Com efeito, o controle é um princípio destacado na Doutrina da Atividade de Inteligência, que está ligado diretamente à atividade, quando submetida à supervisão para garantir a conformidade entre seus meios e a correta finalidade de sua aplicação.
31-01-2025 às 10h03
Levindo Ramos*
A atividade de inteligência é uma atividade estatal de caráter permanente que tem por objetivo a produção de conhecimentos como instrumento de assessoria decisória para os sucessivos governos, com vistas à segurança do Estado e ao bem-estar da sociedade, como define a Doutrina da Atividade de Inteligência, relançada pela Agência Brasileira de Inteligência – ABIN, com atualizações em 2023. Doutrina, nesse contexto, significa um conjunto de princípios que são um arcabouço dos fundamentos de um sistema de ação ou reflexão.
Bem! O leitor mais atento logo se pergunta como podem estar conectados o tema da Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD e da atividade de inteligência, já que a lei exclui de sua abrangência os temas de defesa nacional e segurança de Estado?
A atividade de inteligência, como uma atividade essencialmente de Estado é uma atividade pública que deve ser exercida sob os princípios constitucionais da Administração Pública, a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a economicidade. Além desses, a atividade de inteligência está sujeita aos princípios de transparência e controle, tanto interno quanto externo.
Esses princípios constitucionais são aplicados às especificidades da atividade de inteligência, em especial, à necessidade de sigilo que envolve a produção de conhecimento e a permanente possibilidade de acesso a dados sensíveis. Em um ambiente de competição entre diversos atores internacionais, o planejamento e a execução as ações de Estado devem ser revestidas de sigilo, de modo a garantir vantagens competitivas na identificação de ameaças e oportunidades.
Com efeito, o controle é um princípio destacado na Doutrina da Atividade de Inteligência, que está ligado diretamente à atividade, quando submetida à supervisão para garantir a conformidade entre seus meios e a correta finalidade de sua aplicação. Também está envolvido no controle da atividade de inteligência aquele interno, exercido pelos órgãos de fiscalização do Poder Executivo, no caso da ABIN. São eles a Controladoria-Geral da União – CGU e outros órgãos da estrutura da Presidência da República. O Controle externo, também, supervisiona as atividades de inteligência, tanto por meio do Tribunal de Contas da União – TCU, quanto pela Comissão de Controle da Atividade de Inteligência (CCAI) do Congresso Nacional.
Mesmo a transparência ativa — aquela em que o Estado disponibiliza as informações de interesse público sem a necessidade de requerimentos, portanto, de forma ativa — se põe como um desafio do controle social da atividade de inteligência.
Outro importante princípio da atividade de inteligência, no que se refere ao elemento operacional da atividade, ou seja, que realiza ações especializadas sigilosas com objetivos previamente estabelecidos, é o princípio da finalidade que informa sobre a necessidade de as ações de inteligência atenderem a uma finalidade coletiva, respeitando a legislação, as normas e demais documentos especializados, como a própria Doutrina, a Política e a Estratégia Nacionais de Inteligência.
É, também, de destacar-se o princípio da proporcionalidade, que empregado às atividades de inteligência, refere-se ao limite estritamente necessário do uso dos meios e técnicas para o cumprimento da ação sigilosa.
Percebam que a atividade de inteligência está direcionada ao cumprimento de objetivos constitucionais e de garantia e realização do Estado Democrático de Direito, demonstrando sua relevância como atividade de Estado.
Por se tratar de uma atividade que envolve produção de conhecimento para a tomada de decisão pelos atores de Estado, necessariamente, realizará o tratamento de dados pessoais, objeto da LGPD.
A LGPD, citada na Doutrina da Atividade de Inteligência como um dos instrumentos de transparência e legitimidade da atividade de inteligência, prevê que o tratamento de dados pessoais para fins de defesa nacional e segurança de Estado será estabelecido em lei específica, prevendo medidas proporcionais e estritamente necessárias ao atendimento do interesse público, a observância do devido processo legal, os princípios gerais de proteção e os direitos do titular previstos na LGPD.
É com base nos direitos fundamentais, estabelecidos na Constituição de 1988, bem como no cumprimento dos objetivos nela definidos que se articulam LGPD e a atividade de inteligência.
Para a LGPD é fundamental que o titular seja informado sobre a finalidade específica do tratamento de seus dados. Esse é, sem dúvidas, um princípio que conecta em particular a atividade de inteligência ao tema da proteção de dados pessoais.
É a partir da finalidade específica das ações de inteligência, integrante do elemento de operação, que se estabelece a relação com o tratamento dos dados pessoais. O tratamento deve ser realizado com o fim específico de garantir os objetivos precípuos da atividade de inteligência, a segurança de Estado e o bem-estar coletivo, desdobrados em regras inerentes à temática.
Nesse sentido, existe um projeto de lei que prevê a regulamentação da proteção de dados pessoais para fins de segurança de Estado, defesa nacional e segurança pública, que avança em muitos aspectos para garantir a segurança jurídica, a proteção dos direitos fundamentais, a privacidade, o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural e o interesse público.
No entanto, existem pontos que decerto serão melhor debatidos, a exemplo do estabelecimento do princípio da necessidade, como limitação do tratamento ao mínimo necessário ao atingimento dos objetivos das operações de inteligência e a incorporação dos princípios gerais de proteção, como já previsto na LGPD.
Avançar na legislação sobre a atividade de inteligência e sobre a segurança de Estado traz maior legitimidade a uma atividade de Estado, que deve estar voltada à proteção e promoção do Estado Democrático de Direito.
* Mestre e Doutor em Direito pela UFMG, Professor e Advogado, Consultor na área de Governança Algorítmíca e LGPD. Consultor Jurídico da SOAMAR-BH.