a CLT, a Lei de Crimes Ambientais, o Código Penal e a NORMAM-211 da Marinha do Brasil, entre outras.
Um único evento pode desencadear múltiplas responsabilidades jurídicas:
- ambientalmente, o vazamento de óleo configura crime previsto na Lei nº 9.605/98, com multas que podem chegar a R$ 50 milhões;
- civilmente, há responsabilidade objetiva do proprietário da embarcação e dos prestadores de serviço, com possibilidade de indenizações por danos morais, materiais e até pensionamento em virtude de um falecimento, um prejuízo de cerca de R$ 1 milhão;
- trabalhista, o condutor não regularizado pode pleitear vínculo empregatício e verbas rescisórias, elevando os passivos da operação e sujeitando o proprietário da embarcação a multas de até R$ 50.000,00; e
- criminalmente, condutas como homicídio culposo, omissão de socorro e exercício ilegal da profissão são penalmente tipificáveis, podendo levar a penas, que somadas atingem 10 anos de prisão.
3 Importância de formalizar e fiscalizar
Este caso fictício levanta uma questão urgente: é possível crescer em turismo náutico sem perder de vista a legalidade e a segurança? A resposta passa, necessariamente, por três eixos:
- formalização da atividade náutica comercial, com exigência de habilitação profissional específica. O Ministério do Turismo criou o curso de “condutor de turismo náutico” para aquaviários com certificado de profissional especializado em segurança de Embarcações de Passageiros (ESEP). Esse curso tem como objetivo fornecer e aprimorar conhecimentos e técnicas de atendimento aos turistas no ambiente náutico, tendo em vista sua segurança, conforto e satisfação com os serviços prestados;
- atuação proativa das marinas e clubes náuticos, que devem cumprir seu papel de fiscalização documental, conforme previsto nas normas da Autoridade Marítima; e
- consciência do consumidor, que precisa compreender que segurança não é opcional — o uso de coletes salva-vidas e a escolha de operadores regularizados são medidas básicas e inegociáveis.
4 Ficção como espelho da realidade
Casos como esse são úteis para promover reflexão, formular políticas públicas e reforçar práticas de compliance no setor. Tragédias reais podem ser evitadas com educação, regulação eficaz e responsabilidade compartilhada entre o poder público, empresas, trabalhadores e usuários.
O turismo náutico tem potencial econômico extraordinário, mas esse potencial só será alcançado se a atividade seguir o rumo da legalidade. A informalidade, por mais comum que seja, jamais poderá ser aceita como regra.