19-01-2025 às 09h19
Marcelo Galuppo[1]
Vender é uma arte, da qual faz parte a competência de convencer alguém de que precisa daquilo que você não quer manter consigo. Por trás disso, há também muita ciência. Jerome MaCarthy disse que tudo tem a ver com os chamados 4 P’s do Marketing: O produto é desejado? A praça é boa, ou seja, bem localizada? Seu preço é atrativo? Está em promoção? O segredo do sucesso nas vendas consiste em otimizar esses elementos, balanceando-os para induzir a pensar que, apesar de custar o dobro do preço, é melhor para o consumidor da zona sul comprar uma peça de picanha premium mais perto de sua casa do que no Mercado Central, sobretudo se houver uma promoção de selinhos para preencher uma cartela que nunca será trocada. De preferência, o desejo precisa ser produzido de tal modo que impeça o futuro comprador de lembrar-se daquelas três perguntinhas básicas que, se respondidas adequadamente, levariam o sistema bancário à bancarrota: Preciso? Posso? Quero? Esse desejo é produzido pela propaganda, que, todos sabem, é a alma do negócio.
A propaganda pode ser muito sofisticada, mas houve época em que era prosaica, quase simplória, e ainda assim funcionava, talvez por falta de opção. Muitos belorizontinos vão se lembrar do Balcão, jornal impresso que vendia de tudo em seus classificados, lá pelos idos de 1990. Preciso explicar à geração Z o que eram os classificados, pequenos anúncios publicados em jornais impressos nos quais alguém vendia algo ou oferecia um serviço (sim, todo tipo de serviço). Era preciso dominar certo jargão esquecido nas brumas do tempo para conseguir interpretá-los: “Vd. lindo ap. Lourdes 3 dorm., 2 ban., ampl. var. 2 vg. cob., dce, port. 24h. 372-1718” significava “Vendo lindo apartamento no bairro de Lourdes com três dormitórios, dois banheiros, ampla varanda, duas vagas de garagem ao abrigo do sol e dependências completas de empregada, em prédio com porteiro 24 horas por dia. Interessados, por favor liguem para o telefone 372-1718” (fazia-se assim porque se pagava pelo número de letras publicadas no anúncio).
Dependências completas de empregada significava que, além dos dois banheiros e dos três quartos destinados à família e seus visitantes, havia para a empregada mais um banheiro (menor que o de avião) e um quartinho escuro e fedido (muitas vezes menor que um armário), onde a patroa também guardava as malas e as quinquilharias da casa. Era uma época em que famílias de classe média tinham a seu serviço empregadas domésticas, muitas das quais dormiam no próprio emprego, que não estavam sujeitas à jornada de trabalho de oito horas diárias e de seis dias por semana e que eram categorizadas em três grupos: trivial simples, trivial sofisticado e forno e fogão. Trivial simples significava que a empregada devia ser capaz de fritar um ovo, cozinhar arroz e feijão e, eventualmente, assar um bolo formiguinha. Trivial sofisticado significava que ela sabia fazer um assado de panela, preparar estrogonofe – um luxo nos anos 80 – e assar pão de queijo – não o que vem em saquinho, mas o que ela mesma produzia, com polvilho, colher de pau e queimaduras de óleo quente. Forno e fogão significava que se destinava a famílias de hábitos sofisticados, exigentes à mesa, e que ela devia saber preparar pato com laranja, leitoa à pururuca e charlote.
Alguns desses anúncios eram bem divertidos. Certa vez, vi anunciada Xica da Silva, novela da Rede Manchete que revelou ao mundo o talento – e o corpo – de Taís Araújo. Alguém gravara as transmissões dos capítulos em DVDs e vendia-os a um preço bem camarada, já que não pagava direitos autorais. Até aí não há nada de especial, pequenos crimes cometem-se aqui e ali a toda hora. Mas, então, seguia a seguinte informação: “Não é pirata! Eu mesmo gravei!” Uma preciosidade, de que só brasileiros são capazes.
Anúncios classificados continuam existindo, mas agora eles migraram para a internet, em sites como OLX e o próprio Jornal Balcão, e perderam parte do charme que tinham antigamente. Deparei-me essa semana com um desses anúncios, que dizia: “Vendo prática e útil coleção completa em 18 volumes do Grande Dicionário da Língua Portuguesa”. Talvez no exemplar do dicionário que o anunciante colocou à venda as palavras “útil” e “prática” tenham significados diferentes dos que constam nos dicionários aqui de casa. No entanto, nada ultrapassava o velho Jornal Balcão em anúncios inusitados. Guardo em algum lugar o recorte de um que li, ainda no século passado: “Vendo dentadura com pouco uso”. Imagino o feliz comprador indo à casa do anunciante e ele, tirando a dentadura da boca e passando-a sob um jato d’água da pia da cozinha, dizendo: “Tô prefifanto. Fão finquenta crufeiros”.
[1] Marcelo Galuppo é professor da PUC Minas e da UFMG e autor do livro Os sete pecados capitais e a busca da felicidade, pela Editora Citadel, dentre outros. Ele escreve aos domingos no Diário de Minas.