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21-02-2025 às 09h49
Alice Castelani de Oliveira*
Na última semana, sob a presidência da Rússia, os líderes do BRICS+ se reuniram para a XVI Cúpula do bloco em Kazan, na Rússia, realizada sob o tema “Fortalecendo o multilateralismo para o desenvolvimento e a segurança globais justos”. Esse foi o maior evento internacional organizado por Vladimir Putin desde o início da guerra Rússia-Ucrânia em fevereiro 2022, contanto com a participação de representantes de 36 países e também do Secretário-geral da ONU, António Guterres. Oito dos dez líderes dos países membros do BRICS+ participaram presencialmente do evento. O Presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, participou por vídeo conferência, pois sofreu um acidente doméstico que o impediu de atender a agenda presencialmente. O príncipe herdeiro da Árabia Saudita, Mohammad bin Salman, não compareceu, e o país foi representado pelo seu ministro das Relações Exteriores, o príncipe Faisal bin Farhan Al Saud. A ausência de Mohammad bin Salman simboliza a relutância da Árabia Saudita de efetivamente torna-se membro do grupo, único país convidado no ano passado que ainda está nessa posição de indecisão.
Durante a Cúpula de Kazan, o bloco discutiu e aprovou a criação de uma nova categoria de associação ao grupo, denominada “Estados parceiros”. Embora não implique integração plena ao bloco, essa categoria permitirá que os Estados desfrute de oportunidades oferecidas pelo BRICS+. Com essa nova criação, os países membros concordaram em convidar treze Estados a ingressar na categoria, sendo estes: Turquia, Indonésia, Argélia, Bielorrússia, Cuba, Bolívia, Malásia, Vietnã, Uzbequistão, Cazaquistão, Tailândia, Nigéria e Uganda. A presidência russa conduzirá reuniões com os países convidados para oficializar a adesão. A criação dessa nova categoria é uma forma do bloco de responder aos crescentes pedidos de adesão que receberam, sem necessariamente criar novos desafios para o processo de tomada de decisão interna do grupo. Além disso, diversos assuntos foram abordados durante o evento, como podemos mapear pela Declaração de Kazan.
A Declaração de Kazan aborda assuntos variados relacionados à questões, principalmente, de cooperação, desenvolvimento, sustentabilidade e segurança. Na Declaração, o bloco enfatizou a importância de fortalecer o multilateralismo como uma forma de promover uma ordem mundial mais justa, equitativa, democrática e equilibrada. Destacou a necessidade de reformas abrangentes nas Nações Unidas, especialmente no Conselho de Segurança, para aumentar a representação dos países em desenvolvimento. Isso é apontando como medida crucial para que o Conselho possa responder adequadamente aos desafios globais atuais e apoiar as legítimas aspirações dos países emergentes e em desenvolvimento, especialmente na África, Ásia e América Latina. O documento também reafirmou o apoio da coalizão ao sistema comercial fundamentado em regras, como a Organização Mundial do Comércio (OMC). No entanto, expressou preocupações sobre os impactos negativos de medidas coercitivas unilaterais ilegais, incluindo sanções, que afetam a economia global, o comércio internacional e o cumprimento das metas de desenvolvimento sustentável. A Declaração ainda enfatiza o compromisso em promover e ampliar práticas e abordagens financeiras inovadoras, incluindo a exploração de mecanismos viáveis de financiamento em moedas locais.
Em termos de segurança, o documento destaca o fortalecimento da cooperação do BRICS+ em questões de estabilidade e segurança global e regional. O grupo reafirma seu compromisso com o diálogo e a resolução pacífica de conflitos, enfatizando a importância da diplomacia, mediação e prevenção de conflitos. Nesse sentido, a Declaração expressa preocupação com a violência contínua no Oriente Médio e a crise humanitária na Palestina, pedindo um cessar-fogo imediato e a proteção de vidas civis. Além disso, o documento condena os ataques a civis e à infraestrutura no Líbano, destaca a importância do respeito ao direito internacional humanitário e clama por respostas coletivas a ameaças à segurança global, incluindo o terrorismo. O grupo ainda ressalta a necessidade de garantir os direitos de navegação no Mar Vermelho e no Estreito de Bab Al-Mandab, promovendo um diálogo pacífico, assim como destaca a importância de respeitar a soberania e a integridade territorial da Síria, condenando a presença militar estrangeira e as sanções unilaterais.
Para além disso, o documento aborda a violação das instalações diplomáticas do Irã em Damasco por Israel e também sublinha a necessidade um diálogo pacífico na resolução do conflito na Ucrânia. No contexto africano, o documento ressalta o princípio de “soluções africanas para problemas africanos”, apoiando a União Africana em seus esforços de paz. A grave situação humanitária no Sudão, a necessidade de um cessar-fogo e as soluções lideradas por haitianos para a crise no Haiti também são temas centrais. A Declaração também condena o terrorismo e propõe uma cooperação internacional robusta contra corrupção, lavagem de dinheiro e crime organizado. A crescente ameaça da criminalidade digital e a necessidade de colaboração em segurança cibernética são abordadas, assim como a preocupação com a desinformação e a promoção da integridade da informação. Essas questões refletem a visão do BRICS+ em matéria de segurança internacional, indicando que os países membros estão atentos a necessidade de debater e de buscar soluções coletivas para os principais desafios de segurança enfrentados hoje. A inclusão desses temas indica a crescente confiança entre os membros e sua capacidade de alcançar consensos em torno de questões sensíveis. Isso aponta para uma maturidade do grupo, que anteriormente se concentrava apenas em assuntos econômicos, mas agora possui uma agenda muito mais ampla.
Por fim, destaca-se que o bloco ainda tratou da relevância da proteção dos direitos humanos, da conservação da biodiversidade e da luta contra as mudanças climáticas, reconhecendo que a participação ativa dos países em desenvolvimento é essencial para enfrentar os desafios globais. Em matéria de direitos humanos, os países BRICS+ apontam a importância de ações conjuntas e construtivas para a promoção, a proteção e o cumprimento desses direitos, destacando a necessidade de que isso seja conduzido de maneira não seletiva e não politizada. No que se refere às questões de sustentabilidade, o documento aponta a necessidade de efetivar a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, enfatizando que sua implementação deve considerar as diferentes circunstâncias e capacidades dos países, respeitando suas políticas e legislações. No próximo ano, em 2025, o Brasil assume a presidência do BRICS+, que terá como lema “Fortalecendo a cooperação do Sul Global para uma governança mais inclusiva e sustentável”.
Para ler a Declaração completa, acesse: https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/xvi-cupula-do-brics-2013-kazan-russia-22-a-24-de-outubro-de-2024-declaracao-final
*Doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestra em Segurança Internacional e Defesa pela Escola Superior de Guerra (ESG) e bacharel em Ciências do Estado pela UFMG. Hoje, é membro da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED) e integrante dos grupos: Instituto Brasileiro de Estudos da China e Ásia-Pacífico (IBECAP); Grupo de Estudos Estratégicos Raul Soares; Global IR and Brazil BRaS; e Rede Interinstitucional de Pesquisa em Instituições Internacionais (RIPPERP).
Contato: alicecastelani@gmail.com