
O cotidiano virou “reality”. São distribuídos e compartilhados um número inimaginável de conteúdos e “fake news”. CRÉDITOS: Freepik
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09-04-2025 às 11h05
Daniela Rodrigues Machado Vilela*
Sentimentos e atitudes comuns, nos dias de hoje, são a falta contumaz de orientação, propósito e a dificuldade comunicacional. Sobejam a micronarrativa e o microtexto. Porém, há uma ausência de um contar histórias demorado e bem elaborado, com riqueza de detalhes. A pós-modernidade se caracteriza pelo instantâneo, descontínuo, pobre em complexidade e densidade.
O cidadão sofre com os ataques publicitários de todos os lados. O consumo se faz de modo solitário e fugaz. As redes sociais incentivam o “postar” e “curtir” frenéticos e desprovidos de efetivo conteúdo. Assim, criam-se narrativas resumidas e constantes, uma eterna vitrine. Falta a solidez, vivemos em fragmentos.
A rede social incentiva que a cada 24 horas sejam feitos e refeitos novos “stories” para ensejar produção de conteúdos, banalizam-se informações e, em muitas circunstâncias, há distorção de fatos e ideias, estes são motes do tempo presente.
O caótico e frenético reina em todas as searas da vida. O marketing promete que através do consumo o indivíduo desfrutará de experiências especiais e únicas. Enfim, cada vez mais a preocupação é com o “ter”, já o “ser” alcança lugar inigualável de desprezo. Falta sentido de vida, sobra desinformação e medo. O cotidiano virou “reality”. São distribuídos e compartilhados um número inimaginável de conteúdos e “fake news”. A empatia está em falta e a solidariedade é palavra fora de moda.
A informação nova se torna velha e ultrapassada rápido demais. O tempo encolheu, tudo é instantâneo. O contador de histórias que se ancorava em fatos e argumentos concatenados se esvaiu. Todos se dizem sabedores de tudo, mas não conseguem explicar nada. É tempo de instantaneidade, pouca compreensão e nenhuma profundidade.
A escuta atenta e a fala bem construída com argumentos estão em desuso. O demorar-se em ouvir com atenção uma conversa é coisa do passado. Todos se interrompem e atropelam o tempo todo. Ninguém se ouve. É um frenesi de conteúdos por todos os lados, com likes e informações e, assim, tudo é caótico e escapa. Não há um controle que envolva análise criteriosa.
Os sujeitos, em alguma medida, são manipuláveis pela publicidade, estão envoltos no poder do capital. Como diria Byung-Chul Han, em sua obra “A crise da narração”, estamos cada vez mais desconhecidos de nós mesmos e o poder de dominação para conosco é sutil, invisível e imperceptível. Estão todos atordoados de informações e sofrendo manipulações. Vive-se tempos de uma lógica de dominação supreendentemente inteligente. O ser humano é um brinquedo manipulável nas mãos do sistema do capital.
Acredita o indivíduo que pensa, mas o sistema é que domina o modo de pensar e sentir deste. A dominação no passado era mais evidente. Hoje, mais ardilosa e, por vezes, imperceptível, sofisticou-se.
O contar caso e a sabedoria do conselho foram substituídos pela suposta instantaneidade na resolução de problemas. Não há tempo para o mistério ou dúvida, a discussão de pontos de vista, síntese, conclusão ou mesmo a narração. Tudo se resume a simplificações reducionistas. Não se tem como horizonte mais o revolucionário, quer-se a adequação. A narrativa do futuro é crepuscular, pois todos se satisfazem com a continuidade do caos, já que esta pressupõe a ausência de esforço e isto basta.
Não há pretensão de um começar de novo. A novidade assusta. Almeja-se o continuar, ninguém se lança a transformar. Caracteriza-se o presente como um tempo de continuísmos. A vida se tornou uma eterna resolução de problemas e um lidar permanente com a materialidade do dinheiro. Simplificou-se de modo exacerbado a rica complexidade dos fatos.
A esperança é considerada coisa de gente ultrapassada, a felicidade desejada é a fugaz, instantânea. O sujeito não almeja estar no controle da própria vida, vai sendo levado pelas circunstâncias. Ninguém quer demorar. A máxima é correr e realizar. A narração de fatos na rede social, exemplificativamente, é breve, poucos comentam algo, o que se usa é o famoso “like”, quando muito. Assim, tudo é impermanente e acelerado e o consumo das mercadorias é indicado de modo compulsivo e frenético como remédio para todos os males da vida pós-moderna.
Como diria Byung-Chul Han, a vida se faz enquanto um enorme registro de dados. Assim, se têm as “selfs” e “stories” da rede social. Os indivíduos cedem informações pessoais e são controlados de forma imperceptível por todos os lados: no supermercado, rede social, farmácia, dentre outros. Desta feita, o cotidiano é um ceder permanente da privacidade.
O presente se acelera de modo acentuado na pós-modernidade. Significados, começos e fins são abandonados. A vida é vivida pelo lado externo, poucos valorizam o crescimento pessoal ou a interioridade, tudo deu lugar ao “like”.
O véu do mistério da vida não tem encanto. A realidade está escancarada, descortinada. A subjetividade e a capacidade de compreensão do sujeito estão comprometidas. O mundo é lugar de desalento e desesperança.
A discussão demorada está em desuso, mas os dados desvelados estão na moda. A compreensão, meditação e leitura atenta estão sumidos. O computador calcula e computa e o homem aprende com ele, perdendo assim, sua riqueza interior e subjetividade. Ninguém se arrisca a teorizar, explicar ou buscar a compreensão, o que se faz é jogar as informações ao público e distorcê-las. O pensamento complexo e construído em etapas também está fora da ordem do dia, vive-se a época do instantâneo.
O desafio do tempo presente é um comunicar-se de forma concatenada, com vagar, complexidade e riqueza de detalhes. Narrar dores, traumas e exercer a cura pela fala, desbloquear. A escuta partilhada cria proximidade, confiança, abertura. A conectividade desenfreada isola.
O futuro talvez tenha de ter muito do passado. Povos originários se reuniam ao redor de fogueiras, contavam histórias, dividiam experiências, partilhavam e, assim, criavam sentimento de pertença, coesão social e alteridade. É tempo de pausar e contemplar também. Necessita a pós-modernidade de narrativas comunitárias, o nós. Um olhar sobre si, mas que inclua o outro.
* Daniela Rodrigues Machado Vilela é doutora, mestra e especialista em Direito pela UFMG.
Residente Pós-doutoral pela UFMG / FAPEMIG. Professora convidada no PPGD-UFMG. Diletante na arte da pintura.