
A velhice chega para todos, mas nem todos ainda dominam as palavras - créditos: divulgação
09-02-2025 às 07h27
José Altino Machado (*)
Há pouco tempo, escrevi algo sobre a ida ao médico, em que, imaginando-me doente, reclamava até de um calor extremo. Dizia ainda acreditar estar ficando até mais baixo. Uma simpática e objetiva leitora me tascou um cruel e-mail, dizendo que meu mal não era doença e sim idade. Achei graça, dei um muxoxo e fiquei na minha. Agora, entretanto…
Venho de mais uma correria pelos grandes sertões do Brasil. Para quem nunca disse, posso afirmar que não só em aeronaves, mas também com carros, já percorri quase todos os rincões nacionais. Tudo, me foi impossível, mas conheço bastante do país e da gente onde vivo.
Uma aventura marital de cinco anos, com uma gaúcha de pernas bem grossas, lá de Santana do Livramento, na fronteira, fez com que eu tivesse a oportunidade de andar pelos caminhos, de norte a pampas do sul brasileiro. O trabalho já havia me levado ao Nordeste, sonhos e ideias, para a Amazônia e Centro-Oeste.
Ainda hoje meus interesses reclamam minhas atenções ao sul do estado do Pará, a exatos 3040km de meu pouso, parada de descanso, em sossegado bairro, logo ali, em cidade das Minas Gerais.
Anteriormente cumpria o trajeto em pequenos aviões. Qualquer coisa de oito e meia a nove horas de voo. Tirava de letra… E sozinho, até que uma “boa” companhia chegasse. Porém, passado algum tempo, comecei a chegar, lá ou cá, e minha alma só dois dias depois. Eu ali, teimando em pôr a culpa no avião ou no mau tempo em rota, ou mesmo no moderno stress, logico… Até que não deu mais.
Com tantos sinais evidentes de pane de corpo e no espírito, sem aposentá-las, guardei as asas e embarquei de vez em velozes Toyotas. O que realmente nunca me chateou, até porque gosto muito e posso continuar voando baixo.
Com isso tenho visto melhor o meu país funcionando, também aprendendo mais a admirar e respeitar a vida e o trabalho alheio.
É um Brasil formidável que sempre vejo. Mais humano, mais humilde, simples e trabalhador. Preços e custos, honestos e acessíveis, inclusive nos combustíveis. A cada quilômetro uma pequena venda, uma produção, pouca, barata, mas que sustenta. Atras deles, nos largos campos, rebanhos, dos melhores que já vi. Plantações maiores que as que conheci.
Engraçado, diferente do restante Brasil, por lá, quase ninguém reclama. Estão tão ocupados, cumprindo a parte deles, que não se lembram do trabalho que o governo deveria fazer e nem sempre faz. Isso tudo me deixa satisfeito e feliz, apesar de estourado.
Realmente, tenho ainda chegado pior agora, já não venho como antes, após setenta e duas horas de viagem, apertado e motorizado. São retas ou serras sem fim. Por ser bom no volante noturno, essa é sempre minha hora, na qual exagero, como um curiango da madrugada, até na velocidade.
Durante o dia, sem companheiro à direção, cansado, tonto, a vontade é parar e se deitar no chão à margem da estrada. Sempre sabedor que ao chegar em casa, mulher e prazer teriam que esperar uns dois dias.
Que fazer? Paciência…
Só lamento mesmo que, pelo tempo que me resta, não vá ver acontecer o que o Brasil me sinaliza. Ser o grande armazém do mundo e imensamente poderoso, estando apenas, por enquanto, aguardando ser bem dirigido e administrado.
Consola-me que a vida seja uma sequência de vidas e que possamos existir para sempre, estando presente através de outros. Bem por isso, Pai, que me precedeu nos ares e nas estradas poeirentas de chão daqueles tempos, deixou bem vivas em mim sementes de curiosidades úteis e construtivas.
Por destino, e dada a continuação, meus filhos já adoram movimento e detestam uma boa cama.
Ainda bem… o “guerreiro” cansou.
Mesmo “cansadaço”, continuo acreditando dever a todo momento a busca de satisfação íntima, com o que tenho, com o que vivi e vivo, estando agora mais junto aos meus de afeto,
Me permitindo confiar, na certeza, de haver alcançado utilidade em minha jornada e por jamais ceder os tempos preciosos que me tocaram com inutilidades. Observando sempre, com rigor, uma procura de não comprometer os que ainda restam, com fúteis banalidades.
No retiro, tristeza maior, é se perceber que a vida sempre nos surpreende, como nestes instantes em sonhos de chegada ao descanso, a eles se juntar uma sofrida solidão, causada pela inesperada ausência da boa companheira que agora se foi.
Porém, sem lamentos ou reclamações, tudo foi bom e maravilhoso… fazendo com que eu receba como prêmio a velhice, por ter muito bem vivido e aproveitado o tempo a mim dado, para junto a leais companheiros desbravarmos este mundo fantástico… e bem brasileiro…
BH/Macapá/GV, 09/02/2025
(*) José Altino Machado é jornalista