
Matos era o seu Ambrósio. CRÉDITOS: Freepik
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26-03-2025 às 09h49
Rufino Fialho Filho*
No dia em que seu Ambrósio foi preso, horas antes, de madrugada, muita gente já havia sido presa com a descoberta do aparelho do bairro São Geraldo.
O seu Ambrósio não estava sabendo de nada, tanto assim que desceu tranquilo na rua e caminhou em direção à casa, cuja movimentação em volta só percebeu muito tarde.
Ele conseguiu passar pela casa. Um menino que já o vira antes gritou e apontou, “aquele moço ali morava na casa também”.
Um carro da polícia aproximou-se devagar de Seu Ambrósio. Qual o seu nome? Quem é você? Meu nome é Antônio Pereira Matos, trabalho no Rio e vim hoje a Belo Horizonte com a torcida do Botafogo.
Levaram Matos (Seu Ambrósio) para o Dops. Ele pertencia a um grupo de homens que já estava quase totalmente extinto pela polícia, dos cinco, estavam vivos apenas ele e Moacir.
Na delegacia, o clima era tenso. Todas as pessoas eram torturadas para revelar os nomes de quem viera à Belo Horizonte participar dos ataques a bancos. Um dos nomes mais pedidos era o de Seu Ambrósio. A cela Matos aprontou um escândalo.
Ali, quase todos os que foram presos depois do tiroteio com a polícia e todos em péssimo estado devido às torturas. Marcas de sangue em todos os cantos. No chão, a mistura era de sangue e lama.
“Meu Deus, moço, me tire daqui o que vocês fizeram com estes meninos?”
“Tragam um médico eles estão machucados. Meu Deus?! Me tirem daqui”.
Quando um policial olhava para o Matos, ele virava a cara.
“Vocês estão doidos, vocês vão matar todos eles, coitados”.
“O que é que eles fizeram para apanharem assim? Chame o delegado, eu quero sair daqui”.
Durante todo o dia, Matos contou a mesma história. Veio a Belo Horizonte para assistir ao jogo do Atlético e Botafogo, trabalhava no Rio como cobrador da Empresa Catete, morava na Zona Norte. Fatos confirmados pelo telex.
Descartaram Matos como suspeito. Era, na verdade, trocador de lotação no Rio e não poderia ser Seu Ambrósio, um senhor de idade e um dos mais influentes homens daquela organização política capturada em BH.
Ambrósio era um homem calmo e de uma têmpera fora do comum, sem contar a liderança que ele mantivera durante as ações mais difíceis da Colina.
Seu Ambrósio participara da ação na Biblioteca do Exército, ao lado do Ministério do Exército no Rio, que resultara no confisco de dois rifles e cinco revolveres calibre 45.
De outra feita, assumiu o comando, com êxito da ação de expropriação do Banco do Estado em Sabará, Minas Gerais, quando demonstrou grande sangue frio e desarmara dois policiais que tentaram atabalhoadamente impedir o assalto. Esta cena se passou tão rapidamente durante a expropriação que poucos do que participaram da ação puderam percebê-la.
Dois policias da PM que não estavam nas proximidades do banco ao saberem do que acontecia se dirigiram imediatamente para o banco com as suas armas na mão. Do banco, Matos viu a aproximação dos policiais. De trás de uma coluna, Matos, o Ambrósio, surgiu. Quando os policiais passaram, gritou para pararem.
Com a metralhadora do Matos apontada, os dois policiais militares ficaram sem saber o que fazer com as armas, apesar das ordens para que as jogassem no chão e encostassem na parede. Sem coordenação, apavorados ante aquela perspectiva trágica, os dois policiais continuavam com as armas na mão e apontadas para o chão. Um dos policiais tentou esconder-se atrás do outro, provocando uma discussão entre os dois.
Logo, Matos fez entender a sua ordem e os policiais deixaram as armas caírem no chão. Foram para a parede e assim entraram para o folclore de Sabará. O homem que, para a polícia, era Seu Ambrósio não podia ser o Matos, um trocador. Um velho senhor nordestino. Cabeça chata.
A polícia fora ao hotel que o Matos hospedara ao chegar a Belo Horizonte. Não encontraram nada de comprometedor. Realmente todos os indícios eram de que o Matos viera assistir ao jogo Atlético e Botafogo. O delegado dera ordem para soltar o Matos, antes que o trouxessem à sua presença.
O delegado se desculpara, pediu ao Senhor Antônio Pereira de Matos para que não dissesse nada do que vira e que fosse assistir ao jogo. Explicou, aqueles presos eram perigosos e que a polícia empenhava-se na exterminação daquele grupo.
Neste momento entra na sala do delegado, o Peninha, todo sujo de sangue. que cumprimenta o companheiro.
Matos era o seu Ambrósio.
(Com base nos relatos de “Pacheco”)
1.
https://www.almg.gov.br/comunicacao/tv-assembleia/videos/video?id=929046&tagLocalizacao=88
2.
O dia em que a casa caiu é a publicação de Daniel Camargos sobre o livro A QUEDA de Antônio Nahas Júnior que conta o confronto, em Belo Horizonte, entre policiais e militantes do Colina, grupo de combate à ditadura militar. A QUEDA é importante contribuição histórica sobre o período.
“Ivo Martins voltava do trabalho, na manhã de 14 de janeiro de 1969. Quando chegou à porta de casa, na Rua Atacarambu, no Bairro São Geraldo, Região Leste de Belo Horizonte, escutou vários tiros. “Entrei e fiquei observando. Depois soube que guerrilheiros estavam morando ali e tinham assaltado um banco”, lembra Ivo, hoje aposentado e com 73 anos, sobre a confusão na casa vizinha. Aquela manhã tensa para o jovem e recém-casado Ivo foi o início do fim do mais importante grupo mineiro de resistência à ditadura militar (1964-1985): o Comando de Libertação Nacional (Colina). A história do grupo é contada por Antônio Nahas Júnior em “A queda – Rua Atacarambu, 120” da Editora Scriptum.
A obra é um relato sobre o Colina, grupo que iniciou as ações armadas de resistência em Minas Gerais e que de seu bojo foram forjados politicamente a presidente Dilma Rousseff e o governador Fernando Pimentel.
“A queda – Rua Atacarambu, 120” é também uma lição de história sobre o país e a capital mineira alentada por uma pesquisa minuciosa do autor. Nahas gravou depoimentos, escarafunchou documentos e publicações da época e escreveu, em 403 páginas, um livro para leigos e iniciados no assunto.
“O eixo central da obra é o dia em que sete integrantes do Colina foram presos em um aparelho no endereço citado no título do livro, após expropriarem duas agências bancárias em Sabará.
“Planejavam o resgate de Ângelo Pezzuti, líder do Colina que havia sido preso, quando a polícia encontrou o local. A estratégia era cobrir um ponto previamente combinado com Pezzuti. Não deu tempo.
Na troca de tiros na rua Atacarambu, no bairro São Geraldo, em Belo Horizonte, dois policiais foram mortos e um militante ficou ferido.
O episódio interferiu pouco na vida do casal Ivo e Noemi, mas foi determinante na trajetória da presidente Dilma Rousseff. Na biografia dela, A vida quer é coragem, de Ricardo Batista Amaral, no dia seguinte ao confronto da Rua Atacarambu, Dilma e seu marido à época, Cláudio Galeno, tiveram que escapar de Belo Horizonte para o Rio de Janeiro, pois faziam parte do Colina e eram ligados aos sete que foram presos.
“À noite, a TV mostrou que a polícia também tinha batido na casa de dona Dilma Jane em busca do casal. Foi quando a família soube que Dilminha estava ‘metida em política’ muito além do que imaginava. Era impossível ser clandestino em Belo Horizonte”, escreveu Amaral.
A história que Nahas conta não é inédita. O mérito do autor é explicar muito bem explicado as razões dos jovens que optaram pela luta armada e, principalmente, levar quem lê o livro para a efervescente Belo Horizonte dos anos 1960. Em certas passagens, o leitor se sente em uma sacada do Edifício Acaiaca observando a evolução de uma passeata; caminhando pela Cidade Industrial e respirando o ar denso dos anos de chumbo e das articulações por greves ou escapando de uma expropriação no banco do carona de um acelerado Simca Chambord.
Nahas estrutura o livro partindo do confronto na casa da Rua Atacarambu, em janeiro de 1969, para retornar ao início da década de 1960 com a formação da Polop, organização que precedeu o Colina e a articulação dos integrantes nas greves de trabalhadores e nos movimentos estudantis. Faz um raio X dos grupos de esquerda no país e em Minas e, com a capacidade de quem foi quase protagonista, ilumina ângulos que, por vezes, permaneciam sombreados.
O irmão do autor do livro, Jorge Nahas, era um dos sete integrantes do Colina presentes no aparelho no fatídico dia. Jorge é atualmente presidente da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) e sempre ocupou cargos de destaque nas gestões dos antigos companheiros Fernando Pimentel, Dilma Rousseff e Márcio Lacerda. Antônio, que é economista, também foi militante. Porém, sua militância ocorreu na geração posterior à narrada no livro. Em 1970, foi preso quando militava na Var-Palmares.
“O Brasil seria um barril de pólvora pronto a explodir. O momento era propício para a luta armada. Esta, quando deflagrada, faria o papel de um detonador, que levaria as massas a uma rebelião, engrossando as fileiras do Exército Revolucionário”, escreve Nahas na obra, mostrando como pensavam os militantes à época.
“Todos os grupos de esquerda, sem exceção, trabalhavam com a hipótese de que o capitalismo brasileiro não tinha saída, que estaria vivendo uma crise profunda, permanente, originária da aliança entre imperialismo, latifúndio e burguesia nacional”.
O ponto forte do livro é quando o Colina começa a atuar e se prepara para os atos de expropriação. A narração ganha um tom de thriller. A organização foi fundada em um congresso realizado em Nova Lima, em abril de 1968. Quando a Polop se esfacelou, os integrantes se dividiram em dois grupos, o Colina e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), esta com presença de militares contrários ao regime. Ambas partiram para a luta armada.
No ano anterior, a Aliança Libertadora Nacional (ALN), comandada por Carlos Marighella, já havia realizado o primeiro ato de expropriação, o que encorajou outros grupos. Em março de 1968, pouco antes do congresso que fundou o Colina, os integrantes da VPR, comandados pelo capitão Carlos Lamarca, expropriam um banco em São Paulo. Em junho, Lamarca comanda uma ação ousada, tentando explodir o quartel do 2º Exército com uma caminhonete carregada com 50 quilos de dinamite, matando um militar. Em agosto de 1968, a ALN atuou novamente, desta vez expropriando o dinheiro do trem pagador que circulava na estrada de ferro Santos-Jundiaí, em São Paulo.
“Aqueles que efetivamente assaltaram carros, bancos, colocaram bombas nas casas dos interventores, sacrificaram suas vidas e suas profissões em busca do seu ideal revelaram uma convicção política e uma coragem pessoal extraordinária. Até hoje, é espantosa a audácia e a determinação daqueles que se dispuseram a executar tarefa tão espinhosa. As vidas desses militantes, dos seus pais, mulheres e irmãos seriam totalmente modificadas pelas suas decisões”
* Rufino Fialho Filho é jornalista
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