
Um acordo entre Putin e Trump se mostra tão improvável quanto aquele feito entre Stalin e Hitler. CRÉDITOS: Divulgação
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20-03-2025 às 09h34
Rogério Reis Devisate*
O mundo está cada vez mais doido e a história têm se repetido. Só não vê quem não quer ou fecha os olhos para não se comprometer.
A Guerra na Ucrânia completou 3 anos. Tanto a Rússia quanto a Ucrânia têm perdas humanas e movimentos de ataque e defesa, em idas e vindas. Normal, numa guerra. Enquanto muitos veem o conflito como algo local, outros já perceberam o quão próximo estamos da Terceira Guerra e iniciaram uma nova corrida armamentista, que parece estar longe de acabar.
Em meio às ondas e ao vai e vem de atos e opiniões, Putin e Trump iniciaram um diálogo envolvendo a paz e que, em verdade, mais cuida da divisão de certos ativos ucranianos. De imediato, isso significa que a Ucrânia deve ceder parte do território, já tendo perdido 11% das suas terras para a Rússia.
Os Europeus veem com descontentamento a entrega de territórios, entendendo que isso significaria recompensa à Putin. No entanto, a coisa toda é muito maior do que isso.
A conta não envolve somente terras – férteis, aliás – pois também se falou em centrais de energia. Estamos acostumados com inofensivas hidrelétricas, aqui. No caso da Ucrânia, central energética é sinônimo de energia nuclear. Ao todo, são quatro as usinas nucleares em torno de Kiev, que contam com 15 reatores. Essa potência toda está com a Ucrânia desde o fim da União Soviética, de quem a Ucrânia herdou o 3º maior arsenal nuclear do mundo. A propósito, para quem não se lembra, fica na Ucrânia a Usina de Chernobyl, causadora do mortal desastre nuclear de 1986.
A conta também não para aqui! A Ucrânia é rica em minerais raros, fundamentais para a confecção das baterias dos carros elétricos, o funcionamento da indústria petroquímica, as aeronaves, lâmpadas Led, monitores e outros equipamentos de alta tecnologia. Oitenta por cento do território ucraniano que possui essas reservas já está sob domínio russo! Ainda não entrou na conta a indústria de petróleo e gás e o controle dos dutos de gás que conduzem a produção para os consumidores europeus.
Portanto, sob qualquer ótica, não se trata de terra estéril ou sem importância estratégica. A verdade é que a divisão do território e a destinação da área ocupada à Rússia já significam imensas perdas para a Ucrânia. Com isso, Trump não estaria simplesmente premiando a Rússia com toda essa riqueza, pois é crível que esse espólio também interessa aos norte-americanos. Devem dividir essa riqueza!
Esse pacto, a ser concluído entre Putin e Trump, soaria como um tipo de reedição atualizada do acordo feito entre Hitler e Stalin, através dos seus dignatários, que ficou conhecido como Pacto Molotov x Ribbentrop, ocorrido ao tempo da 2ª Guerra Mundial. Por aquele acordo, feito no ano de 1939, a União Soviética, sob Stalin, e a Alemanha, sob Hitler, ajustaram não beligerância mútua e a divisão dos territórios da Polônia, Lituânia, Letônia, Finlândia, Romênia e Estônia. Como resultado, a Polônia foi invadida pelos alemães a Oeste e pelos soviéticos a Leste.
A invasão soviética tinha como desculpa a intenção de proteger os ucranianos e bielorrussos que viviam na fronteira oriental da Polônia. A propósito, é bom relembrar que a Ucrânia ainda faz fronteira com a Polônia e que, quando terminada a aventura soviética, Gorbachev geria a desconstrução do país sob a justificativa Ocidental de que a OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte não se espraiaria para o Oriente. Isso é importante para que melhor se compreenda a resistência russa à intenção ucraniana de ingressar na OTAN.
Assim, há muita semelhança dos movimentos de 90 anos atrás, quando Stalin e Hitler fizeram acordo em torno da divisão da Polônia e outras áreas, com o que se anuncia estar sendo negociado entre Putin e Trump, em torno da partição da Ucrânia.
Um acordo entre Putin e Trump se mostra tão improvável quanto aquele feito entre Stalin e Hitler. De toda sorte, aquele acordo durou apenas dois anos e a prevista não beligerância não foi eterna, já que a Alemanha e a União Soviética logo se lançaram em algumas das mais sangrentas batalhas da 2ª Guerra Mundial, como a Batalha de Stalingrado – que manchou de vermelho a terra, com o sangue dos corpos de oitocentas mil pessoas.
Hoje, também não parece que um acordo entre Putin e Trump pudesse ser definitivo e duradouro, inclusive e principalmente por não envolver outros atores muito interessados no contexto, como a própria Ucrânia e a Europa – que está se rearmando, como nunca. Como dissemos há dias, no artigo intitulado “A fogueira da 3ª Guerra Mundial está sendo acesa”, o ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Jean-Nöel Barrob, afirmou que o risco de guerra na Europa nunca foi tão elevado.
Parece que Marte, o deus romano da guerra, sopra com força os seus ventos naquela direção, mobilizando mentes e recursos em rota distante da paz.
A ajuda financeira americana à Ucrânia soma 1,5 bilhões de reais, parte em equipamentos militares americanos, o que significa “venda” de coisas produzidas por suas indústrias. Entram no pacote misseis Tow, sistemas antitanque, armas, equipamentos de proteção química-biológica-radiológica-nuclear, morteiros, drones militares e munição para foguetes de artilharia de alta mobilidade. Como se vê, parece que Trump, ao mesmo tempo, afaga Rússia e Ucrânia.
A China, sem pressa, observa o movimento e não se envolve, sabedora que é de que, quanto mais se embolarem os outros, mais ganhará. Serão seus os despojos e o que sobrar. Lucrará com essa provável batalha envolvendo a Ucrânia e a Europa, Rússia e Estados Unidos. Sem se envolver, poderá fornecer comida e armas e o que mais for necessário, a qualquer dos lados, mais enchendo os seus cofres. Que não se leve o mundo à Terceira Guerra Mundial – que poderá ser a última.
* Rogério Reis Devisate é membro da Academia Brasileira de Letras Agrárias, da União Brasileira de Escritores e da Academia Fluminense de Letras. Presidente da Comissão Nacional de Assuntos Fundiários da UBAU. Membro da Comissão de Direito Agrário da OAB/RJ. Defensor Público/RJ junto ao STF, STJ e TJ/RJ. Autor de vários artigos jurídicos e dos livros Grilagem das Terras e da Soberania. Colunista do Diário de Minas