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Itália e a política pela liberdade democrática - créditos: divulgação
11-02-2025 às 10h00
Wilson Cid*
Entramos, agora, em outro terreno onde os pioneiros italianos e os continuadores são capazes de revelar seus anseios, pela via da ternura ou com o espírito armado; anseios que oscilavam para frente ou para trás, para cima ou para baixo com incrível velocidade. Trata-se da militância política que souberam forjar ao embalo de muitos sonhos, alguns bem antigos, pois já se esperava a consolidação da unificação da velha Itália. Ela conseguiu, mas como custou!
O nacionalismo, na sua forma mais radical, caminhou facilmente para as pregações de Mussolini e sua bandeira da Pátria Ideal. Aqui, embevecidos, os fascistas só passaram a ganhar a vigilância atenta dos órgãos de segurança, quando o Brasil, rompendo com o Eixo, estava pronto para guerrear o regime de Roma.
Nesse contexto, tornaram-se suspeitos tanto como os alemães. Só que, enquanto estes permaneciam calados para a política, quietos na Colônia de São Pedro, os italianos, no centro e nos bairros, pregavam abertamente e se reuniam. Peregrinavam nas ondas curtas dos rádios antigos para acompanhar o noticiário de guerra. Havia quem batesse estrondosamente no peito ao ouvir os discursos do Duce. No parque Halfeld e na Casa D’Italia, corriam listas a angariar dinheiro para financiar a campanha da Etiópia. Tudo às claras, como se lê num convite publicado no Diário Mercantil, assinado pelo “segretário interinale” Pietro Bergiona:
“Fascio di Juiz de Fora
La sera del 28 corrente mese, alle ora 8 e mezza, nella sede del Fascio, che é ao plano superiore della Societá di Beneficenza “Umberto I”, será commemorata le Marcia su Roma, com um discorso dell’ Avv Emilio Camodeca. Si avverte che non solo i fascisti, ma indistintamente tutti gli altri italiani, possono partecipare alla celebrazione dell’ evento memorando, per cui I’Italia há avulo pace e prosperitá”.
Todos àquele antigo sobrado de Getúlio Vargas, porque também ali o fascismo prometia olhar generoso para os italianos no estrangeiro.
Declarada a guerra, a intolerância da polícia acabou com essas manifestações e com os sonhos, e, como Mussolini, de cabeça para baixo. Na cidade, não faltaram exageros desnecessários nos protestos, como a mudança do nome da Rua Itália, que virou Rua Oswaldo Aranha. A Casa D’Itália tomada pelo governo brasileiro, só mais tarde devolvida aos donos. O ex-prefeito Rafael Cirigliano, por ser descendente, teve sua casa apedrejada na Rua do Sampaio, entre outras hostilidades que o obrigaram a mudar para São Lourenço.
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Wilson Cid – fala sobre história
Mas, quando se fala dos italianos, sem relegar descendentes ilustres, como os republicanos Paletta e Detzi, e depois o trabalhista Hildebrando Bisaglia e o vereador Waldir Mazócoli, observa-se que, na política de Juiz de Fora, eles tiveram também o viés sindicalista, onde viveram papel saliente, nunca negando aquele temperamento mercurial, quantas vezes confirmado no manancial de um dos caracteres étnicos.
Registre-se, para o bem da história, que o desejo de agitar as massas, não diferentemente nos discursos políticos, acontecia nas assembleias e nas campanhas da classe operária. Infiltravam-se nos sindicatos independentes, na Societá Operaria, na Societá Umberto Primo ou onde quer que prosperasse uma reivindicação qualquer. Era uma época em que aquelas lutas coincidiam com a feroz resistência dos interesses e do humor do patronato. Oscar Vidal, presidente da Câmara, recebeu-os, mas recusou todas as propostas. Mandava que os queixosos se entendessem com os empregadores… Pode ser que tenham sido poucas as conquistas, mas a cidade ficou devendo a muitos italianos o despertar para o debate de grandes questões sociais. Vivas aos patrícios Antônio Notaroberto e Guiseppe Biteti.
A greve de 1912, a maior que a cidade assistiu, insistia no período de oito horas diárias de trabalho, ideia recusada in limine. Interessante é que o único acatamento espontâneo a essa reivindicação veio exatamente de Pantaleone Arcuri, que concedeu jornada das 7 às 16 horas, mesmo num momento de graves problemas, quando sua indústria pagava 15 mil réis a tonelada do amianto importado do Canadá.
Certo é que o sangue deles jamais deixou de ferver nos sindicatos. Continuou correndo nas veias de Clodesmidh Riani, um líder nacional que esteve à frente das principais postulações de trabalhadores nas décadas de 50 e 60, como a revisão anual do salário mínimo e o 13º salário.
Por fim, como defini-los num olhar que seja, ao mesmo tempo, retrospectivo e atual? Com que palavras? Dizer que são pessoas de hábitos simples, raramente apressadas, pouco visitadoras? Obreiros por excelência, sem nenhum temor diante das tarefas mais duras e humildes? Talvez de tudo isso um pouco, somando-se ao seu trabalho uma total ausência de orgulho ou preconceito de ordem classista, mesmo quando celebrados e famosos. Nem por isso recusavam o braço na atividade mais dura. Quem não viu Natálio Luz (o calabrês Natale Chainello) garupando na bicicleta as verduras e legumes da quitandinha que os pais, Vicenzo e Angelina, tinha na Batista de Oliveira. À noite, e tão diferentemente, ia ele comandar o radioteatro da Industrial ou subia ao palco do TECI ou se recolhia ao estúdio para pintar paisagens reais e fictícias.
Por tudo isso, talvez até mais, em muita coisa essa gente ajudou Juiz de Fora a crescer e enfrentar o que fosse preciso mudar. Entraram firmes e dispostos na história da cidade que lhes abriu suas páginas-portas. E entraram de vez, com todos os sinais de um temperamento que aqui chegou empacotado em baús e bruacas.
E as saudades? Quando se pergunta sobre esse sentimento em relação à terra natal, suas distantes aldeias fincadas em planícies multiformes, ouve-se o de sempre: uma grande vontade de rever, mas igual vontade de voltar às sombras do Parque Halfeld, à família e aos amigos, como disse certa vez, Sílvio Imbroisi, que algumas vezes foi e tantas outras vezes voltou.
Wilson Cid é jornalista e escritor