A carreira de Newton Cardoso foi marcada por importantes momentos históricos, incluindo a campanha política de 1986, da qual participei como jornalista. Ele se tornou o segundo governador eleito pelo voto direto após a redemocratização do Brasil.
05-02-2025 às 09h58
Pedro Paulo Taucci*
Newton Cardoso, ex-governador de Minas Gerais e um dos fundadores do MDB de Minas, faleceu aos 86 anos. Sua trajetória política começou como prefeito de Contagem, onde tive o privilégio de conhecê-lo em 1985.
Nessa época, fui para a assessoria de comunicação da prefeitura, chefiada por Tito Guimarães Filho, assumindo o cargo de Coordenador Executivo.
Passamos, eu e o prefeito, a viajar frequentemente por Minas Gerais, comendo muita poeira pelas estradas de terra. Aonde chegava, prometia: “Voltarei aqui, como governador, por estrada asfaltada”.
Não sei se todas, mas a maioria dessas promessas ele cumpriu. Era fanático por construir estradas. Mirava-se no exemplo de Washington Luís, que disse que “governar é construir estradas”. Newton citava sempre essa frase. Ele próprio se definiu como “Trator”.
Estava aberta a campanha para o governo de Minas.
A carreira de Newton Cardoso foi marcada por importantes momentos históricos, incluindo a campanha política de 1986, da qual participei como jornalista. Ele se tornou o segundo governador eleito pelo voto direto após a redemocratização do Brasil.
Sua vitória foi um marco no cenário político mineiro e nacional. O governador da época era Hélio Garcia, que relutou até o último instante em indicar Newton Cardoso como candidato do MDB a sua sucessão. Itamar Franco esperava ser ungido, mas acabou sendo candidato pelo PL, mergulhando na oposição.
Esse episódio marcou a política mineira, mas deixo para outros relatá-lo com os detalhes que merece. Até sua morte, Newton Cardoso foi fiel ao MDB, depois PMDB e agora MDB novamente. Tanto era seu amor ao partido que, mesmo depois de ter sido governador do Estado, aceitou ser vice de Itamar Franco, a quem derrotara em 1986, para não dividir o partido e permitir que o MDB chegasse ao poder mais uma vez.
Após a campanha vitoriosa do MDB, em 1987, fui nomeado chefe do cerimonial do governo de Minas, posição que me permitiu estar constantemente ao lado do governador. Juntos, viajamos extensivamente por Minas Gerais e por todo o Brasil. Dele colhi ou vivi várias histórias. Vou contar somente uma, que julgo importante e esclarecedora.
No dia da posse, após a cerimônia na Assembleia Legislativa e os cumprimentos de praxe no Palácio da Liberdade, Newton chamou-me e ordenou: “Como você sabe, o jantar que vou dar no Mangabeiras (*) é somente para minha família. Não quero a presença de amigos, nem políticos”.
Senti que nem eu, como Chefe do Cerimonial, já nomeado, deveria participar daquele momento íntimo do rapaz de Brumado que se tornou governador de um dos mais importantes estados brasileiros. Deixei todas as instruções com garçons, maitre e serviçais e saí.
Quando ia deixando o Palácio das Mangabeiras, dei de encontro com um carro em que estava Camilo Teixeira da Costa, o poderoso chefão do grupo dos Diários Associados, cujo carro-chefe era o jornal “Estado de Minas”. Ele tinha sido barrado na guarita da guarda e reclamou comigo, proferindo os blá bla blás costumeiros de que alguns soldados (o chefe da guarda era um major PM) haviam impedido sua entrada. Respondi que nada podia fazer, era uma festa com jantar íntimo. E segui em frente, não sem antes perceber que Camilo dava meia volta e retornava.
A partir daquele momento, as relações governo de Minas/Diários Associados começaram a azedar. Alguns dias depois, reportagem de meia página do “Estado de Minas” “denunciava” que o secretário de Estado da Fazenda estava morando num hotel, com mordomias e gastando dinheiro público. Esse era o jeito do “Estado de Minas” fazer jornalismo.
Pior é que eu era redator do jornal, licenciado para participar do governo, mas recebendo meu salário, apesar dos esforços que fiz junto ao RH para sustar meu pagamento. A resposta era sempre que isso teria que ser resolvido pelo doutor Camilo. Porém, não durou nem um mês a situação, porque, à medida que o “pau” no governo avançava, o jornal publicou edital conclamando-me a comparecer no RH e afirmando que eu me encontrava “em local incerto e não sabido”! Foi assim que consegui ser demitido.
Contudo, como homem de Comunicação, e percebendo que seria muito prejudicial ao governo passar 4 anos levando “cacete” do principal veículo impresso de Minas, tentei uma jogada para ver se as relações com o jornal melhoravam.
Chefe do Cerimonial, eu era o secretário do Conselho da Medalha da Inconfidência, cujo Chanceler era Vivaldi Moreira, há muitos anos no cargo. Preparei o ato de nomeação de Camilo Teixeira da Costa, enfiei debaixo do braço e fui ter com Newton. Ele acabara de receber o ministro da Justiça, Paulo Brossard e o gabinete estava cheio de gente. Esperei sair todo mundo.
- Governador, um pequeno despacho. Por que o senhor não nomeia o Camilo como Chanceler da Medalha da Inconfidência? O cargo não é remunerado e acho que seria bom, dadas as circunstâncias…
- Pode fazer o ato que eu assino.
- Está aqui, governador.
- Antes de assinar, Newton disse:
- Você tá ficando esperto, hein, doutor Pedro Paulo?
Fui direto para o meu gabinete e liguei para o Camilo, informando-o da nomeação. No outro dia, o “Estado de Minas” publicou a notícia junto com o Diário Oficial.
A partir daí, Camilo ligou para mim várias vezes, solicitando audiência com o governador. Tantas pediu, tantas foram negadas. Tentei uma última cartada. No meu despacho semanal, relatei os pedidos de audiência de Camilo, na esperança de que ele tivesse encontrado dificuldade via secretária.
- A Sandra já colocou essa audiência na agenda umas três vezes. Não quero falar com ele. Eu sei o que ele quer. Se insistir, você encerra o assunto e diz que eu mandei dizer que não sou o Hélio Garcia. Ele vai entender.
Acredito que Newton se referia a um episódio durante a campanha política de 1986, quando, ao desembarcarmos vindos do norte mineiro com Hélio Garcia, que participara de um comício, Camilo Teixeira da Costa esperava a comitiva no hangar do governo. Newton abraçou a mim e Tito Guimarães, mostrando uma cena em que Hélio Garcia depositava algo no bolso de Camilo.
- Estão vendo? – disse Newton. – Aquilo ali é um cheque. Prestem atenção: eu governador, isso nunca vai acontecer. Nunca!
Claro que eu não cumpri a ordem de dizer ao Camilo o que dissera o governador. Mas parece que ele entendeu mesmo, porque as agressões dos “Associados” () ao governo e à pessoa do governador se intensificaram a ponto de se tornarem, digamos, ridículas.
Para começar, deixaram de publicar o nome do governador. Tratavam-no como “o eventual ocupante do Palácio da Liberdade” ou, simplesmente, “o eventual”. Como se todos os governadores não fossem eventuais!
Eram críticas contundentes, ferinas, mas, em sua maioria, agressões baratas, sem sentido. Criticavam a mim, informando aos leitores que eu sempre andava na parte de trás do carro oficial. Criticavam a primeira-dama, Lúcia Cardoso, mentindo que ela usava o helicóptero do governo para – pasmem! – fazer compras no shopping BH. Uma que considerei a campeã era a de que Newton havia surrupiado os lustres de cristal do Palácio da Liberdade.
Esses ataques somente cessaram quando Newton resolveu seguir o conselho do chamado “grupo de Contagem”, no qual eu me incluía, sugerindo que ele criasse um jornal. Tito Guimarães Filho liderava essa tese. Newton chegou a comprar o falecido “Diário de Minas”, que, não obstante a excelente equipe que contratou, não conseguiu decolar e hoje tem sua versão on line com bastante sucesso.
Foi do projeto fracassado do “Diário de Minas” impresso que surgiu o jornal “Hoje em Dia”. Lembro-me de uma reunião para tratar do assunto em que Iran Cardoso, irmão e secretário particular do governador, disse: “Se eu fosse o governador, não criaria jornal coisa nenhuma”. E alguém que não me lembro quem, retrucou: “Por isso, você não é o governador”.
O golpe fatal nos “Associados” foi dado por Newton, ao adquirir 30% das ações do Condomínio dos Diários Associados, compradas de Gilberto Chateaubriand.
Hoje, após a morte de Newton, leio que ele era um “cacique” político. Nada mais errado. Caciques foram Hélio Garcia, Francelino Pereira e outros mais antigos. Newton Cardoso será lembrado como um líder populista que percebeu que fazer obras físicas e sociais que beneficiam comunidades rendem mais votos que nomeações e apadrinhamentos.
Também não deixa herdeiro político. O deputado federal Newton Cardoso Júnior não é nem mesmo a sombra do que foi o pai. O pai dele parece que previu isso. Certa vez, numa entrevista concedida ao Pasquim, no hotel Real Palace, em Copacabana, no Rio, onde estávamos eu, Tito, Jaguar e Ziraldo, este perguntou se ele tinha herdeiro político. A resposta:
- Que nada, eu tenho um irmão (*), que é meu secretário, mas é um “pé duro” na política. E os meus filhos ainda são pequenos, só que não vejo em nenhum deles a vocação política.
Newton Cardoso soube como começar e quando se retirar da política. Sempre foi um campeão de votos nas eleições das quais participou. Votos que ele conseguiu como prefeito, deputado federal, governador e vice-governador. Sua contribuição para a política e o desenvolvimento de Minas Gerais deixou um legado que será analisado por gerações futuras.
Votos, agora, só de pesar.