O evento levou vidas e abalou famílias, despejou grandes quantidades de produtos químicos nas águas do rio e atrapalhou o trânsito entre o Maranhão ao Tocantins
28-12-2024 às 08h38
Rogério Reis Devisate*
Tentaram evitar que Juscelino Kubitschek tomasse posse, o que só não ocorreu por conta do golpe preventivo do Marechal Henrique Lott. Depois ocorreram duas tentativas de golpe contra JK, nos episódios das revoltas de Jacareacanga e Aragarças. Apesar disso tudo, conseguiu terminar o seu marcante mandato presidencial, junto com o seu Vice-Presidente João Goulart, passando a faixa presidencial ao seu sucessor, Jânio Quadros, que, aliás, também teve João Goulart como Vice-Presidente. Simbolicamente, agora derrubaram JK, pois a ponte que caiu tinha o seu nome.
Essa queda ocupa os noticiários e já era temor de muitos, como se noticia. O evento levou vidas e abalou famílias, despejou grandes quantidades de produtos químicos nas águas do rio e atrapalhou o trânsito entre o Maranhão ao Tocantins.
A ponte era importante para escoar a produção agrícola, que é forte na região. Os dois estados integram o MATOPIBA, acrônimo formado por partes das palavras Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia e, só de soja, foram colhidas mais de 18 milhões de toneladas na safra 2022/2023. A via também contribuía para o escoamento de produtos vindos da Zona Franca de Manaus. Não era ponte ligando o nada ao lugar algum, portanto, como alguns podem pensar.
Diante dos problemas que já se percebia na estrutura da ponte, noticia-se que o governo federal buscou e não conseguiu licitar a contratação de empresa para a elaboração dos estudos preliminares e a produção do projeto básico para a execução das obras, ao custo de 13 milhões de reais. Agora que a ponte caiu, já se fala em cerca de 100 ou 150 milhões de reais para a construção de nova estrutura. Desprezados os motivos, isso significa que deixamos de investir em manutenção para mais gastar na reconstrução!
Também é interessante perceber que o recente pacote de corte de gastos do governo federal já preocupava o setor de construção pesada, que em 05.12.2024 manifestava a sua preocupação (BPMoney). Quantos outros problemas causarão os cortes de despesas e investimentos?
Vidas foram levadas e o Natal dos seus familiares e amigos não foi o desejado por ninguém. Temos mortos e feridos, por algo que seria evitável?
Além disso, as águas do importante Rio Tocantins foram contaminadas por ácido sulfúrico e defensivos agrícolas. Essa contaminação não é local, apenas, pois as suas volumosas águas seguem do Cerrado para a Amazônia, com a sua foz na região da Ilha de Marajó, no Pará, onde se encontram com as águas do Rio Amazonas e esses ecossistemas se interconectam.
É interessante perceber que em torno da Ilha de Marajó ocorre contemporâneo embate, com o IBAMA negando licença ambiental para as pesquisas da PETROBRÁS, de exploração de Petróleo na chamada Margem Equatorial. Agora, as águas do Tocantins, manchadas por esses produtos químicos, chegará àquela região e esse dano ambiental – decorrente da queda da ponte – deverá alimentar os embates a respeito. Apenas o foco ambiental em questão poderá, doravante, ensejar ação civil pública, diante da responsabilidade ambiental que se apurar.
Falando-se em responsabilidades, consta no site do Governo Federal que a Polícia Federal inicia investigações para a apuração das causas do incidente e dos danos ambientais e responsabilidades (MJSP, 24.12.2024). Também o DNIT instaura sindicância com assemelhados propósitos, enquanto o Ministério dos Transportes publica decreto de emergência para a reconstrução da ponte (Governo Federal, Presidência, 24.12.2024).
Embora as cogitadas investigações estejam se iniciando e ainda que não conheçamos os detalhes relevantes, é crível que o ocorrido não foi um “acidente” imprevisível ou fortuito. Aliás, no caso concreto, consta que eram visíveis aspectos do problema e que se fazia vídeo a respeito no momento que antecedia a queda.
A jurisprudência tem reconhecido a responsabilidade objetiva dos entes públicos, por eventos decorrentes de falta de manutenção das vias de tráfego, inclusive pontes, como exemplifica decisão do Superior Tribunal de Justiça – STJ, proferida no julgamento do Recurso Especial 1.367.202-PR interposto pelo DNIT contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região – TRF4, onde se lê: “AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR QUEDA DE PONTE EM RODOVIA FEDERAL. CASO FORTUITO. INOCORRÊNCIA. OMISSÃO DO PODER PÚBLICO. MÁ CONSERVAÇÃO DA RODOVIA. [..] 2. Tendo ocorrido o desmoronamento da ponte pela falta de manutenção e vistorias que pudessem evitar eventuais problemas estruturais na mesma, o evento natural apenas ocasionou a queda da ponte devido a sua má conservação, estando descartada a hipótese de caso fortuito ou de força maior.”
O entendimento segue o comando da Constituição Federal que, no seu art. 37, Parágrafo 6º, regula o tema, com a seguinte redação: “§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.” Necessário, basicamente, que se demonstre o nexo de causalidade entre o resultado danoso e a ação ou omissão dos agentes ou entidades públicas.
Portanto, em se constatando a responsabilidade objetiva da União pela falha do Governo Federal a respeito da manutenção daquela ponte, caberá a indenização aos prejudicados e às famílias das vítimas.
Essa indenização seria paga com verbas federais o que, noutras palavras, corresponde ao pagamento por todos nós, já que o dinheiro público é basicamente o produto da arrecadação dos tributos pagos pelas pessoas e empresas. É como se nós pagássemos a conta das ações ou omissões do governo. É verdade que o Estado, uma vez responsabilizado, pode ingressar com ação de regresso para obter indenização contra os causadores diretos dos danos mas, convenhamos, em fato como esse, que envolve reconstrução com valores estimados de 100 ou 150 milhões de reais – mais o dano ambiental, a indenização às famílias das vítimas e dos danos materiais pelo valor dos caminhões – ainda que se pudesse imputar culpa por ação ou omissão a alguém ou alguns, não haveria quem pudesse ressarcir ao governo por tal enorme gasto.
O prejuízo fica, na prática, com os cidadãos…