02-02-2025 às 11h11
Caio Brandão
Sobre a mesa, imponente, lá estava ele, o pênis, garboso e com toda a sua galhardia intrínseca, sob o olhar desaprumado do governador, que se encontrava em sobressalto, mediante a eventualidade de dezenas, quiçá de centenas de caralhos, sendo distribuídos em seu nome.
A história começou com um mal-estar, ruído entre amigos, que vez por outra entravam em dissintonia no tocante a temas cotidianos, mas, que alimentavam entusiástica disputa de egos, algo normal e desencadeador de pequenas maldades, o que de fato aconteceu.
Pacífico, nome que escolhi para preservar a sua verdadeira identidade, era inteligente e manipulador; havia ocupado posição de relevo no governo e alimentava o desejo de entrar na política. Queria ser deputado estadual e estava em pré-campanha, em busca de prefeitos, vereadores e formadores de opinião, para criar a sua base de apoio.
Na ocasião a nossa relação estava em baixa, o que ainda ocorre. Leila, minha secretária na empresa, havia trabalhado no Cerimonial do Palácio, onde tinha livre trânsito. A meu pedido, Leila trouxe do Cerimonial um envelope de cor parda, tamanho grande, tendo no mesmo, impressa, a identificação do Governo de Minas Gerais.
Eu havia sido condecorado com a Grande Medalha da Inconfidência, em concorrida solenidade tradicional, que transcorre anualmente na cidade de Ouro Preto, e recebido do Palácio, mediante encaminhamento do governador Newton Cardoso, fotografia da minha condecoração, com um cartão. Neste os dizeres “Com os cumprimentos do Governador Newton Cardoso”, mas, sem a inscrição do meu nome, destinatário do mesmo, no topo do cartão, como seria adequado.
Assim, imprimi no cartão o nome completo do Pacífico, a cujo nome seguiu a mensagem, já impressa no cartão, “com os cumprimentos do governador…., e acrescentei, “envio-lhe a minha contribuição para a sua campanha”.
Até aí, tudo correndo sob controle, porque estava de posse do envelope oficial do Cerimonial do Palácio e do cartão, com o nome do indigitado, o texto oficial e a chancela do governador. Faltava a maldade, e a maldade não me decepcionou, porque compareceu rápida e inspiradora.
Numa loja de artigos eróticos comprei um pênis avantajado e de calibre robusto, que estava mais para caralho do que para pênis, em face de este último se apresentar, usualmente, mediante visual padrão e de baixo impacto. Coloquei o caralho no envelope, devidamente endereçado ao Pacífico, adicionei o cartão e mandei portador fazer a entrega.
Pacífico se encontrava em reunião, com apoiadores. Contudo, mediante a valiosa correspondência, oriunda do Palácio do Governo, recebeu da secretária a encomenda, em meio aos seus convidados. Chegou a comentar que poderia ser alguma ajuda para a campanha e abriu o envelope. Tirou primeiro o caralho, altivo e perturbador. Em seguida o cartão, “com os cumprimentos do governador e a ajuda para a campanha”.
Pacífico enrubesceu, se desculpou com os presentes, que se alternavam entre manifestações de riso e de espanto, e saiu apressado em direção ao Palácio dos Despachos, que sediava à época o setor administrativo mais afeito ao governador, propriamente dito.
No Palácio foi direto ao gabinete do então Chefe da Casa Militar, Cel.Pm Benedito dos Santos. Coronel, disse o Pacífico, elevando a voz: “estão distribuindo caralhos em nome do governador”. “Caralhos, que caralhos”, perguntou. Pacífico bateu com o caralho na mesa, exclamando: “iguais a este, Coronel, que acabo de receber”.
Conversaram por alguns minutos e, em face da gravidade da situação, o militar falou por telefone interno e pediu audiência imediata, com o governador. Este os recebeu de pronto, e foi logo perguntando: “que história é essa de caralhos, querem me sacanear?”
O Coronel colocou o caralho sobre a mesa, com o cartão. O governador perguntou: “são muitos caralhos?”. Sei lá, doutor Newton, deve ser uma campanha difamatória, em andamento. O governador, usando caneta Bic, deu um cutucão no caralho, que permaneceu inerte.
Em seguida, com um pedaço de papel e pressionando, juntos, o indicador e o polegar, em forma de pinça, segurou o caralho e o atirou em direção à cesta de lixo. O caralho bateu na borda e caiu ao chão. O governador chutou o caralho para o centro da sala, e dirigindo-se ao Pacífico, bradou: “Pacífico, recolha a piroca”, ao que o Pacífico respondeu: “E o que faço com a rola, Governador?”.
Sei lá, respondeu, “se vire com essa naba”. E, ato contínuo, disse ao Coronel. “Não quero notícia em jornais, e sequer comentário nos corredores. Abra uma sindicância discreta e urgente através da PM2 e me mantenha informado. Em tempo, queime a pica e a substitua por um caralhinho, algo minúsculo, de baixo impacto, para minimizar eventual vazamento e dar à situação o cunho de brincadeira.
Duas semanas depois o assunto ainda rendia. A sindicância fora aberta, sem formalidades, mas seguia acelerada. Tive notícias de inquirições na loja de eróticos e me decidi: fui ao Palácio. “Newton, você está acompanhando a história dos caralhos?” Pois é, respondeu, só me faltava esta. “Mas, está sendo apurado”.
Não precisa apurar, completei. “Foi apenas um caralho, uma gozação com o Pacífico”, completei. Pô, Caio, se tivesse me avisado eu lhe daria uma lista de desafetos para você presentear, mas, usando o seu cartão, respondeu, enquanto acenava com a mão direita, mandando se aproximar algum adulador que, de pé, aguardava no canto da sala.
Caio Brandão é jornalista