
O acordo deve girar em torno de retirar, de forma oficial, o dólar do padrão ouro. CRÉDITOS: Reprodução
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11-04-2025 às 09h57
Arthur Nadú Rangel*
Hoje vivemos sob a ditadura do presente, não o presente na forma como lindamente descrito por Santo Agostinho, na forma do “eterno Hoje”, mas sim nas consequências imediatas dos nossos atos, das decisões políticas, dos projetos e dos planos aplicados. Não existe mais a percepção de cenário futuro, a política é tratada como um projeto sempre do pressente, sem qualquer atenção para as consequências de médio e longo prazo.
A questão é que, por mais que os noticiários, os analistas de plantão, os “influencers de geopolítica” e os entusiastas apenas consigam ver os resultados presentes das ações geopolíticas dos Estados e das Organizações, outros analistas, aqueles que não aparecem na mídia, não possuem nomes famosos, mas que atuam diligentemente por baixo dos panos com um objetivo certo e determinado, continuam a não pensar somente o hoje, mas nas consequências futuras para alcançar o resultado de suas ações, dentro de um jogo de aparência e subjetividade que sempre caracteriza as relações internacionais. A impressão que temos é que a análise política e geopolítica passou a ser pautada por valores econômicos, valores que, em forma de cabresto, permitem enxergar apenas o momento, a cenoura a frente do burro, o lucro imediato, e não o cenário geral e suas infinitas complexidades.
O imediatismo dos dias atuais, consequência de um mundo voltado para redes sociais, que para a leitura, o estudo e a “paciência do conceito”, não possui mais espaço, torna qualquer leitura do mundo externo caótica e sem sentido. A guerra da Ucrânia, por exemplo, é vista como uma guerra parada, onde apenas a Ucrânia consegue resultados em ataques de longa distância, porém, ao distanciarmos dos eventos atuais e olharmos os acontecimentos como um todo, observamos que a Rússia vem alcançando seus objetivos de forma sistemática, com uma sequência de vitorias relevante que dá a ela a preferência absoluta em qualquer negociação de paz.
Os analistas, porém, veem a Rússia como uma potência negligente que não busca a paz… Basta perguntar a qualquer jornalista quando esta guerra se iniciou e praticamente todos dirão que foi em 2022, ignorando mais de uma década de conflitos, acordos, perseguições e linhas vermelhas cruzadas que davam certeza a qualquer pensador, que trabalhasse com a prospecção de cenários futuros, de que a guerra era inevitável naquele ponto.
Apesar de existirem infinitos exemplos com questões semelhantes (como o conflito Sérvia x Kosovo ou Israel x Irã), vemos que não aprendemos nada com a história em referência à celebre frase de Talleirand-Périgot “eles nada aprenderam nem esqueceram”, onde os analistas e jornalistas não evoluem em suas opiniões, apenas às repetem assim que se inicia um fato, sem qualquer consideração pelo seu desdobrar histórico e pelos acontecimentos anteriores.
A linha da história existe como infinita para frente e para trás, de forma tão óbvia que não podemos negar a existência dos acontecimentos (no passado) e suas reais consequências (no futuro); cabe sempre uma interpretação “ideológica” dos fatos, mas qualquer interpretação é melhor do que a mera ignorância do passado e do futuro.
Neste momento, onde estamos propensos a grandes acontecimentos históricos, a percepção de futuro se torna a pedra angular de qualquer análise geopolítica. Temos como exemplo a guerra comercial promovida por Donald Trump. Muitos apenas observam estes movimentos como coisas isoladas de uma guerra comercial sem sentido que visa de forma atabalhoada corrigir o déficit fiscal dos EUA, mas ninguém observa que existe um objetivo e um método por trás.
Não estamos aqui para defender tal movimento econômico, mas para demonstrar que existe mais do que uma simples guerra comercial entre países e por isto as decisões geopolíticas devem ser tomadas dentro desta visão.
O Secretário de Tesouro dos EUA, Scott Bessent, observou há alguns dias atrás que “as tarifas são apenas parte de um plano maior de reorientação da política econômica externa dos EUA”, demonstrando a existência de um plano de longo prazo. O projeto maior não é compensar perdas, mas sim quebrar o sistema internacional econômico criado pelos próprios EUA nas últimas décadas, forçando as fábricas, que saíram dos EUA nos últimos 30 anos, em busca de locais com menor custo de produção, a voltarem para os EUA se quiserem ter lucro com o mercado deles. Para isto não basta apenas taxar, deve se criar internamente as condições para que as fábricas produzam nos EUA sem que os preços sejam inviáveis para o consumidor norte-americano. Este plano visa reconstruir a ordem geopolítica externa dos EUA com três novas divisões:
Aliados imediatos – que existem dentro de um sistema de proteção militar e em acordo com as novas diretrizes econômicas dos EUA, com a produção centralizada no país norte-americano (grupo verde);
Países neutros – que adotam uma conduta ambígua, porém sem fazerem parte de forma direta de acordos com os países considerados pelos EUA como inimigos (Grupo amarelo);
Inimigos – países que concorrem de forma direta com a economia dos EUA e com a busca pela centralização da produção nos EUA (Grupo vermelho);
Neste novo sistema, apenas os países do grupo verde teriam acesso a taxas reduzidas e ao mercado em dólar, tendo os demais taxas elevadas e barreiras comerciais para a aquisição de dólares no mercado internacional (em uma espécie de guerra fria comercial). Os EUA sofrem com uma desindustrialização gigantesca (talvez até mesmo comparável à brasileira), o que lhes colocam em vários cenários de desvantagem, tanto em uma guerra de fato, onde a indústria civil é fundamental para os esforços de guerra, quanto no controle dos produtos e do acesso ao consumo. Para reverter isto, o governo Trump decidiu adotar uma estratégia virulenta, além dos modos tradicionais que envolvem subsídios e corte de custos industriais.
O cenário global nos permite estabelecer, em uma prospecção de cenário futuro, a estrutura dos acontecimentos que vão ocorrer em decorrência da atual guerra comercial:
1 – podemos observar um caos tarifário em razão das novas tarifas impostas ao mundo pelos EUA, independentemente de qualquer impacto no mercado de ações e de dólar;
2 – a criação de tarifas recíprocas: os países mais fortes impõem tarifas recíprocas, porém, na visão dos EUA, o mercado dele é insubstituível, tornando qualquer tentativa de fuga de negociação com os EUA inviável;
3 – empurrar todos os países a um novo acordo de Bretton Woods, com o objetivo de estabelecer uma nova ordem econômica global de acordo com a vontade dos EUA, em troca de uma guerra comercial infinita.
Observamos que o objetivo central será manter o dólar como a moeda de reserva global, mesmo no cenário de um mundo multipolar. O acordo deve girar em torno de retirar, de forma oficial, o dólar do padrão ouro, porém mantendo as diretrizes do acordo original de Bretton Woods de 1944.
O objetivo é tornar todos os países que compõem o G7 (tirando a China) Estados vassalos dos EUA que, para terem acesso ao sistema internacional do dólar e a proteção militar dos norte-americanos, teriam que pagar uma taxa, que seria usada para financiar formas de manter a supremacia dos EUA no cenário global.
O novo alinhamento político com os EUA não seria apenas ideológico, mas sim um contrato de substituição da soberania econômica de cada país para que todos atendam a uma nova economia globalizada.
Neste cenário, estamos vendo apenas o início de uma guerra comercial que envolve a criação de um sistema global que visa evitar o fortalecimento do sistema multipolar e dos BRICS+, buscando manter os EUA como centro global, financiado pelos seus próprios Estados vassalos.
* Arthur Nadú Rangel é Professor, Mestre e Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da UFMG. Professor universitário na Faculdade Promove em BH.