
Era só uma boneca. CRÉDITOS: Freepik
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27-03-2025 às 10h10
Aloysio Arruda Dutra*
Os barrancos nas margens do rio Arrudas estavam coloridos com as roupas do povo. Muitas pessoas vieram acompanhar o trabalho de resgate do caminhão tanque e da Belina que caíram da ponte. Era uma manhã fria e cheia de movimento de carros e curiosos.
Lá em cima na ponte arrebentada, o trânsito continua sem grandes alterações. Os peritos, pranchetas na mão, andam de um lado para o outro e cobrem as folhas para evitar a chuva fina. Cada vez mais crescia o número de pessoas que chegam para ver o desastre, colorindo com suas roupas o pouco espaço de acesso à ponte.
Um homem de camisa azul aberta diz que vê um braço de criança saindo de dentro da Belina. O carro resistia à correnteza do rio. Um cabo do Corpo de Bombeiros se mete entre os ferros do caminhão tanque e da Belina e vai conferir.
Era um cano de descarga.
Ilídio Vieira Neto, proprietário da empresa de transportes RodoVieira, afirma que conhece o motorista. Quer certificar se era realmente o motorista que ele conhecia quem estava ali. Vai até o corpo. Tiram o papelão de cima do rosto. Um corte profundo quase separou a cabeça do corpo, o braço estava dependurado. Ilídio balança a cabeça.
- É ele mesmo. É o Tatão.
Os documentos do motoristas do caminhão tanque são pescados de dentro da cabine. Estão molhados. Muitas multas rodoviárias, carteira de motorista e “santinhos” tinham orações a Santa Cruz e Nossa Senhora Aparecida.
O caminhão pertence a firma Transportes Amaral Ltda, estabelecida na BR 040, quilômetro 320, em Carandaí.
Não é ainda meio-dia. Chega o guindaste. Ilídio defendendo os interesses do seu amigo José Amaral, dono do caminhão, e não aceita que a equipe de socorro faça a sangria do caminhão, jogando fora todo o óleo. Eles discutem e chegam a um acordo. O óleo não será perdido. São feitas as ligações com cabo de aço. O caminhão sobe.
A Belina fica livre e os bombeiros e o povo arrastam o veículo de passeio para virá-lo. Um bombeiro se equilibra sobre a Belina, mete a mão na frente do carro, ao lado do motorista e retira uma cabeça de boneca e joga no rio.
A cabeça desce boiando. Haveria crianças? Viraram completamente o carro. O motorista está preso nas ferragens. Não há mais ninguém.
Era só uma boneca.
O chefe da equipe do socorro, um homem gordo e ativo, perde o equilíbrio e cai dentro do rio.
Todo mundo ri.
* Aloysio Arruda Dutra